terça-feira, 29 de julho de 2008

Judiciário não será o mesmo após Operação Satiagraha

Novos tempos
Judiciário não será o mesmo após Operação Satiagraha
A Satiagraha revela novas aproximações no Judiciário. A afirmação é da cientista política, Maria Tereza Sadek, diante dos desdobramentos da operação deflagrada no último dia 8 de julho, pela Polícia Federal. Segundo ela, o apoio do Ministério Público à Pólicia Federal é algo inédito e absolutamente excepcional.
Em entrevista às jornalistas Flávia Tavares e Laura Greenhalgh, do suplemento Aliás, do jornal O Estado de S.Paulo, Sadek fala da atuação das instituições envolvidas na operação que prendera o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito da capital paulista Celso Pitta e o investidor Naji Nahas.
Ela falou também sobre o mal-estar entre a primeira instância e o Supremo Tribunal Federal e explicou o porquê da sensação de que a “Justiça funciona para os ricos, não para os pobres”. A pesquisadora elogiou a atuação da PF (com restrições ao delegado Prótogenes), analisou o comportamento do juiz, do promotor, do delegado e do presidente do Supremo, Gilmar Mendes.
Na entrevista, sobraram ainda críticas ao ministro da Justiça, Tarso Genro, a quem classificou de inábil. “Ele se tornou uma das partes do conflito. Primeiro, provocou o ministro Gilmar Mendes, que revidou. Como representante do Executivo, ele não pode confrontar a independência do Judiciário nem de seus membros”, disse.
Maria Tereza Sadek também é professora titular da USP e coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (Cebepej).
Leia a entrevista concedida ao suplemento Aliás
Há duas semanas falou-se em insegurança jurídica no país. Esta semana até o presidente da República se manifestou sobre a atuação de um delegado da PF. Entramos na instabilidade institucional?
Maria Tereza Sadek — O que vejo é a disputa por espaço, confrontos vários num processo de afirmação das instituições. Observe o choque entre a Justiça de primeira instância e o Supremo. Ou dentro da PF, onde há dois grupos claramente divididos. Há ainda os interesses dos advogados, outro lado dessa disputa. De repente, diferentes interesses institucionais vieram à tona ao mesmo tempo, no mesmo caso.
Eram conflitos latentes?
Maria Sadek — Desde 1988, quando as instituições estavam se organizando. Caberia perguntar: quem está ganhando espaço? Não privilegio a análise estritamente jurídica, como toda essa discussão que os advogados travam sobre se o ministro Gilmar Mendes, do STF, deveria ou não ter concedido habeas corpus a Daniel Dantas. Prefiro a discussão institucional. O que está acontecendo com a Justiça de primeira instância? O que está acontecendo com o Supremo?
E o que está acontecendo?
Maria Sadek — Atravessamos um período no qual o Supremo vem ganhando espaço. E a atitude do ministro Gilmar, nos últimos dias, fortalece essa tendência de concentrar poder na cúpula do Judiciário. O que fatalmente leva ao enfraquecimento da Justiça de primeira instância.
O juiz Fausto De Sanctis disse o seguinte: se alguém esconde provas, dificulta o acesso a elas ou até as adultera, há razão para mandar prender. E lembrou: suas decisões podem ser reformadas em instância superior. Ele está certo?
Maria Sadek — O Judiciário sempre funcionou segundo o princípio de que o juiz tem liberdade e autonomia para julgar. Sua subordinação se dá apenas no plano funcional. Então, as decisões de primeira instância podem ser reformadas em instâncias superiores. É normal. O que não cabe é julgar o juiz, porque ele decide conforme a sua interpretação da lei e a sua consciência. O que originou essa grita toda foi a informação de que a decisão do juiz De Sanctis poderia parar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Como assim?
Maria Sadek — O conselho é órgão de controle. É disciplinar. A reação vem daí: a decisão do juiz é passível de reforma em instâncias superiores, como eu disse, mas não de punição disciplinar.
O caso iria parar no conselho?
Maria Sadek — Pois é, não ficou claro. Quando o ministro Gilmar Mendes disse que iria encaminhar para o conselho, houve uma revolta como eu jamais vi na história da magistratura brasileira, desde os tempos da Colônia. Daí o ministro voltou atrás, disse que encaminharia o caso apenas para as estatísticas.
Que casos vão para o CNJ?
Maria Sadek — Vão casos como o daquele juiz que “senta” sobre um processo sem decidir nada. Ou que favorece uma das partes. É esse tipo de demanda. O conselho jamais apreciará uma sentença. Aliás, desde os anos 90, quando se discutiu o controle externo do Judiciário, havia um ponto pacífico: sentença não está em julgamento.
O ministro Gilmar recuou?
