sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Procuradores culpam o Judiciário pela 'impunidade'

Lula Marques/Folha


“Temos a Suprema Corte mais leniente e complacente do mundo com a bandidagem”. A crítica ao STF foi feita pela procuradora Regional da República Janice Ascari, de São Paulo.

Deu-se num seminário promovido pela CGU (Controladoria Geral da União), na USP. Janice ganhou notoriedade nacional pela atuação em processos contra a corrupção.

É signatária, por exemplo, da ação que resultou na condenação do juiz Nicolau dos Santso, o Lalau.

Noutro evento, realizado em Brasília, Janice foi ecoada por Wagner Gonçalves, vice-procurador-geral da República.

Para Wagner, há no Brasil um tipo de “réu intocável” –pessoas que praticam a "corrupção e o tráfico de influência".

Gente que, no dizer de Wagner, é “praticamente inatingível”. O procurador realçou um fato que permeia o imaginário do brasileiro.

Disse que o sistema carcerário do país está “abarrotado”. Mas não há nas cadeias “praticamente ninguém condenado pelo crime de colarinho branco”.

Jancie e Wagner apontam uma causa comum para o fenômeno da impunidade: a maleabilidade do sistema processual brasileiro.

Afirmam que os criminosos endinheirados, com bolso para bancar advogados, têm acesso a uma infinidade de recursos. Algo que termina por inviabilizar a condenação.

Ouça-se Janice: "O cidadão tem direito à ampla defesa, mas isso não pode significar abuso do direito de defesa como vemos com frequência".

Ela acrescenta: "A defesa é ampla, mas não infinita". Wagner enverniza o raciocínio da colega: “O excesso de recursos e o foro privilegiado causam sensação de impunidade”.

O seminário em que falou Janice ocorreu na quarta (9). Foi noticiado em texto veiculado na web nesta quinta (10).

O evento em que sou a voz de Wagner Gonçalves ocorreu nesta quinta (10). Foi noticiado no sítio da Procuradoria Geral da República.

Separados por um intervalo de 48 horas, os dois seminários debateram um tema único: o combate à corrupção. 
No de Brasília, estiveram presentes os mandachuvas de três dos mais importantes órgãos de controle do país.

Deram as caras: o procurador-geral da República, Roberto Gurgel; o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar; e o ministro da CGU, Jorge Hage.

A trinca realçou a necessidade de os órgãos reforçaram a ação conjunta contra a corrupção. Gurgel anunciou que o Ministério Público prepara um protocolo para apresentar às demais instâncias.

Visa reforçar a cooperação e traçar uma estratégia conjunta de combate às malfeitorias. Inclui propostas de mudanças legais, que dependem do Congresso.

“É uma luta comum do Estado brasileiro, que só será vencida se essa união entre as nossas instituições for permanente, praticada a cada dia”, disse Gurgel.

O ministro Jorge Hage tentou contemporizar a ausência de condenações judiciais aos corruptos. Disse que não adiante ficar se lamentando.

Melhor, segundo ele, tonificar o esforço para impor aos ciminosos sanções administrativas. Pelas contas de Hage, cresceu o número de demissões por improbidade –2.350 agentes públicos federais foram ao meio-fio desde 2003.

Realçou a necessidade de impor sanções também aos corruptores. Daí a criação de um cadastro nacional com a lista de empresas punidas, que ficam proibidas de celebrar contratos com o Estado.

No encontro da véspera, a procuradora Janice Ascari dissera que o “criminoso que desvia verba pública é mais perigoso que criminoso comum”.

Por quê? “Ele está retirando da sociedade uma massa de dinheiro de toda uma comunidade”. Daí a sua aversão à leniência do Judiciário.

O subprocurador-geral Wagner Gonçalves discorreu sobre a interface eleitoral da corrupção. Didático, explicou como se processa a perversão:

Antes das eleições o empresário procura um candidato que sabe não ser honesto. Propõe financiar-lhe a campanha. O dinheiro borrifado nas arcas do candidato “não sai de graça”, disse Wagner.

Terminada a campanha, o empresário-financiador “vai buscar aquilo que gastou” nos contratos que celebra com a administração pública.

Com isso, desviam-se recursos que se destinariam à sociedade. “Por isso falta hospital, médico, escola”, disse Wagner.

O par de seminários não tem o condão de eliminar a impunidade, fenômeno que infelicita o Brasil desde Cabral. Mas têm o mérito de iluminar o problema.

Nesse debate, o Judiciário não fica em posição confortável. Longe disso.

Fonte: Blog do Josias de Souza

Nenhum comentário: