A imunidade parlamentar não dá ao político o direito de acusar a quem quiser quando bem entender. É como se pode resumir a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (24/6), ao decidir aceitar uma queixa-crime movida pelo deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) contra um colega de Congresso Nacional. Segundo a denúncia, em um programa de rádio, o também deputado Silvio Costa (PTB-PE) chamou Jungmann de “corrupto”. Até hoje, a jurisprudência da corte era a de considerar o parlamentar imune, e arquivar a ação. No entanto, os ministros decidiram que o direito não é absoluto.
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo recebeu a queixa-crime por injúria, crime previsto no artigo 140 do Código Penal. Para o relator do caso, ministro Marco Aurélio, o artigo 53 da Constituição diz que são invioláveis os parlamentares no exercício de seus mandatos, dispositivo que tem como objetivo permitir atuação independente. No entanto, segundo o ministro, o instituto não permite ações estranhas ao mandato, como ofensas pessoais, sem que haja consequências.
"A não se entender assim, estarão eles acima do bem e do mal, blindados, a mais não poder, como se o mandato fosse um escudo polivalente, um escudo intransponível", disse o ministro em seu voto. "Tudo indica que a pecha atribuída decorreu de desavença pessoal, não relacionada com o desempenho parlamentar, com ato próprio à Casa Legislativa em que integrados os envolvidos."
Uma vez aceita a queixa, o acompanhamento da instrução da ação penal permitirá, disse o ministro, que a corte descubra se existe elo entre o que se espera do mandato parlamentar e o que foi veiculado na queixa-crime. Acompanharam o relator os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso.
Não é só o fato de Silvio Costa ter acusado Jungmann longe da tribuna da Câmara dos Deputados que o candidata ao banco dos réus, segundo o advogado do queixoso, Pedro Machado de Almeida Castro. “Não houve nexo entre suas palavras e o exercício do cargo”, diz. O entendimento da corte até então, como explica o advogado, era o de que, se Costa tivesse se manifestado no Congresso, estaria protegido de responder criminalmente. “O caso é uma exceção.”
Ao receber a queixa, no entanto, a corte muda de postura. E terá, no acórdão, a tarefa de estabelecer os limites. “Será como legislar um pouco”, confirma o advogado. Segundo ele, mesmo que a ação tenha apenas começado, o mero recebimento da queixa já abre um precedente diferente. “Ninguém está acima da lei.”
Raul Jungmann e Silvio Costa são adversários políticos em Pernambuco, o que leva a questão ainda mais para o lado pessoal. Em debate na Rádio CBN em abril do ano passado, do qual participou o também deputado Chico Alencar (PSOL/RJ), discutia-se sobre o que ficou conhecido como a farra das passagens aéreas na Câmara dos Deputados. De acordo com a queixa, durante o debate, ao citar o conterrâneo do PPS, Silvio Costa disse: "O deputado Chico falou agora em milha. Falar em milha é uma hipocrisia. Tem um deputado, Raul Jungmann, um corrupto de Pernambuco, que eu vou dizer terça-feira que ele é realmente um corrupto, ele foi efetivamente dizer: 'não, eu não comprei a passagem pra minha filha com o dinheiro não, eu comprei com milha.' Só que a milha é oriunda da cota de passagem”.
Em sustentação oral, o advogado de Jungmann disse que a imunidade parlamentar não se cinge ao Congresso e às suas dependências, mas que se aplica sempre que o deputado estiver no exercício de suas funções, dentro ou fora do Congresso Nacional. Para ele, Costa chamou seu cliente de corrupto em situação fora do contexto do exercício funcional, sem qualquer nexo com os mandatos.
Durante o julgamento, o ministro Carlos Britto considerou que a imunidade parlamentar é extensiva ao caso. Segundo ele, o direito é absoluto, tanto que o próprio parlamentar nem mesmo pode abrir mão dele. A ministra Cármen Lúcia ponderou. Segundo ela, também existe cláusula pétrea de proteção à honra, e os direitos não podem se sobrepor.
Na opinião de Castro, advogado de Jungmann, a liberdade dos parlamentares nas CPIs também não é absoluta. “Não se pode extrapolar o limite de opinião, de adjetivação da pessoa, ou sugerir que esteja havendo crime”, entende. Para ele, no entanto, essa é uma área “cinzenta”.
Clique aqui para ler o voto do ministro Marco Aurélio, relator do caso.
Inq 2.813
Por Alessandro Cristo
Fonte: ConJur
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