Maria Sadek — Todo mundo recuou politicamente esta semana. E eu reforço outro aspecto: nesse caso há muita coisa de que não temos ciência. Detalhes que não conhecemos, como o porquê do afastamento do delegado do caso. Por isso, não quero saber se o ministro Tarso Genro agiu assim ou assado porque disputa espaço com a Dilma ou se é inimigo do José Dirceu. Não quero patinar na política pequena. Ganharemos se extrairmos desse caso conseqüências de médio e longo prazo.
Tarso Genro disse que o juiz estaria demonstrando certa instabilidade na condução do caso. Ele pode fazer essa afirmação?
Maria Sadek — Não pode. Talvez tenha ido além daquilo que um ministro da Justiça pode fazer. Aliás, Tarso Genro foi inábil e se tornou uma das partes do conflito. Primeiro, provocou o ministro Gilmar Mendes, que revidou. Representante do Executivo, ele não pode confrontar a independência do Judiciário nem de seus membros.
Mas o chefe do Executivo convocou o chefe do Judiciário para uma conversa.
Maria Sadek — Pois é, a confusão se espalhou. Envolveu não só diferentes instituições, como grupos dentro destas instituições. O presidente Lula foi obrigado a se manifestar, porque a percepção pública foi de um conflito muito forte. A potencialidade de explosão desse episódio é fantástica.
O que o caso tem de tão poderoso?
Maria Sadek — Ele mexe com uma pessoa com vínculos em todas as instituições. O empresário Daniel Dantas demonstrou ter esse trânsito amplo e isso fez com que a confusão aflorasse, mexeu com interesses de grupos. Nas minhas pesquisas, sempre me perguntava por que não passava a reforma do Judiciário, sendo esta uma idéia que todos os setores viam como necessária. Cheguei à conclusão de que não saía por não haver coalizões permanentes sobre os pontos discutidos. Vou dar um exemplo: súmula vinculante. Quem era a favor? As instâncias superiores da magistratura e o governo. Quem era contra? As instâncias inferiores da magistratura e a advocacia. Daí, fui ver quem era a favor do controle externo do Judiciário: as instâncias superiores da magistratura e a advocacia. Formou-se outra coalizão, com partes divergentes em outro tópico! A reforma só saiu graças à habilidade do então ministro Márcio Thomaz Bastos. Ele fatiou a reforma. Delimitou um campo onde havia relativo consenso.
Cabem tantas concepções de Justiça assim?
Maria Sadek — Há duas concepções opostas. Uma delas, mais tradicional, volta-se para os direitos e interesses individuais. Outra, para os direitos coletivos e interesses sociais. O conflito entre elas aparece a toda hora. Um exemplo é essa discussão sobre a “ficha suja dos candidatos”. É a briga entre os que acham que os direitos individuais têm de ser preservados acima de tudo e os que defendem que o eleitor saiba tudo sobre os candidatos. E a nossa Constituição? Ela defende tudo o que se possa imaginar. Do ponto de vista da defesa formal dos direitos, não há constituição no mundo tão generosa quanto a brasileira.
O senador Heráclito Fortes (DEM-PI) anunciou que, por ter sido citado na investigação na Satiagraha, não só recorrerá ao Supremo, como poderá levar o caso para lá.
Maria Sadek — Ele pode, tem foro privilegiado.
E tudo vira matéria constitucional?
Maria Sadek — Quando você tem tantos direitos constitucionalizados, qualquer coisa pode ser questionada judicialmente. Vale para direitos individuais ou coletivos, vale para todas as instâncias, a questão é saber onde eu entro nessa história. Como uma cidadã comum, entro no primeiro grau. Heráclito Fortes, senador, vai bater no Supremo. E tudo pode ser questionado: uma determinada reforma é aprovada no Congresso por maioria. Encerrada a questão? Não. Porque a minoria pode continuar discutindo via recurso na Justiça. É como se o Judiciário fosse uma arena a mais para o debate político. Costumo dizer: nós, no Brasil, temos acesso demais na Justiça. E acesso de menos.
Explique a diferença, por favor.
Maria Sadek — Para entrar na Justiça, os custos são baixíssimos e os benefícios, altíssimos. Você pode retardar, protelar, reformar uma decisão, e o que terá perdido com isso? Nada. E ainda ganhou tempo. De outro lado, você tem milhões de pessoas excluídas de direitos. Primeiro, porque sequer os conhecem. Segundo, porque têm descrença no juízo. Eis o acesso dificultado. É o contrário da situação em que, por qualquer motivo, o sujeito diz “vou para a Justiça”. Não se tem idéia do que existe de litigância de má-fé neste país. E, pior, não há punição adequada para a litigância de má-fé.
Vem daí a sensação de que a Justiça funciona para os ricos, não para os pobres?
