segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Professor diz que dilema ético sobre o uso da delação premiada para desarticular corrupção na Petrobras é um ‘mal menor’


RIO - Em entrevista ao GLOBO, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, defende a investigação policial como o melhor caminho para quebrar uma estrutura criminosa. No caso da Petrobras, no entanto, Ribeiro afirma que o uso da delação premiada é um “mal menor”. 

- A apuracão policial é o melhor caminho, mas outra maneira é jogar um contra o outro. Para fazer isso, também é preciso base científica. Só que, a partir de um certo momento, os depoimentos são determinantes para chegar às evidências e recuperar o dinheiro perdido - ressalta o professor. 

Abaixo, leia a íntegra da entrevista.

Há meses as investigações da Operação Lava-Jato se aprofundam por meio de delações premiadas. Como o senhor vê o uso desse instrumento?

Para quebrar uma estrutura criminosa, é preciso desenvolver certos instrumentos, ainda que não sejam ideais. A apuracão policial é o melhor caminho, mas outra maneira é jogar um contra o outro. Para fazer isso, também é preciso base científica. Só que, a partir de um certo momento, os depoimentos são determinantes para chegar às evidências e recuperar o dinheiro perdido.

O desencadeador é a prisão?

Mais do que a prisão, é a decisão do Ministério Público de acusar ou não acusar. Para ir adiante, a promotoria oferece aos envolvidos a chance de se safar, mesmo que isso signifique prender algumas pessoas, e outras não. Faz-se uma seleção em que, de preferência, a imunidade é dada ao menos culpado para pegar o mais culpado. Mas é apenas uma preferência. Se o menos culpado não fala, vai-se para o maior na escala. ( O ex-diretor da Petrobras) Paulo Roberto Costa parece graudíssimo. Pode ser que gente que fez menos vá para a prisão, e ele não.

Isso é legítimo? 

É um problema ético complicado, mas justificado como mal menor. O pior é deixar toda a quadrilha operando. Podemos ter uma ética de valores, como a dos Dez Mandamentos, ou uma outra, utilitarista. É a do carro desgovernado sem freio. Virar o volante para o lado onde há várias pessoas ou para o outro, onde só tem uma? Pela regra utilitária, matar um é ruim, mas é menos ruim do que matar muitos. Aí a gente sai de uma ética perfeita, ideal, e vai para uma ética viável nesse mundo hoje.

Como convencer o acusado a contar o que houve, a delatar?

O que acontece pode ser explicado no chamado dilema do prisioneiro. Duas pessoas acusadas de determinado crime presas em celas separadas ouvem do policial: “se você acusar o outro, pega uma pena pequena ou é perdoado”, embora a culpa sempre vá estar no seu currículo. Você pode se calar, mas, se o outro falar, sua pena é prisão perpétua, e o perdão é dele. Se nenhum dos dois falar, ambos são absolvidos por falta de provas. O princípio é simples: está claro que a melhor opção é um se manter leal ao outro. Mas, como estão incomunicáveis, o papel da polícia será promover a dúvida sobre o que o outro vai fazer. É uma pressão muito forte sobre eles.

Por que eles cedem? 

Bandido desconfia de bandido. Há vários escândalos de corrupção em que um político aparece recebendo dinheiro vivo num vídeo. Isso só acontece porque alguém do grupo, que vai lá tomar cafezinho, está gravando! Quantos políticos se separam e são denunciados pela ex-mulher? Ainda que os integrantes de uma quadrilha sejam amigos de infância, a Justiça consegue colocar um contra o outro. Marido fica contra mulher, irmão fica contra irmão. Um grupo que não tem confiança entre seus membros é mais fraco. E a Justiça acerta ao se aproveitar disso.

Os advogados de defesa dizem que isso é um tipo de tortura psicológica.

Esse questionamento é de ética pura, mas há problemas de todos os lados. Damos algum tipo de perdão a quem fez algo muito grave. Costa, por exemplo, está denunciando gente menos culpada do que ele, que, por não ter feito delação, provavelmente terá pena maior do que a dele. Já é um problema, eticamente falando. E se ele denunciar uma pessoa inocente? É claro que vai ter uma investigação para verificar se procede ou não, mas o denunciado vai, pelo menos, passar um tempo difícil, ter a reputação manchada. Isso tudo tem um custo, mas não vejo outra alternativa. A delação premiada tem um grande poder de desarticulação do crime, mas seria um erro acreditar piamente no que o delator diz. E seria muito errado também pensar que o resultado é puramente justo.

A palavra do delator é prova?

Não. Pressupomos que o processo seja conduzido por pessoas competentes, preparadas para não cair em esparrela. Essa é a chave. O delator só desfruta dos benefícios se não tiver mentido.

Vale a pena perdoar delatores?

Vale inteiramente porque dificilmente se conseguiria o mesmo de outro jeito. Há a recuperação de dinheiro. O resultado global para a sociedade é positivo. E não há perdão total. Além de devolver o que roubou, o delator cumpre alguma pena, ainda que menor. E tem a reputação marcada para sempre.

A próxima etapa da Lava-Jato são os políticos. São eles os verdadeiros peixes grandes?

Não sei se poderemos dizer isso porque não sabemos quem inicia o processo da corrupção: o político com mandato ou os executivos à frente de empresas que são muito poderosas. Se, de repente, descobrirmos que elas deram dinheiro a um deputado ou ministro, não saberemos quem estava dando as cartas. É outra coisa a ser descoberta. Não basta condenar pessoas, é preciso expor as entranhas desse sistema. Isso tudo mostrará que as ferramentas de combate à corrupção se tornaram mais afiadas. E que aquele truque antigo de molhar a mão do outro deixou de significar imunidade. Um pode entregar o outro e sair limpo. Ou quase limpo.


Fonte: O Globo


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