sábado, 25 de julho de 2009

CNJ consolida papel de planejador da Justiça


No seu quarto ano de existência, o Conselho Nacional de Justiça já pode dizer que assumiu, de fato, o seu papel de coordenação e planejamento estratégico do Judiciário. Precisou driblar a resistência à abertura nos tribunais, sair de Brasília e conhecer in loco a forma e a lógica de trabalho da Justiça brasileira. Nas empreitadas, o que descobriu foi assustador.
O trabalho de inspeção do CNJ constatou a inércia das corregedorias dos Tribunais de Justiça. A fiscalização do trabalho de juízes, desembargadores, servidores e oficiais de Justiça é mínima. A gestão é um problema em todas as cortes visitadas. Nos sete tribunais visitados pela equipe da Corregedoria do CNJ, comandada pelo ministro Gilson Dipp, foram encontrados problemas como a carga de processos que já dura por mais de um ano (o controle era apenas da saída dos autos), desembargadores que receberam até R$ 40 mil de diárias em apenas um ano, processos disciplinares contra membros já aposentados do Judiciário parados há muito tempo, autos de sindicâncias furtados. Não bastasse isso, o CNJ encontrou licitação para a contratação de um bufê para eventos pequenos, médios e grandes na corte. A média era de 40 eventos por ano.
Além do trabalho de inspeção nos tribunais, registrado em relatórios publicados no site do CNJ, e dos 16 mutirões carcerários em que 4,4 mil presos foram colocados em liberdade, o conselho leva em frente o Programa Integrar, desdobramento das inspeções, em que uma equipe de especialistas em gestão vai até as varas e tribunais para traçar um diagnóstico. Depois, capacitam servidores e ensinam as melhores formas de distribuição, armazenamento e demais procedimentos necessários para que os processos saiam do lugar. É o chamado choque de gestão.
A evolução
A primeira obrigação nacional que está sendo cumprida pelas cortes estaduais é a chamada Meta 2: os processos devem ser julgados em quatro anos. Até o final de 2009, os tribunais devem julgar todos os processos ajuizados até 2005. Mais de 60% dos Tribunais de Justiça do país já cumpriram ou estão perto de chegar ao resultado esperado, de acordo com secretário-geral do CNJ, Rubens Curado. “A meta ainda não é a ideal, mas é a possível. Pela primeira vez, estamos dizendo o que é razoável. A ideia é desacomodar os tribunais.”
Outra meta que deve ser alcançada até o final deste ano pelos tribunais é a numeração única, como previu a Resolução 67 do Conselho. “Qualquer tipo de imposição vai contra os objetivos do CNJ”, afirma Rubens Curado. No caso do sistema processual eletrônico, ele afirma que o conselho pretende investir no desenvolvimento de um sistema que possa ser usado por todos os tribunais. Depois de desenvolvido, estará disponível para todos os que quiserem utilizá-lo, também como uma forma de “racionalização de custos”.
O próximo objetivo do Conselho Nacional de Justiça é estabelecer um controle dos gastos do Judiciário, com a implantação de um sistema semelhante ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal: maior eficiência com menos custos. A ideia foi lançada na terça-feira (21/07) pelo presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, durante a assinatura do termo de posse de oito novos conselheiros na sede do Conselho em Brasília. “Precisamos avançar mais e mais no controle e transparência de gastos”, enfatizou o ministro ao defender a iniciativa.
A atuação do CNJ, que ainda hoje encontra resistência, já foi muito mais mal vista por alguns magistrados, justamente por tentar moralizar o Judicário. Em 2006, sob a presidência do ministro Nelson Jobim, o Conselho decidiu regulamentar o teto salarial da Justiça. Em outubro de 2005, foi a vez de regulamentar a proibição do nepotismo. Na gestão da ministra Ellen Gracie, o Conselho se voltou para a modernização do Judiciário, com investimentos no processo eletrônico e em tecnologia. Foram os primeiros passos para a digitalização dos processos e da criação de sistemas de ações eletrônicas.
Na gestão Gilmar Mendes, chegou a era do planejamento estratégico, com as inspeções, os mutirões e o Programa Integrar. Desde 2008, o presidente do CNJ e do Supremo visitou nada mais do que 98 cidades brasileiras e 33 estrangeiras em oito países, para trocar experiências, conhecer a realidade dos tribunais e dos presos.
Para a estudiosa do Judiciário Maria Tereza Sadek, o CNJ está fazendo uma verdadeira revolução na Justiça brasileira. Segundo a professora, ninguém ainda tinha tido a coragem de fazer os mutirões carcerários, o gerenciamento de processos e a informatização, atuação que “têm chegado a resultados impressionantes”. Maria Tereza entende que essa revolução tem muito a ver com a personalidade do ministro Gilmar Mendes, de ser próativo “e enfrentar as situações, independentemente da resistência que possa encontrar”. “Nessa gestão, o CNJ assumiu por completo as suas atribuições.”
Inspeções
A Corregedoria Nacional de Justiça já inspecionou sete tribunais: Amazonas, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Piauí e Justiça Militar do Rio Grande do Sul. Uma equipe especializada em gestão visitou os cartórios, as varas, os tribunais para saber como trabalham e produziu diagnósticos. Depois disso, os Tribunais de Justiça do Piauí e do Maranhão já receberam a visita da equipe do Programa Integrar que, a partir do diagnóstico, faz um trabalho de capacitação dos servidores.
Entre as pérolas encontradas no Tribunal de Justiça do Amazonas, a constatação de que há contra o corregedor-geral de Justiça do estado representações paralisadas há muito tempo, sendo que algumas sob relatoria de desembargadores aposentados. Um dos processos disciplinares, em 2004, foi encaminhado pelo relator (hoje aposentado) ao próprio desembargador acusado e desde então a ação não retornou. Também no Amazonas, a equipe do CNJ descobriu que a investigação de supostas fraudes nas distribuições estão paradas há seis meses.
No Piauí, de acordo com a inspeção, inúmeros processos já julgados por desembargadores aposentados de 2004 a 2008 ainda estão pendentes de publicação de acórdão. A determinação do CNJ foi que todos os acórdãos fossem publicados em 30 dias. Descobriu-se também que milhares de processos estavam sob carga há mais de 100 dias, alguns há mais de três anos. Haverá apuração de desídia por parte de juízes, desembargadores e oficiais de Justiça, por conta de processos conclusos há mais de 100 dias sem justificativa.
No Pará, a alta rotatividade dos juízes foi um dos maiores problemas encontrados. Na 1ª Vara de Icoaraci, por exemplo, passaram 19 juízes desde junho de 2008 até dezembro de 2008. Lá, o CNJ verificou que o pagamento de diárias era feito sem o menor controle. O valor integral era pago, mesmo quando o deslocamento do juiz não exigia pernoite fora da sede. A necessidade da viagem também não era detalhada.
A falta de recursos humanos foi constatada. De acordo com o relatório de inspeção, há varas com apenas um servidor. Na 1ª Vara de Icoaraci, os próprios servidores contrataram uma pessoa para prestar serviços no cartório. Foi no Pará que um bufê foi contratado para eventos pequenos, médios e grandes. “Tais atividades não se coadunam com as finalidades institucionais do tribunal. Portanto, tal despesa não encontra amparo legal para a sua realização”, diz o relatório.