Maria Sadek — Exatamente. Gosto de ler as cartas de leitores nos jornais. Nesses últimos dias, elas estão fortíssimas. Vi mais de um leitor comentando o seguinte: “Cacciola confia na Justiça? Tem que confiar mesmo, porque para ele funciona.”
É uma percepção equivocada?
Maria Sadek — Eu não diria isso. Mas nesse caos dos últimos dias, quem mais saiu prejudicado? A imagem da Justiça. Mais do que a imagem dos implicados, da PF, de tudo. A Justiça ficou mal e a população julga sem filtro. O povo não quer saber se existem várias instâncias. Fica a percepção de que a polícia prende e a Justiça solta.
O crime de colarinho branco está sendo mais julgado no Brasil?
Maria Sadek — Está. Nos últimos anos, houve uma mudança de qualidade e isso se deve muito à atuação do MP e da PF. Há uma série de denúncias que redundaram em processos e julgamentos. Se esse pessoal está na prisão ou não, é outra discussão. Mas o fato de existir a denúncia, a investigação, de o MP estar voltado para esses casos e de isso ser levado ao Judiciário já tem um efeito positivo.
Que efeito é esse?
Maria Sadek — Vamos pegar um caso exemplar. Há diversas denúncias contra prefeitos e processos contra secretários municipais. O resultado é que eles não estão mais confiantes na impunidade. É óbvio que estamos muito longe do ideal. Mas evoluímos bastante. Quantas vezes você viu um banqueiro voltar extraditado na classe econômica do avião, na última fileira, perto do banheiro?
Daniel Dantas teria dito, em conversa flagrada num grampo, que a primeira instância poderia lhe apresentar dificuldades, mas, no Supremo, ele agiria com tranqüilidade. O que essa fala representa?
Maria Sadek — É arriscado fazer comentários a esse respeito, podemos cair num denuncismo infundado. Claro que é mais fácil ter contatos com um número restrito de juízes ou de ministros em instâncias superiores do que com o primeiro grau, que é pulverizado. Mas o que essa fala reflete é a idéia da impunidade. Essa elite acredita que pode fazer o que quiser e, em algum momento, conseguirá, com sua influência, alterar a situação.
A senhora concorda com a idéia de que um Estado policial estaria se instalando?
Maria Sadek — Essa percepção prova como a PF tem dificuldades de se firmar como instituição. Se, de um lado, é incontestável que ela ganhou em graus de institucionalização, por outro, há uma falta de controle de seus integrantes. Então, pode haver comportamentos radicais de alguns membros, que dêem a idéia de um Estado policial. O relatório do delegado é cheio de qualificativos, de intenções. Isso não contraria o fato de que, no todo, a PF tem agido com mais competência.
Dantas contrata advogados que fazem parte de bancas tradicionais e de grupos chegados ao Planalto, como o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh e o compadre de Lula, Roberto Teixeira. Qual é o limite entre a advocacia e o lobby?
Maria Sadek — O lobby é uma atividade regular e legal nos EUA e em toda parte do mundo. Aqui, o lobby ficou associado ao tráfico de influência e a conotação é pejorativa. Qualquer grande empresário tem uma plêiade de advogados, com acesso a diversas esferas. O papel do advogado é a defesa, portanto, ele tem de procurar o melhor instrumento para defender seu cliente. Nisso, cabe o lobby? Cabe. E os grandes escritórios têm a vantagem das boas relações.
Isso inclui o tráfico de influência?
Maria Sadek — De um ponto de vista muito realista, inclui. Por isso, as pessoas querem como advogado um ex-ministro, por exemplo.
As associações de magistrados e de delegados já se pronunciaram em favor tanto do juiz De Sanctis quanto do delegado Protógenes. Essas manifestações podem reforçar o corporativismo?
Maria Sadek — As associações de classe estão mudando de perfil. A associação de magistrados, a AMB, vem tendo um papel decisivo em questões que não são estritamente corporativas. Ao assumir a defesa do juiz De Sanctis, há uma manifestação, não só da AMB, mas dos juízes federais, de uma visão a respeito da estrutura do Judiciário, do fortalecimento do primeiro grau. Já a associação dos delegados foi a favor do delegado Protógenes para dizer “a PF tem que ter um papel que é tal”. Isso transcende o corporativismo. Mas o que é absolutamente surpreendente é a manifestação do MP a favor do juiz e do delegado. Isso é uma originalidade na história das instituições.
O que isso significa?
Maria Sadek — Que o promotor está confirmando para a sociedade que há uma denúncia sustentável. O habitual era haver um confronto do MP com a polícia, porque uma das atribuições do MP é o controle externo da atividade policial. Obviamente, a polícia não gosta de ser controlada por outra instituição. Por isso, esse apoio é absolutamente excepcional e deve ser valorizado.
Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2008

