O sentimento de perda com a morte de Márcio Thomaz Bastos nesta quinta-feira (20/11) ultrapassa os limites da advocacia criminal. O luto atinge institucionalmente o país. Sentem sua partida a advocacia, o Judiciário, o Legislativo, a polícia e a política de forma ampla. A ele são atribuídas participações na elaboração da Constituição Federal, na Reforma do Judiciário, na criação do Conselho Nacional de Justiça e na reestruturação da Polícia Federal.
Conheci Márcio Thomaz Bastos há aproximadamente 28 anos, eu escrevente do antigo fórum criminal e ele já um grande nome da advocacia brasileira. Lembro como que se fosse hoje que, logo ao entrar na sala de audiência, cumprimentava a todos com a mesma deferência. Márcio era um homem generoso, ajudava os amigos e principalmente a nova geração de advogados criminalistas.
Chamado de pai por muitos, Bastos mereceu a alcunha, mas na pessoa de fácil e livre acesso, soube recrutar talentos e iniciar carreiras. Quantos que não tiveram o privilégio de trabalhar diretamente com ele já não foram indicados para escritórios de amigos e parceiros? E quantos, ainda, depois de passar por sua criteriosa avaliação, não foram estimulados a alçar voo solo? Sua generosidade e seu olho clínico criaram ao seu redor uma rede de profissionais experimentados, motivados pela gratidão. Durante o julgamento da Ação Penal 470, foi um vértice no combate ao linchamento público e ao cerceamento do direito de defesa dos acusados.
À frente da Ordem dos Advogados do Brasil no período da Assembleia Constituinte, liderou debates referentes aos princípios e direitos prescritos no novo texto constitucional. Na Carta Magna, a advocacia foi prestigiada com a única menção a uma classe profissional em todo o texto — e reconhecida como função essencial à Justiça, posta em pé de igualdade com as demais carreiras e instituições do Direito.
Nomeado ministro da Justiça pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, teve papel fundamental na discussão de melhorias para o Judiciário, boa parte delas concretizada na Emenda Constitucional 45/2004 que, entre outras inovações, positivou o conceito de duração razoável do processo e criou o Conselho Nacional de Justiça, hoje referência no planejamento administrativo e político do Poder Judiciário e órgão revolucionário no julgamento de desvios disciplinares. No mesmo período, foi criada também a Secretaria da Reforma do Judiciário, que centralizou os debates acerca de propostas legislativas em prol da Justiça.
Sua vocação pela defesa não o impediu de repensar e estruturar a Polícia Federal durante sua gestão no Ministério. Sob sua batuta, o órgão ganhou recursos e instrumentos que ampliaram seu poder de investigação e combate aos crimes financeiros, como a lavagem de dinheiro.
Márcio Thomaz Bastos foi um talento a serviço do Brasil. Desempenhou com competência ímpar suas atribuições com denodo pelo bom funcionamento das instituições. E defendeu com afinco seus clientes, entregando suas últimas forças na tarefa que se propôs a fazer. Um exemplo para além da advocacia.
José Luis Oliveira Lima é advogado criminal, ex-presidente da Caixa de Assistência de advogados e da Comissão de Direito da Prerrogativa da OAB-SP e associado do Iasp.
Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2014, 13h38
Nenhum comentário:
Postar um comentário