Fonte: Consultor Jurídico

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Juízes contestam regras para internet em campanhas

A Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe) divulgou nota, nesta sexta-feira (17/7), apontando inconstitucionalidade nas regras para comunicação na internet durante as campanhas eleitorais, aprovadas semana passada na Câmara. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.

O ponto mais grave apontado pelo presidente da associação, o juiz Márlon Reis, é a proibição de os portais de comunicação se manifestarem a favor de uma candidatura ou contra ela. Esta é a regra aplicada a emissoras de rádio e TV, que são concessões públicas.A proibição é mais rígida que a norma para revistas e jornais impressos.

"A Abramppe alerta a sociedade e as instituições públicas brasileiras para essa manobra obscurantista e inconstitucional que, se acaso aprovada, privará o Brasil de grandes oportunidades de reflexão e progresso ao longo das campanhas", diz a nota. Reis informou que a associação encaminhará uma nota ao Senado, onde o projeto será votado em agosto, apontando as restrições que considera mais graves. Caso as amarras sejam mantidas, a associação estuda entrar com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).

Reis diz que a Abramppe tem legitimidade para questionar a lei na Justiça, diretamente no Supremo ou por meio de representação à Procuradoria-Geral da República. "Impedir o funcionamento dos sites de comunicação de forma crítica durante a campanha afronta o direito de acesso à informação e a livre expressão de comunicação. E não estou falando só dos portais de jornais e revistas, mas também dos comentaristas políticos. Eles não podem ser impedidos de fazer suas análises."

Para ele, a proibição da difusão de opinião sobre um candidato ou partido limitará a cobertura jornalística na internet, que terá de se "contentar com a divulgação de agendas dos candidatos e a elaboração de matérias sem qualquer juízo crítico". O relator do projeto na Câmara, Flávio Dino (PC do B-MA), garante que não haverá restrição à cobertura jornalística na internet e as normas são as mesmas para o jornalismo impresso."Jornais e revistas também não podem se engajar em uma candidatura. Criamos um regime que se assemelha às demais mídias na ideia de que jornalismo não é propaganda. Informações e análises não estão proibidas".

Fonte: Consultor Jurídico

terça-feira, 7 de julho de 2009

Relatório Semestral do Judiciário Cajazeirense em 2009

Os relatórios abaixo, em forma de gráficos, são referentes ao primeiro semestre de 2009. As informações foram colhidas junto ao Siscom (Sistema Informatizado de Comarcas do Estado da Paraíba). Não constam dos mencionados relatórios os dados referentes aos E-Jus (Processo Virtual do Juizado Especial Criminal) e da VEP (Vara das Execuções Penais).

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

CNMP, que fiscaliza Ministério Público, enfrenta resistência

Punições do Conselho Nacional do Ministério Público são derrubadas pelo STF

Conselho tem orçamento pequeno: R$ 10 mi, contra R$ 122 mi do CNJ, e ainda não possui banco de dados com ações contra procuradores

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Criado em 2004 para exercer o controle externo do Ministério Público, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) é uma espécie de xerife sem munição que não sabe o que acontece nas suas barbas. O órgão é pouco conhecido, enfrenta resistências e sua atuação deixa a desejar, até para os que aprovam seu funcionamento.
"A cúpula do CNMP não tem a menor ideia do que acontece nos Estados", diz o procurador da República Celso Três, de Santa Catarina. Ele acha "um escândalo" o conselho ainda não ter instituído correições obrigatórias (visitas periódicas dos corregedores às unidades) e critica "a passividade" diante do "descalabro salarial nos Ministérios Públicos estaduais".
Três diz que, em Santa Catarina, todos os promotores recebem auxílio-moradia, e, no Rio de Janeiro, há promotores ganhando até R$ 36 mil mensais.
O secretário-geral do CNMP, procurador da República José Adércio Sampaio, admite que o órgão já tentou checar a informação de que, para driblar o teto, em alguns Estados promotores recebem dois contracheques, o oficial e o paralelo.
Cabe ao CNMP zelar pela boa gestão e administração financeira do Ministério Público dos Estados e da União (inclui os Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal). Deve controlar a conduta funcional dos membros dessas instituições. Mas não há um sistema disciplinar único. Leis estaduais variam sobre o que pode e o que não pode ser alvo de penalidades.
O CNMP pretende dar unidade a instituições que travam disputas entre si. Deve coibir excessos de promotores e procuradores que têm autonomia e independência garantidas pela Constituição de 1988, o que gera fortes resistências.
O CNMP não tem um banco de dados sobre ações civis e criminais contra membros do Ministério Público, sugestão feita em 2007 pela procuradora Janice Ascari, então conselheira.