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Na canetada não!


“Quem escandaliza um sequer destes pequenos
que vem a mim faria coisa melhor
se pendurasse uma pedra de moinho no pescoço
e se atirasse no profundo do mar.
Cuidado em desprezar um destes pequenos
porque eu vos asseguro que os anjos deles no céu
contemplam continuamente o rosto de Deus”
(Mt. 18,6-10).

Preocupa-me a forma como vem sendo discutida pela imprensa e pelo parlamento brasileiro a proposta de redução da maioridade penal. O tema voltou à tona após o bárbaro assassinato do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, do qual participou um menor de idade.

O crime chocou a todos nós, seja pela forma cruel e desumana, seja pela sensação de impunidade. Leva-nos a uma reflexão acerca das origens, das causas e conseqüências da violência e da criminalidade em nossa sociedade. Cada cidadão indignado pergunta o que se fazer.

Diante dessa realidade atual de nosso país, é difícil encontrar formas milagrosas para resolver o problema, no entanto, não podemos aceitar que nos apresentem e defendam soluções legislativas de impacto, que se mostram, a priori, como solução de todos os problemas, mas que na realidade não surtirão os efeitos que a população deseja.

Uma dessas propostas milagrosas é da redução da maioridade penal, de 18 anos para os 16 anos de idade. Pesquisa realizada pelo Datafolha, no ano de 2004, mostrou que 84% da população brasileira apoiavam a redução da maioridade penal (Folha de São Paulo, 01.01.2004).

