quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Hipertrofia Legislativa: 3,7 milhões de normas em 20 anos

Hipertrofia Legislativa: 3,7 milhões de normas em 20 anos
Luiz Flávio Gomes*
"Leis são como salsichas. É melhor não ver como são feitas". Otto von Bismarck quando cunhou essa sua célebre frase, falava da qualidade das leis. No Brasil padecemos, no entanto, dos dois males: qualitativo e quantitativo. De 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição brasileira - clique aqui) até 05 de outubro de 2008 foram editadas, no Brasil, 3,7 milhões de normas jurídicas (segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – clique aqui). Mais precisamente: 3.776.364 normas. Em média foram criadas 517 normas por dia ou 774 normas por dia útil. Em matéria tributária foram 240.120 normas (2 por hora).
No âmbito federal foram 150.425 normas, sendo: 6 emendas constitucionais de revisão, 56 emendas constitucionais, 2 leis delegadas, 69 leis complementares, 4.055 leis ordinárias, 1.058 medidas provisórias originárias, 5.491 reedições, 9.612 decretos federais e 130.075 normas complementares (portarias, instruções normativas, ordens de serviço, atos declaratórios, pareceres normativos, etc.). Em média, foram editadas 21 normas federais por dia ou 31 normas federais por dia útil nestes últimos 20 anos.
Os Estados editaram 996.977 normas, sendo 227.973 leis complementares e ordinárias, 330.836 decretos e 438.168 normas complementares. Em média foram editadas 136,50 normas por dia ou 204,30 normas por dia útil, em nível estadual. Neste período, em média, cada Estado editou 36.925 normas, o que dá 5,06 norma/dia ou 7,57 norma/dia útil.
Já os Municípios são responsáveis pela edição de 2.628.962 normas, divididas em 450.675 leis complementares e ordinárias, 499.432 decretos, e 1.678.855 normas complementares. Em média, os municípios brasileiros editaram 359,93 normas por dia ou 538,72 normas por dia útil. Assim, considerando que existem 5.565 municípios no Brasil, cada um deles editou, em média, 472,24 normas neste período, ou 0,06 norma/dia ou 0,10
norma/dia útil.
O cidadão brasileiro certamente não pode reclamar que vive num país sem leis. O Brasil não poderia ser citado como uma "Terra sem Lei". Mas na verdade, não é bem assim. Há duas formas de se alcançar a anomia (a ausência de normas ou de respeito às normas): não estabelecendo nenhuma ou criando muitas. Diante do cipoal legislativo que vivemos, fica-se sem saber (muitas vezes) qual lei devemos seguir. Mesmo porque é certo que a grande maioria delas contem muita indefinição. E "Nas leis não há nada pior que a indefinição"(Lucas Alamán).
Em 2006, depois de dezoito anos da promulgação da Constituição Federal - clique aqui (outubro de 1988), já tinham sido produzidas no Brasil (entre 6.10.88 a 4.10.2006) 3.510.804 novas normas jurídicas. Fechamos o ano de 2008 com quase 4 milhões de normas editadas. A volúpia legislativa, como se vê, nunca cessou desde 1988. Nem tampouco a desordem geral, mesmo porque "A lei é como uma cerca: quando é forte passamos por baixo; quando é fraca passamos por cima" (Heráclito).
Aliás, essa hiperinflação legislativa talvez não encontre, no mundo, parâmetro comparativo similar. Se todas fossem boas, escaparia o legislador de censuras mais áridas. Mas nem sempre é assim. E sabe-se que "As leis ruins são a pior espécie de tirania" (Edmond Burke).
Claro que uma boa (e grande) parcela dessa avalanche legislativa refere-se ao Direito penal. Desde a época das primeiras codificações até hoje nota-se um intenso e permanente processo de criminalização de condutas, sem preocupação com limites ou mesmo com requisitos materiais mínimos que devem envolver a criação de um delito.
É certo que "Onde termina a lei começa a tirania" (William Pitt), mas não menos correto é que, em determinados momentos, precisamente onde começa a lei é que inicia a tirania (porque o legislador, quando quer, sabe ser um tirano excelso).
O legislador brasileiro, ademais, esquece que "as leis se complicam, quando se multiplicam" (Marquês de Maricá). Tome como exemplo a área dos delitos contra o consumidor: estão previstos no CP (clique aqui), na lei de economia popular, na Lei 8.037/1990 (clique aqui), no Código do Consumidor (clique aqui) etc. Ninguém sabe ao certo qual lei vale em cada caso concreto. Pensemos no seguinte: "as leis inúteis enfraquecem as leis necessárias" (Montesquieu).
Imagina-se que com a criação de uma lei resolve-se o problema que a originou. No âmbito criminal, quantas vezes o legislador legisla (só) simbolicamente, unicamente para aplacar a ira da população? "Uma das maiores ilusões é a presença de que o mal nesse mundo será resolvido por leis" (Thomas B. Reed). Se leis fossem a solução para os problemas brasileiros, seguramente já teríamos resolvidos todos eles (ou quase todos). Claro que a lei tem seu aspecto garantista (nenhum crime pode existir sem lei, nenhuma pena sem lei etc.), ou seja, ela é necessária. Mas para resolver problemas sociais ou econômicos, com freqüência são insuficientes.
Carlos Drummond de Andrade dizia: "As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei". Nem os lírios nascem da lei, nem acaba a desigualdade social brutal existente no Brasil com a lei. Os vinte por cento mais ricos do Brasil vivem melhor que na Suíça, Dinamarca etc. Os vinte por cento mais pobres vivem pior que no Paraguai, vários países africanos etc. Mais do que leis, necessitamos de uma decisão forte no sentido de se proceder a inclusão dos miseráveis. De qualquer modo, quem nada ou pouco faz para isso aconteça, não pode reclamar de que vive sendo perturbado (nas suas casas e nas ruas) pela miséria e pelos miseráveis.
A lei serve para a corrupção e para a violência: sendo obra humana, claro que ela serve de instrumento para manipulações, privilégios, corrupções e enriquecimentos ilícitos ("O mais corrupto dos Estados tem o maior número de leis" - Tácito). Mas além dessa função instrumental que os manipuladores do poder conhecem bem, não há dúvida de que a lei também serve para o exercício arbitrário do poder: "Não há pior despotismo que o exercido em nome da lei" (Jaime Balmes).
Todas as mais de 11 milhões de mortes geradas pelo nazismo de Hitler aconteceram com base na lei. Nenhuma morte ocorreu sem base legal. No momento em que os carrascos nazistas sentaram no banco dos réus (perante os Tribunais de Nuremberg, em 1945 e 1946), a primeira alegação deles foi a base legal. Os juízes disseram: vocês cumpriram as leis, mas violaram o Direito. Leis injustas não fazem parte do Direito (Radbruch). Ainda bem que a partir deste momento histórico o Direito já não se acha totalmente atrelado à lei. Ele vai da obra do constituinte até à interpretação dada pelos juízes. A lei é só um dos momentos do Direito. A obra do legislador não é divina, não é intocável. Ainda bem!
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*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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