Supremo
Punições disciplinares do CNMP costumam ser derrubadas com mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal. Entre junho de 2005 e junho de 2009, foram autuados 84 processos disciplinares e julgados 66. Houve sanções em sete casos. No período, foram movidos 82 processos no STF questionando atos do CNMP.
"Se o contribuinte arca com os custos do Ministério Público e do Poder Judiciário, por que deve arcar também com os custos de mais um órgão cujas decisões todas podem ser revistas pelo Judiciário?", pergunta Fernando Nucci, procurador de Justiça em São Paulo.
O CNMP já expediu 43 resoluções. O próprio ex-presidente do conselho, o então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza, ajuizou nove ações no Supremo, questionando a constitucionalidade de várias dessas decisões.
Finalmente, o CNMP não põe fé nas informações que recebe de muitas instituições que deve controlar. O relatório da Corregedoria Nacional do Ministério Público revela que, em 2008, oito Ministérios Públicos estaduais não fizeram nenhuma correição. A listagem também não cita nenhuma correição da Procuradoria, sob a alegação de que não há padronização e consistência nas informações de suas unidades.
"O papel do Ministério Público é fundamental, mas reconheço que é mais difícil captar dados no Ministério Público do que no Judiciário", diz a pesquisadora Maria Tereza Sadek. Ela considera o CNMP "um órgão apagado" e, de certa forma, a reboque do CNJ.
"As resoluções, quase todas, são cópias das resoluções do CNJ", diz o promotor Nucci.
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo, destaca "as resoluções regulamentando o controle externo da atividade policial, o combate ao nepotismo e a transparência na gestão e nos concursos de ingresso, além de um apurado exame das decisões das corregedorias". Critica a falta de estrutura do órgão.
Primo pobre do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o CNMP tem orçamento de apenas R$ 10 milhões (em comparação com R$ 122 milhões do CNJ). O CNMP tem só três cargos em comissão, com custo de R$ 8.300 mensais. O CNJ tem 81, com custo de R$ 565,1 mil.
Até o ano passado, o CNMP funcionava numa sala na Procuradoria Geral da República. Alugou, por R$ 70 mil mensais, dois blocos num centro empresarial no Lago Sul, área mais sofisticada de Brasília.
Nos dias de sessão, os conselheiros do CNMP que residem em outros Estados dispõem de sete veículos Sentra (Nissan) e três Marea (Fiat).

Fonte: Folha de S. Paulo

domingo, 5 de julho de 2009

Entrevista: Eugenio Raúl Zaffaroni

Raúl Eugenio Zaffaroni - Spacca

O argentino Eugenio Raúl Zaffaroni é considerado uma das maiores autoridades mundiais em Direito Penal na atualidade. Referência obrigatória na América Latina, é um dos responsáveis por fazer uma releitura crítica do Direito Penal. Juiz da Corte Suprema da Argentina, magistrado de careira, exerceu a advocacia, passou rapidamente pela política em seu país e produziu uma vasta e conceituada obra sobre sua especialidade.

De passagem pelo Rio de Janeiro para participar de seminário prmovido pelo Instituto Carioca de Criminologia, Zaffaroni concedeu entrevista à Consultor Jurídico na qual resumiu o papel do Direito Penal. "A função do Direito Penal, hoje e sempre, é conter o poder punitivo." Para ele, cabe também ao Judiciário limitar o poder punitivo. "No curso da história, muitas vezes, o Judiciário traiu sua função." Quando isso acontece, explica, os juízes deixam de ser juízes e se tornam policiais "fantasiados" de juízes.

Crítico da mídia, que entende não só como sendo a imprensa e a TV, mas também a indústria do entretenimento, Zaffaroni acredita que é preciso ver a realidade sem se deixar levar por discursos de vingança. "A única coisa que chama a atenção são as pessoas mortas por roubo. Mortos por roubo, pelo menos no meu país, temos pouco. Temos um universo de homicídios em que a grande maioria é entre pessoas que se conhecem", diz.

Autor dos livros Em busca das penas perdidas e Teoria do delito, o criminalista já escreveu mais de 20 obras. Algumas, junto com grandes nomes do Direito Penal, como o brasileiro Nilo Batista, com quem escreveu Direito Penal Brasileiro.

Frequentador habitual de eventos no Brasil, não é raro ver o juiz da mais alta Corte de Justiça da Argentina assistindo palestras discretamente no fundo do salão. Ás vezes, até mesmo em traje esporte, sem assessores por perto e sem as formalidades tão caras ao meio juridico e acadêmico. “Não me imagino diferente”, diz a respeito de seu jeito informal.

Não por acaso Zaffaroni diz que levaria um dia para descrever seu currículo. Seu perfil biográfico exposto na página da internet da Corte Suprema de Justicia da Argentina gasta 160 páginas para listar cursos, títulos acadêmicos, cargos judiciais e executivos, livros, artigos e seminários dos quais já participou.

Zaffaroni nasceu em Buenos Aires, onde se formou em 1962. Foi juiz de alçada na capital argentina. Nos anos 90, dirigiu o Instituto Latino-Americano de Prevenção do Crime, das Nações Unidas, onde ficou por dois anos. Foi deputado constituinte em Buenos Aires e interventor no Instituto Nacional de Luta contra Discriminação. Exerceu a advocacia também por mais de dois anos até ser nomeado, em 2003, ministro da Corte Suprema da Argentina.

Questionado sobre sua passagem pela política, Zaffaroni a classificou como interessante. “Fiz parte de um partido que começou minoritário e, em um certo momento, se tornou a segunda força política do país. Depois sumiu. Bobagem dos líderes. Resultado da política espetáculo. A partir daí, deixei a política.”

Leia a entrevista

ConJur — Para que serve o Direito Penal?
Eugenio Raúl Zaffaroni — A função do Direito Penal, hoje e sempre, é conter o poder punitivo. O poder punitivo não é seletivo do poder jurídico, e sim um fato político, exercido pelas agências do poder punitivo, especialmente a polícia. Não estou falando da Polícia Federal ou da que está na rua e sim de todas as agências policiais, campanhas de inteligência, arquivos secretos, polícia financeira, enfim, agências executivas. Essas agências têm uma contenção jurídica que é o Direito Penal.