Casos chocantes de violência não devem nos conduzir, por si só, a mudanças legislativas. È preciso cautela nesses momentos. Faz-se necessário um estudo aprofundado do impacto dessa medida em nossa sociedade. Na maioria das vezes a mudança na lei serve apenas para fins de dar uma satisfação à população, servindo mais como fraude e engodo do que como solução definitiva.

Os proponentes da redução da maioridade penal apresentam-na como solução dos nossos males, da violência juvenil e da criminalidade, mas na verdade a experiência tem mostrado que mudar as leis, sem que se mudem as práticas administrativas, não nos traz vantagens, servindo apenas como reformas paliativas numa situação crônica.

O cidadão comum precisa entender que os políticos propositores da redução da maioridade penal e os meios de comunicação que endossam esta idéia, procuram desviar a atenção da sociedade das verdadeiras causas da violência e da criminalidade, que são a exclusão social, a falta de empregos para os jovens, a péssima qualidade da educação, o desprezo com a saúde e o sucateamento da segurança pública. Não é proveitoso para “os donos do poder” mexer no estado das coisas, sendo-lhes mais oportuno e eficiente o desvio de foco do real problema, com simples mudança da lei e a promessa fraudulenta de que todos os nossos problemas acabaram.

Foi assim também ao tempo em que se criou a Lei dos Crimes Hediondos (Lei no. 8.072, de 25 de julho de 1990). À época saudada como solução para os graves problemas da criminalidade em nosso país, com constantes seqüestros e homicídios. Passados mais de dezesseis anos de sua implantação, uma pesquisa do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delitoe Tratamento do Delinqüente (Ilanud) mostra que, no período de 1993 a 2003 o número total de homicídios registrados no estado de São Paulo saltou de 9.219 para 13.903. Ou seja, houve um aumento de 50,8% no número de homicídios, enquanto que, no mesmo período, a população cresceu 16,7%. Conclui-se assim, que não basta lei apenas, faz-se necessárias políticas públicas de inclusão social para revertemos o trágico quadro da (in)segurança pública nacional.

Se observarmos bem, o problema da violência no Brasil é cotidiano. Todos os dias se registram casos de violência que se apresentam de várias formas, ação de grupos organizados, milícias urbanas, organização para o tráfico de drogas, assaltos a banco, roubo de cargas, etc. Mas só quando um crime nos choca profundamente é que nos revoltamos contra a situação. É importante também notar que, após esse trágico homicídio, muitos outros continuam a acontecer diuturnamente, mas não dão notícia, pois não servem para o alarde sensacionalista da imprensa, que com isso força os nossos legisladores midiáticos a seguirem a opinião pública inflamada pelo sensacionalismo da grande mídia.

A sociedade grita, exige das autoridades providências, mas, ao invés de agir, é preferível criar artifícios para ocultar a realidade. É isso que tentam fazer alguns parlamentares em associação com determinados meios de comunicação que apresentam para a sociedade a solução de todos os seus problemas com a redução da maioridade penal.

Não é através da canetada que se vai resolver o problema da criminalidade no Brasil. A solução passa bem longe da alteração legislativa. Não seria mais oportuno cumprir a lei já existente, ao invés de mudá-la? Um exemplo claro é o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que prever a criação de Conselhos Tutelares. No entanto, o que vemos é falta de implantação em muitos municípios deste órgão, ou nos município onde foi implantado não se tem condição de trabalho adequada para assistência aos menores, não há veículos, não existem programas para a juventude, visando garantir oportunidades e perspectivas de futuro digno para as nossas criança e jovens.

A maioridade penal estabelecida em 18 anos é uma garantia para nossos filhos, não para a minoria marginal. Visa-se com isso a proteção do jovem, para que não seja mandado para um presídio ao cometer um erro grave, mas sim que lhe seja aplicada uma medida sócio-educativa, visando corrigi-lo de seus erros e reeducá-lo para a sociedade. Se o Estado não tem sido responsável em implementar programas adequados para essa reeducação, não pode agora, furtando-se de sua responsabilidade, querer marginalizar nossa juventude.