ConJur — Cabe ao Judiciário limitar o poder punitivo?
Zaffaroni — O Judiciário é indispensável para isso. A contenção é feita pelos juízes. Sem limites, saímos do Estado de Direito e caímos em um Estado Policial. Fora de controle, as forças do poder punitivo praticam um massacre, um genocídio. O Direito Penal é indispensável à persistência do Estado de Direito, que não é feito uma vez e está pronto para sempre. Há uma luta permanente com o poder. O Estado de Polícia se confronta com o Estado de Direito no interior do próprio Estado de Direito. Estar perto do modelo ideal de Estado de Direito depende da força de contenção do Estado Policial.

ConJur — Os juízes têm exercido a contento a função de limitar o poder punitivo?
Zaffaroni — Esse é o dever do Judiciário. No curso da história, muitas vezes, o Judiciário traiu sua função. Na medida em que os juízes traem sua função, tornam-se menos juízes, levando a um estado policial em que não há juízes, mas policiais fantasiados de juízes. Foi o que aconteceu na Alemanha nazista.

ConJur — Há uma tendência de o Judiciário aplicar o chamado Direito Penal do inimigo?
Zaffaroni — Estamos vivendo um momento muito especial. Hoje, não é fácil pegar um grupo qualquer para estigmatizá-lo, mas há um grupo que sempre pode virar o bode expiatório. É o grupo dos delinqüentes comuns. É um candidato a inimigo residual que surge quando não há outro inimigo melhor. Houve uma época em que bruxas podiam ser acusadas de tudo, das perdas das colheitas à impotência dos maridos. O que se pode imputar aos delinqüentes comuns é limitado, por isso é um candidato a bode expiatório residual. Nos últimos decênios, com a política republicana dos Estados Unidos, os delinqüentes comuns se tornaram o mais recente bode expiatório.

ConJur — Qual o resultado dessa escolha do inimigo?
Zaffaroni — Cria-se uma paranoia social, e estimula-se uma vingança que não tem proporção com o que acontece na realidade da sociedade. Através da história, tivemos muitos inimigos: hereges, pessoas com sífilis, prostitutas, alcoólatras, dependentes químicos, indígenas, negros, judeus, religiosos, ateus. Agora, são os delinqüentes comuns, porque não temos outro grupo que seja um bom candidato. Esse fenômeno decorre do fato de os políticos estarem presos à mídia. Seja por oportunismo ou por medo, eles adotam o discurso único da mídia que é o da vingança, sem perceber que isso enfraquece o próprio poder.

ConJur — De que maneira?
Zaffaroni — Ao adotar esse discurso, fomentam a autonomia das forças policiais, do poder que elas têm. Isso acontece porque a política ficou midiática. Não temos política de base, dirigentes falando com o povo; tudo é através da televisão. Eles estão presos aos meios de comunicação. Quando um juiz põe limites ao poder punitivo, a mídia critica e o político, montado sobre a propaganda da mídia, ameaça os juízes. A grande maioria de juízes está ciente disso e confronta a situação. Mas uma minoria tem medo. Com medo da mídia, da construção social da realidade, juízes acabam se tornando policiais.

ConJur — Nesse mundo paranoico, citado pelo senhor, qual o pior inimigo da sociedade?
Zaffaroni — Aquele que nega a existência da emergência. O pior herege era aquele que negava o poder das feiticeiras. E a mídia tem razão de quem são os piores inimigos dela, porque negando isso estão negando o poder da mídia. O problema é confrontar a mídia. Mas é o único jeito. Se ninguém obstaculiza o avanço desse mundo paranoico, inevitavelmente, vai acabar em genocídio.

ConJur — O juiz tem que lidar com as leis e as provas do processo. Mas em processos de grande repercussão, os juízes também têm de lidar com a imprensa. Como se dá essa relação?
Zaffaroni — O juiz ideal não existe. Como todo grupo, algumas pessoas são medrosas, outras são acomodadas e há as que assumem sua função. Cada um tem a sua consciência e sabe o que está fazendo. Na vida, nada é gratuito. Quem hoje está acomodado, amanhã pode ser vítima também do discurso de vingança. Os inimigos mudam muito rápido. O político ou o juiz que aceita ou aprova os excessos e as agências policiais fora de controle, está cavando o próprio túmulo. Porque amanhã, o inimigo muda e o político ou juiz corre o risco de virar ele próprio o bode expiatório.

ConJur — No Brasil, quando ocorre um crime mais chocante, os políticos tratam de apresentar leis penais mais severas.
Zaffaroni — Isso está acontecendo em todo o mundo. Essa prática destruiu os Códigos Penais. Nesta política de espetáculo, o político precisa se projetar na televisão. A ideia é: “se sair na televisão, não tem problema, pode matar mais”. Vai conseguir cinco minutos na televisão, porque quanto mais absurdo é um projeto ou uma lei penal, mais espaço na mídia ele tem. No dia seguinte, o espetáculo acabou. Mas a lei fica. O Código Penal é um instrumento para fazer sentenças. O político pode achar que o Código Penal é um instrumento para enviar mensagens e propaganda política, mas quando isso acontece fazemos sentenças com um monte de telegramas velhos, usados e motivados por fatos que estão totalmente esquecidos, originários deste mundo midiático. Ao mesmo tempo, a construção da realidade paranóica não é ingênua, inocente ou inofensiva. É uma construção que sempre oculta outra realidade.

ConJur — Como assim?
Zaffaroni — A mídia não fala da destruição do meio ambiente, das doenças tradicionais, das carências em outros sentidos. A única coisa que chama a atenção são as pessoas mortas por roubo. Mortos por roubo, pelo menos no meu país, temos poucos. A grande maioria dos homicídios é de pessoas que se conhecem. A primeira causa de morte violenta, na Argentina, é o trânsito. A segunda é o suicídio; a terceira, homicídio entre pessoas que se conhecem; em quarto, muito longe, vem homicídio por roubo. Mas nas manchetes dos jornais o que sai é homicídio por roubo. Ou seja, a primeira ameaça é atravessar a rua. A segunda é o medo, a depressão, psicose, melancolia; o terceiro é a família, os amigos, e no final, os ladrões. Essa é a realidade das mortes violentas na Argentina. E nem estamos falando de mortos por doenças que poderiam ser curadas se as pessoas fossem atendidas adequadamente.

ConJur — Mas as pessoas não matam por causa da mídia.
Zaffaroni — Ninguém vai sair na rua para matar por causa de uma série de TV. Mas a propaganda contínua de violência na mídia, através das notícias ou do entretenimento, projeta a impressão de que a violência é uma escolha possível. Posso me tornar advogado, médico, trabalhador braçal, ou também posso roubar. É a banalidade da violência. Essa propaganda está caindo em uma sociedade que é plural, onde há pessoas frágeis ou que têm patologias. O efeito reprodutor disso é inevitável. E a propaganda contínua de que há impunidade é uma mensagem de incitação. Algo como: faça qualquer coisa que não vai acontecer nada.

ConJur — Uma parcela da sociedade defende que a polícia deve prender logo e que não precisa ter um processo judicial lento.
Zaffaroni — Sem dúvida. O discurso retroalimenta-se. Essa retroalimentação do discurso sai para a rua em uma mensagem de incitação. Pessoas estão recebendo uma mensagem de instigação ao crime permanentemente, o que produz um efeito. Não há um fator preventivo. Esse discurso também tem outra função. Temos uma categoria de pessoas que são os excluídos. Excluído é aquele que é de plástico, descartável. O explorador precisa do explorado. O incluído não precisa do excluído. O excluído está fora do sistema produtivo. A técnica é introduzir cada vez mais contradições dentro da própria faixa de exclusão social.

ConJur — A criminalização é seletiva?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Sem dúvida. Em uma cadeia, encontra-se a faixa dos excluídos que são criminalizados. Mas, na outra ponta, percebemos que as vítimas pertencem basicamente à mesma faixa social, porque são aqueles que estão em uma situação mais vulnerável, não têm condições de pagar uma segurança privada, por exemplo. Eles ficam nas mãos do serviço de segurança pública que sofreu grande deterioração e cada dia se deteriora mais. E o policial, em geral, é escolhido na parte carente da sociedade. Enquanto os pobres se matem entre si, “tudo bem”. Eles não têm condições de falar entre eles, de ter consciência da situação, de coligar-se para nada, de ter nenhum protagonismo político. Assim estão perfeitamente controlados. A tecnologia moderna de controle dos excluídos já não consiste em pegar os cossacos do czar para controlar a cidade. Não. A técnica é mais perversa: colocar as contradições no interior da mesma faixa social e fazerem com que se matem uns aos outros.

ConJur — Mas, hoje, também percebemos que há um discurso de que é necessário não prender apenas os pobres. Prender ricos passa a ser uma amostra de que quem tem dinheiro também vai para a cadeia.
Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim. O rico, às vezes, vai para a cadeia também. Isso acontece quando ele se confronta com outro rico, e perde a briga. Tiram a cobertura dele. É uma briga entre piratas. Nesse caso, o sistema usa o rico que perdeu. E, excepcionalmente, o derrotado acaba na cadeia. Mas ter um VIP na prisão é usado pela mídia para comprovar que o sistema penal é igualitário. É a contracara do self-made man. Ou seja, tem aquele que vende jornal na porta do banco, e que foi trabalhando, tornou-se funcionário do banco, depois gerente e agora tem a maioria do pacote acionário da instituição. Como essa sociedade tem mobilidade vertical, este chegou a ser presidente ou dono do banco. E veja como esta sociedade é igualitária. Ele caiu e, hoje, está na cadeia. Mas o rico que está preso é sempre um VIP que perdeu para outro mais forte do que ele.

ConJur — O senhor disse que a tendência das cadeias é de desaparecerem. Como será isso?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Não é uma tendência atual, mas vai acontecer nos próximos anos. Vamos ter uma luta econômica entre a indústria da cadeia e de segurança com a indústria eletrônica. No momento, a indústria da cadeia é forte, pelo menos nos países centrais, como Estados Unidos. Mas, no final, a indústria eletrônica vai ganhar.

ConJur — Então é a cadeia física que vai desaparecer?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim. Vamos ter uma cadeia eletrônica e a tradicional vai sumir. É uma luta econômica. Com uma nova geração de chips, tecnologicamente, não vai ter necessidade de ter muros nas prisões. Com microchips embaixo da pele, vamos ter um controle de movimento do sujeito. Se o sujeito sair do itinerário prefixado, o chip faz disparar um mecanismo que causa uma dor paralisante por exemplo. Vamos ter a casa inteligente, mas isso também é uma cadeia. A gente acorda de manhã, põe o pé no chão e a casa já sabe se a gente vai para o banheiro, quer o café com leite, já prepara a comida. Tudo muito bonito, mas é uma cadeia também.

ConJur — Na medida em que isso acontece, não há risco de pessoas, que não cometeram crime e que não foram condenadas, passarem a ser monitoradas também?
Zaffaroni — Felizmente isso vai acontecer quando eu já não estiver neste mundo. Se isto acontecer quando eu estiver neste mundo, vou virar um terrorista e destruir toda essa aparelhagem eletrônica. Acho que não vou ter tempo, estarei muito velho para isso. Mas se não é esse o grande perigo, ainda há um. Se continuarmos nessa direção, em certo momento, as próprias pessoas, com medo de serem seqüestradas ou roubadas, vão optar por serem monitoradas. No final, o Estado ou as agências executivas vão ter um controle terrível. E essas pessoas vão necessitar de nós, os terroristas, para destruir esse controle. Se pensarmos sobre os controles que temos, hoje, sobre cada um de nós e os que tinham os nossos avós, vamos perceber que estamos muito mais controlados, presos. Se os criminosos não existissem, o poder teria de inventá-los para poder controlá-los. .