A grande mídia procura generalizar casos de violência localizada e infundir na consciência popular a falsa idéia de que temos um país feito de delinqüentes juvenis, quando na realidade tal visão é completamente desmentida pelos estudos e pesquisas realizadas.

Segundo dados do ILAND – Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente – os crimes realizados por adolescentes não atingem 10% dos crimes praticados no Brasil e de todos os atos infracionais praticados por adolescentes, somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande maioria dos atos infracionais (cerca de 75%) são contra o patrimônio, sendo que 50% são furtos.

Um levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, divulgado no final de 2003 pelo jornal “Folha de São Paulo” mostrou que os adolescentes são responsáveis por apenas 1% dos homicídios praticados no estado e por menos de 4% do total de crimes.

Alguns países que reduziram a idade penal há quatro anos, como a Espanha e Alemanha, verificaram um aumento da criminalidade entre os adolescentes. Atualmente, 70% dos países do mundo estabelecem a idade penal de 18 anos. Idade esta definida como adequada para a maioridade penal em Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989, da qual o Brasil é país signatário.

Não podemos nos quedar a tentativa da classe dominante em retirar direitos de nossos jovens, impondo-lhes mais obrigações. Não é demais lembrar de que toda vez que o Estado se mostra incompetente em solucionar uma situação, há uma busca pela reforma legislativa. E é contra isto que devemos lutar, não contra nossos jovens.

É certo que muitos dirão que é um absurdo um menor cometer um crime grave e ser internado por no máximo 03(três) anos. Nesse ponto comungo com o ideal de justiça da grande maioria da sociedade. Por isso, defendo que, ao invés de se reduzir a maioridade penal, seja reformado o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 121, para que se permita um o aumento do período de internação de adolescentes infratores que cometam crimes graves e com violência contra a pessoa. Por isso, creio que a possibilidade de período de até 10(dez) anos para internação de adolescentes infratores seria mais viável e adequada do que a redução da maioridade penal.

Defendo essa proposta, pois entendo que conciliaria a sociedade. De um lado o direito humanitário dos nossos jovens de serem tratados de forma diferenciada, por serem pessoas em formação, de outro, o direito de segurança da sociedade, consistente na punibilidade eficaz dos menores infratores, ou pelo menos que não sejam punidos de forma tão mais leve que adultos em iguais condições.

Não é demais advertir a todos que a redução da maioridade penal é mais uma das artimanhas utilizadas por políticos que representam a elite brasileira, na procura de se livrar dos problemas ao invés de resolvê-los. Querem com isso encaminhar jovens sem oportunidades para as masmorras da vida e com isso se verem livres de ter de dividir a mais-valia.

Atentai bem sociedade brasileira. Precisamos encontrar respostas que nos tragam melhoria social e não endurecer a já dura vida de nosso povo brasileiro, especialmente daqueles que sequer ainda tiveram uma oportunidade na vida.

Não devemos ser partidários do crime ou do criminoso, mas não devemos aceitar que os excluídos sejam marginalizados por pecados que não lhes são somente seus.

Cajazeiras-PB 08 de março de 2007.

Edivan Rodrigues Alexandre
Juiz de Direito
Titular da 4ª. Vara de Cajazeiras

Grande só Deus


Recentemente tive a oportunidade de me deparar com adesivo colocado em veículo que trazia a inscrição “Deus é grande”. Fiquei muito feliz em ver o tamanho da fé daquele motorista. No entanto, fui observando que aquela conduta se repetia em outros carros e pude perceber de que não se tratava de manifestação de fé em Deus, mas sim de propaganda eleitoral subliminar, que é caracterizada por antecipação ilegal de publicidade eleitoral, só permitida após o dia 5 de julho de 2008.

Determinado pré-candidato, que se diz grande, resolveu associar seu nome ao de Deus e retirar vantagem de publicidade eleitoral ilícita, utilizando-se do nome de Deus para sua autopromoção.