ConJur — Ainda existe a ideia da cadeia como forma de ressocializar o preso ou essa discussão já foi superada?
Zaffaroni —A ideia de de ressocialização é própria do estado previdente, do welfare state. O liberalismo econômico destruiu o welfare state e passou a existir a ideia de cadeia reprodutiva, que são gaiolas. A cadeia se tornou uma forma de vingança.

ConJur — O Judiciário no Brasil está fazendo mutirões carcerários para garantir benefícios aos presos. Como o senhor vê essa iniciativa?
Eugenio Raúl Zaffaroni — A única solução é ter na cadeia o número de pessoas para as quais podemos oferecer condições mínimas de dignidade. De outro jeito, vamos ter sempre cadeias superlotadas. A única solução é ter um sistema de cotas. Se temos 2 mil vagas, só podemos ter 2 mil presos. Não podemos ter mais.

ConJur — Mas caberia ao juiz decidir quem vai para a cadeia ou não em uma situação dessa.
Eugenio Raúl Zaffaroni — Pode ser do legislador ou do juiz. Pode tirar aquele que só tem dois meses de pena para cumprir. O número de presos é uma decisão política de cada estado. Em todo mundo, há previsão para que a pena seja cumprida dentro da prisão no caso de matar ou estuprar alguém. Já no caso de crime muito leve, não há previsão para que o contraventor seja encaminhado à prisão. Mas, no meio, tem uma faixa inesgotável de criminalidade média, em que a pessoa pode ou não ir para a cadeia. Essa é uma decisão política, não é uma circunstância. Isso explica situações totalmente absurdas. Os Estados Unidos têm o mais alto índice de pessoas presas do mundo. O Canadá, que está do lado, tem um dos mais baixos. Mas não é porque no Canadá os homicidas estejam na rua. Essa escolha é política.

ConJur — E como funcionam as interceptações telefônicas na Argentina. Há abuso nesse tipo de medida?
Eugenio Raúl Zaffaroni — São dispostas pelo juiz. Não tenho dados sobre quantas há no país. Existindo motivos suficientes, o juiz autoriza a interceptação telefônica, que é registrada através de uma central. Sempre com autorização.

ConJur — E tem prazo máximo para que a interceptação seja feita?
Eugenio Raúl Zaffaroni —
Não. Não é indefinidamente, deve ser feita durante a investigação. Como temos juiz instrutor, toda investigação é controlada por ele. Cada passo da investigação requer uma autorização do juiz. Depois, podemos analisar se a decisão foi razoável. No caso de não ser, a prova é considerada nula. Não temos grandes problemas nesse sentido.

ConJur — No Brasil, talvez pelo modo como a Constituição foi elaborada, quase tudo fica a cargo do Supremo dar a palavra final. Isso também acontece na Argentina?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim, inevitavelmente. Isso não significa que tudo seja resolvido pelo Supremo. Nós rejeitamos muitas coisas. Mas todo mundo procura chegar à Corte. Temos, por ano, 15 mil processos para sete ministros. Desses, rejeitamos quase 14 mil.

ConJur — Habeas corpus também vai para o Supremo?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Habeas corpus não. Amparo, que é um recurso, sim. Se alguém está preso cautelarmente e quer a liberdade, pode recorrer à Corte através de recurso ordinário. Porque achamos que a privação da liberdade equivale a sentença definitiva.

ConJur — E demora até esse recurso chegar à Corte Suprema?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Sim. Temos o mesmo poder que a Corte dos Estados Unidos de escolher. Então, na maioria dos casos, rejeitamos.

ConJur — O senhor disse que a privação da liberdade equivale a uma sentença. No caso de alguém que já foi condenado em primeira instância, vai preso ou pode responder todo o processo em liberdade?

Eugenio Raúl Zaffaroni — Pode continuar o processo em liberdade. Se estava em liberdade, a sentença não está firme. Mas é excepcional. É a prisão cautelar que pode chegar até a Corte. Prisões não fundamentadas ocorrem em poucos casos. A maioria sabe que chegando à Corte, não é viável. Tem que ser uma situação muito excepcional, um processo muito arbitrário. Não é o normal.

ConJur — O ministro Antonin Scalia, da Suprema Corte dos Estados Unidos, disse que o papel do Judiciário é aplicar leis feitas pela vontade do povo através de seus representantes no Congresso. Assim, não cabe ao juiz decidir além do que está expresso na lei. O senhor concorda com essa visão?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Na medida em que o legislador não tenha usurpado a função do constituinte, sim. Se o legislador criou uma lei que não está em consonância com o sentido constituinte, é função do juiz aplicar a Constituição e não a lei do legislador.

ConJur — Mas e o que não é previsto em lei?
Eugenio Raúl Zaffaroni — O que não está previsto na lei, do ponto de vista penal, não é nada. E do ponto de vista civil, tem que ser resolvido de igual forma. De outro jeito, ficaria aberta uma guerra civil.

ConJur — Em sua opinião, o Judiciário serve para fazer justiça?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Não acredito muito na Justiça como valor absoluto. A função do Judiciário é resolver conflitos. Nesse sentido, o Judiciário é um serviço. E um serviço público. Se funciona bem ou mal, isso acontece como em qualquer serviço público.

ConJur —Recentemente, a Argentina reviu a lei de anistia. Como foi esse processo?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Não, não houve uma revisão. A lei foi anulada. O Congresso declarou a nulidade de uma lei. Eu acho que o Congresso não pode declarar nula uma lei por razões que não sejam formais. Por razões de fundo é muito complicado. Mas de qualquer maneira nós declaramos que a lei era totalmente inconstitucional, seguindo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Argentina condenou só os comandantes. Depois declararam a anistia, mas o governo Menem indultou os condenados. Nós declaramos a nulidade da anistia e dos indultos. Declaramos a nulidade de tudo.

ConJur — Qual foi o argumento?
Eugenio Raúl Zaffaroni — Estava contra o que nós tínhamos ratificado no tratado interamericano de Direito Humanos. O Tratado Interamericano proíbe essas leis.

Fonte: ConJur

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Entrevista: o blog como instrumento de trabalho do juiz

Blogs não são muito comuns no Judiciário. Alguns magistrados, como nosso colaborador Gerivaldo Alves Neiva (acesse), juiz de direito na Bahia, criam sua página para uma discussão crítica do Direito e do Judiciário; outros mantêm páginas de caráter mais pessoal. Poucos são os que criam um blog como ferramenta de trabalho. Talvez o pioneiro no Rio Grande do Sul tenha sido o desembargador Carlos Alberto Etcheverry (acesse), um dos idealizadores de Judiciário e sociedade. Recentemente, o desembargador Ney Wiedemann Neto criou também o seu blog.

É sobre o uso do blog no trabalho do magistrado que fomos entrevistá-lo.

Judiciário e sociedade - Como surgiu a ideia de criar um blog e qual é a sua finalidade?

Ney Wiedemann Neto - A idéia surgiu a partir do debate interno, com a equipe do próprio gabinete, buscando desenvolver ações a fim de aumentar a transparência das ações, especialmente os dados estatísticos. Muito se fala sobre a morosidade do Judiciário, mas nem sempre com base em dados e fatos. No “Blog do Gabinete”, - http://gabnwneto.blogspot.com - o magistrado e a sua equipe de trabalho divulgam informações relacionadas com as atividades do gabinete, tais como a pauta e resultados de julgamentos, além de dados estatísticos e demais informações. O propósito do blog foi de aumentar a transparência de suas ações, para conhecimento da sociedade em geral. Busca a interação com a comunidade jurídica, oportunizando o diálogo a respeito de temas relacionados com a jurisdição e com a administração judiciária, a fim de aperfeiçoar os resultados do serviço prestado.

Judiciário e sociedade - Os magistrados têm cada vez mais se queixado do excesso de trabalho. Manter um blog não significa agregar mais uma tarefa a uma jornada já tão extenuante?

Ney Wiedemann Neto - Desde 03 de maio de 2009 o BLOG do gabinete -http://gabnwneto.blogspot.com - está acessível à sociedade pela Internet. A partir do BLOG, houve maior interação com as partes e com os advogados, facilitando o acesso dos interessados às informações do gabinete. Abriu-se a possibilidade de pedido de preferências de julgamentos ou de sustentação oral através do BLOG. Há a divulgação dos resultados dos julgamentos no mesmo dia da sessão. Os advogados podem solicitar audiência com o desembargador, agendando o horário através do e-mail do gabinete, divulgado no BLOG, bem como enviar assim memoriais, sem necessidade de comparecimento pessoal ou telefonemas para tanto. Por isso, o BLOG, na verdade, permite a simplificação de algumas rotinas de trabalho, é uma ferramenta que além de aumentar a transparência das ações do Judiciário, pode servir como canal de diálogo com a sociedade. A sua manutenção não é tarefa complexa, valendo a pena, na relação do custo/benefício. Aliás, a prática não tem nenhum custo financeiro.

Judiciário e sociedade - O senhor tem recebido respostas de leitores? Quem são eles?

Ney Wiedemann Neto - O BLOG facilita o acesso da sociedade ao que ocorre dentro do gabinete. Evita que as partes e advogados tenham que se deslocar ao Tribunal para ficar sabendo o resultado do julgamento, pois os dados são publicados no BLOG minutos após. Facilita o trabalho do advogado para formular pedidos ou enviar material ao desembargador. Estabelece canal direto de diálogo com os interessados, sem o risco de eventual informação, pedido ou reclamação não chegar ao gabinete. Aumenta o nível da transparência do Poder Judiciário. Já houve pedidos de preferência de julgamentos enviados através do BLOG, para o e-mail setorial nele divulgado. Recebemos diversas manifestações de apoio e de reconhecimento pela iniciativa. A maior parte dos comentários no BLOG são publicados por advogados. Um deles perguntou como era possível numa sessão de julgamento a solução de tantos recursos de uma só vez (em torno de mil). Publiquei explicação sobre o funcionamento da sessão informatizada de julgamentos no Tribunal, com assinatura digital, o que ensejou novos comentários de satisfação, pois muitos não sabiam como isso era feito na prática.

Judiciário e sociedade - Como o senhor vê o papel do juiz, sua relação com a sociedade e os jurisdicionados? Criar um blog tem alguma relação com o modo como vê sua jurisdição?

Ney Wiedemann Neto - O juiz, na minha ótica, deve pautar a sua conduta a serviço da sociedade, procurando prestar o serviço para o qual foi contratado da maneira mais eficiente possível. Para tanto, às vezes é preciso valer-se de criatividade e de inovação para romper com paradigmas e melhorar a prestação deste serviço. A inovação é total quando ao uso da ferramenta de informática BLOG. É o primeiro BLOG a desenvolver esse tipo de atividade, buscando a interação entre as partes, advogados e Judiciário. Não é um BLOG pessoal de magistrado, mas uma ferramenta de apoio e de gestão do gabinete, auxiliado na prestação jurisdicional. Trata-se de projeto experimental, que não é oficial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A partir do sucesso e da receptividade do presente projeto, por parte da sociedade em geral e dos advogados em particular, acredito que a prática poderá ser ampliada e até mesmo adotada pelo Tribunal, de modo institucional.

Judiciário e sociedade - O senhor acredita que a internet possa se constituir em instrumento de comunicação entre os operadores jurídicos, em particular os juízes?

Ney Wiedemann Neto - O BLOG não tem custos. O uso do programa de informática é gratuito, assim como não há despesa para manter a página da Internet funcionando. É muito fácil desenvolver e atualizar o BLOG, não sendo necessário um curso ou treinamento especial para isso. A tarefa é executada por um dos assessores do gabinete. A iniciativa é individual de cada magistrado, não dependendo de meios formais ou burocráticos para a sua implementação. Tenho certeza que a Internet já é instrumento fundamental de comunicação do mundo jurídico. Ela democratizou o acesso à informação e ampliou significativamente o diálogo, a troca de idéias, entre os magistrados e entre os advogados. Agora, há que se amplificar a idéia, facilitando-se o diálogo entre ambos (magistrados e advogados), ao que o BLOG se propõe, entre outras coisas.