Nesse momento, vieram-se dois tipos de revoltas. Uma cívica, outra religiosa. A primeira, na qualidade de Juiz Eleitoral, no que diz respeito à fraude a legislação eleitoral, que não permite propaganda eleitoral antes do prazo estabelecido por lei. A segunda revolta vem da formação cristã e religiosa. Esta por sinal advém de Deus, o próprio Grande, tomado de sua glória para satisfazer interesses espúrios e mesquinhos daqueles que se acham acima da lei e, agora também, acima de Deus e de seus mandamentos.

Duas legislações são violadas, a lei dos homens e a Lei de Deus. A primeira de forma dissimulada, procurando enganar os homens, não a Deus. A segunda, de forma explícita, sem enganar a ninguém e afrontando a Deus.

A lei dos homens aviltada aqui é a Lei das Eleições (Lei no. 9.504/97, art. 36) que determina: “a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição”. A violação desta lei sujeita o responsável pela divulgação da propaganda e o beneficiário, à multa no valor de R$21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais) a R$53.205,00 (cinqüenta e três mil duzentos e cinco reais). Entretanto, depende de homens para sua punição.

A Lei de Deus neste ato violado é a utilização do Santo nome em vão, com fim egoísta e de autopromoção. Na Lei de Moisés (Os dez mandamentos), o legislador divino proclamou, em seu mandamento imutável: "Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão, porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão." (Êxodo 20:7). Para esta, não se faz necessária a intervenção de num homem para haver punição, o próprio Deus disso se encarrega.

Em nosso país, infelizmente, as leis dos homens são descumpridas com desfaçatez, especialmente pelos que deveriam dar exemplos, como os governantes e representantes do povo. As leis dos homens podem ser desrespeitadas sem que se consiga punir, mas ninguém foge do poder de Deus, que tudo pode (onipotência) e de tudo conhece (onisciência) e se encontra presente em todo lugar (onipresente).

Deus, e somente Deus, é grande. Os que se engrandecem por si mesmo esquecem que só são grandes perante os homens por obra de Deus. Como está escrito: “Ao Todo-Poderoso, não o podemos alcançar; ele é grande em poder, porém não perverte o juízo e a plenitude da justiça. Por isso, os homens o temem; ele não olha para os que se julgam sábios.” (Jó, 37, 23-24)

O nome de Deus manifesta e revela atributos, é uma das maneiras que Ele se revela em suas relações com a Igreja. O nome de Deus se multiplica em muitos nomes, que expressam os múltiplos atributos dEle. “Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade”. (Sl 8.1.) – Em outra passagem: “grande, o seu nome em Israel.”(Sl 76.1). Estes dois versículos são suficientes para provar que o nome de Deus é algo superior em excelência e honra, e não pode ser usado de qualquer jeito.

Não devemos querer, jamais, domesticar Deus, usando seu nome para fins de interesse pessoal ou cobiça. Enfim, somos chamados a usar bem este nome, pois ele dá sentido as nossas vidas e assegura que o verdadeiro Deus está conosco.

Infelizmente, alguns se acham acima das leis dos homens e até mesmo de Deus, por desconhecimento ou por arrogância. Já no Antigo Testamento, o Profeta Isaías advertia sobre esta prática: “Agora que farei eu aqui, diz o Senhor, visto ter sido o meu povo levado sem preço? Os seus tiranos sobre eles dão uivos, diz o Senhor; e o meu nome é blasfemado incessantemente todo dia” (Is 52.5). Também, no Novo Testamento, o Apóstolo Paulo, em carta aos Romanos avisava: “pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!”(Rm 1.25).

Espera-se que o povo não se associe a esta prática e volte-se para Deus, fugindo dos que se promovem, usando o nome de Deus.

Deus seja para sempre louvado, Ele e tão somente Ele, pois só Deus é grande.

Cajazeiras-PB 17 de maio de 2008


Edivan Rodrigues Alexandre
Juiz de Direito – 4ª. Vara de Cajazeiras
Licenciado em Filosofia pela FAFIC - Cajazeiras

A corrupção legalizada




“Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males;
e nessa cobiça alguns se desviaram da fé,
e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.”(I Timóteo, 6:10)



Quantas operações policiais serão necessárias para erradicar a corrupção neste país? Fiz-me esta pergunta após as prisões realizadas pelas Operações Furacão e Navalha, feitas pela Polícia Federal. A corrupção neste país não diminuirá a níveis aceitáveis tão cedo, e a justificativa é simples: Em nosso país, a corrupção é legalizada e incentivada pelos próprios governantes.

Espanta a resposta? Eis algumas justificativas.

Nenhum cidadão vicia ou corrompe o poder público sem que o poder público queira ser corrompido. Firma-se aí a certeza de que a corrupção vem de dentro do poder e é levada como prática para a própria sociedade. Só há corruptores se houver quem se corrompa, corrupto.

Os nossos governantes e representantes são, na maioria das vezes, causas e motivos determinantes da corrupção. Além do mais, podem contribuir decisivamente para diminuir o grau de corrupção a qualquer momento, basta que queiram. Parece, no entanto, que não há interesse de mudar a situação, mas sim de colocar a culpa nas leis e no sistema.

A corrupção é institucionalizada, ou seja, é praticada pelo próprio Estado, seja para privilegiar o governante ou ainda para garantir-lhe a impunidade.

Veja que a possibilidade de se nomear livremente pessoas pela escolha indiscriminada de governantes e pela indicação de parlamentares é mais que um ato de corrupção, é um atentado a República, no seu sentido jurídico e legal de “coisa pública”.

Ora, a existência de cargos comissionados, providos ao bel-prazer do governante de plantão e mudados sempre que muda o administrador é um acinte vergonhoso, que além de privilegiar alguns grupos, leva para a administração pública pessoas, quase sempre, sem nenhum preparo técnico ou científico, que buscam apenas um favorzinho com um emprego público.

Além do que, favorece por demais os canais de corrupção na Administração Pública, pois essas pessoas privilegiadas se acham intocáveis, pois tem padrinho; não possuem o temor que têm funcionários de carreira, pois aquele “bico” não lhe servirá a vida toda.

Perguntado ao Senador amazonense Jefferson Peres por que os parlamentares têm tanta sede por cargos, ele respondeu, sem meias palavras, que: “Uns é apenas para acomodar afilhados políticos mesmo, para fazer pequenos favores, clientelismo barato. Outros não. Quando pedem cargos de diretoria de estatais é com fins de corrupção. É pra fazer dinheiro para campanha, caixa dois. São basicamente esses dois motivos. Um mais grave, outro menor, mas todos contrários ao interesse público”. (Fonte: saite: www.congressoemfoco.com.br).

As palavras o senador, considerado umas das referências éticas no Congresso, confirma que neste país a corrupção é institucionalizada e mantida para o privilégio de alguns e em detrimento de muitos.

Muito provavelmente, seriam poucas as instituições públicas que se sairiam ilesas de uma operação bem orquestrada da briosa Polícia Federal, pelo fato de que o Estado brasileiro contribui com suas práticas e sistemas vigorantes de impunidades para essa corrupção desenfreada que assola nosso país.

A luta da sociedade contra a corrupção passa necessariamente pelo fim dos privilégios para a classe dominante, o fim dos cargos comissionados, o fim do foro privilegiado, a fim da nomeação de advogados escolhidos por políticos para o Poder Judiciário, entre outros meios de corrupção legalizada.

Mas para isso faz-se necessária mobilização popular; faz-se necessário que o povo cobre, proteste e exija a implantação de uma verdadeira República, regida pelos ditames da lei e não pelos interesses pessoais dos governantes.

Cajazeiras-PB 27 de junho de 2007


Edivan Rodrigues Alexandre
Juiz de Direito – 4ª. Vara de Cajazeiras
Licenciado em Filosofia pela FAFIC - Cajazeiras