Fonte: Judiciário e sociedade

Em crise, Senado se vinga do Ministério Público

Rejeição de dois nomes indicados para CNMP foi uma resposta dos parlamentares às investigações dos procuradores contra políticos. Um dos preteridos é irmão de adversário de José Sarney no Maranhão

A rejeição pelo Senado de dois nomes indicados para integrar o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) teve influência da política do Maranhão e um forte sabor de vingança dos parlamentares. O procurador Nicolau Dino, um dos candidatos, é irmão do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), adversário no estado do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Os nomes de Nicolau Dino e do promotor Diaulas Costa Ribeiro foram rejeitados anteontem pelo plenário (leia mais). De nada adiantaram os protestos do senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Da briga maranhense, as decisões tiveram o objetivo de dar uma resposta ao Ministério Público pela série de investigações contra os políticos. Em particular, contra os senadores, como mostra reportagem de hoje do jornal O Estado de S. Paulo (leia mais). O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), trabalhou pela rejeição.

As decisões do Senado vão atrasar ainda mais os trabalhos do órgão de fiscalização externa do Ministério Público. O CNMP foi instalado em 2005 como resultado da reforma do Judiciário. O órgão tem como sua principal atribuição exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e também do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Cabe a ele, por exemplo, receber reclamações contra promotores e procuradores.

Parado desde 12 de junho, quando acabou o mandato dos membros do CNMP, o conselho pode demorar pelo menos dois meses para voltar à ativa. Isso porque, com a rejeição do procurador da República Nicolao Dino e do promotor Diaulas Costa Ribeiro, o processo tem que ser reiniciado.

Novo procurador

Para indicar os dois membros do CNMP vindos do Ministério Público, o procurador-geral da República deve abrir o processo para inscrição de novas candidaturas. Mas o novo procurador, Roberto Gurgel, escolhido pelo presidente Lula, também ainda depende de aprovação do Senado para ser confirmado no cargo.

Após o procurador-geral reabrir o processo, caberá ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apontarem seus novos candidatos. Os candidatos que não desistirem, depois, entram em ritmo de campanha e a lista tríplice é formada. Somente aí os nomes são enviados para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, responsável pela sabatina dos indicados.

Somado ao recesso parlamentar, que começa em 17 de julho, esse processo tem todos os ingredientes para paralisar ainda mais o CNMP. Com a crise no Senado, o momento era inadequado para a apreciação dos nomes, mas os mandatos se encerraram há 20 dias e o presidente da CCJ, Demóstenes Torres, não tinha escolha.

O primeiro nome rejeitado na sessão de anteontem foi o de Nicolao Dino, que presidiu a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), e buscava a recondução ao posto. Recebeu 22 votos a favor e 31 votos contra a indicação para o CNMP. Para ser ratificada a aprovação da CCJ, eram necessários pelo menos 41 "sim". Apesar dos problemas políticos, a rejeição pegou muitos senadores de surpresa, pois Nicolau Dino desfruta de boa reputação.

O líder do PT, Aloízo Mercadante (SP), apresentou um requerimento para que a votação de Dino fosse repetida. O documento precisava da assinatura de todos os líderes partidários. Como demorou para conseguir, o clima esquentou mais ainda e a sessão foi encerrada antes de o requerimento ser apreciado.

Logo depois de rejeitar Dino, foi a vez de o promotor do MPDFT Diaulas Ribeiro não ser reconduzido pelos senadores. Faltaram apenas três votos para a aprovação. O presidente da sessão, Marconi Perillo (PSDB-GO), nem chegou a anunciar o resultado que estava no painel. Demóstenes Torres exigiu que o plenário suspendesse as votações, com o argumento de que os senadores estavam "maculando o nome de juristas respeitados" em seu protesto contra o Ministério Público. A votação foi feita mais uma vez e Diaulas novamente foi rejeitado.

“Você não está punindo o Ministério Público, está prejudicando a sociedade. Afinal de contas, o CNMP é o órgão de fiscalização externa do MP”, opinou o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Consenzo. “Neste momento, a única coisa a fazer é lamentar esse resultado”, completou.

Para o presidente da Conamp, existe um outro problema com esse tipo de votação no Senado: o voto secreto. “Os senadores têm legitimidade para analisar e dar o voto que entenderem. Sem o voto secreto seria mais fácil saber quem votou e por que, seria menos traumático”, afirmou Consenzo.

O promotor Diaulas, em entrevista ao Congresso em Foco, disse que “não tem ideia” do que aconteceu para seu nome não ser referendado pelo Plenário. Ele reclamou que não foi ouvido pelos senadores sobre sua candidatura. Diaulas lembra que, durante a sabatina na CCJ, somente três senadores estavam presentes. “Não entendo como fizeram isso comigo, nem ouviram minha defesa. Sinto-me como um réu sem crime”, afirmou. O site tentou ouvir Nicolao Dino, mas ele preferiu não se manifestar no momento.

“O que há contra o senhor Diaulas? O que há contra o senhor Nicolao Dino? O Ministério Público vai pagar o pato pela crise do Senado?”, reagiu Demóstenes. Para ele, o Senado fez um protesto contra a atuação do Ministério Público “mais desregrado”. “Mas escolheram o procurador errado”, protestou. “Desde a sabatina dele na CCJ tento dizer que esta não é a melhor forma de protestar. Hoje sabemos que é um protesto, mas daqui a dez, 20 ou 30 anos isso vai estar marcado na biografia do procurador”, completou.

Composição do CNMP

O Conselho Nacional do Ministério Público é composto por 14 integrantes. É presidido pelo procurador-geral da República, tem quatro membros do Ministério Público da União, três do Ministério Público dos Estados, dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça, dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara e outro pelo Senado.

Fonte: Congresso em Foco