quinta-feira, 1 de abril de 2010

Capitanias Hereditárias

Postado por: Edivan Rodrigues

É ano de eleição e muito antes da permissibilidade legal para a propaganda dos candidatos, já temos campanhas nas ruas, nas rádios e na imprensa escrita. Disfarçadas é certo, mas com todas as características de quem quer impor seu nome para os eleitores. Quanto a esse fato eu costumo sempre afirmar que candidato que transgride a lei não deve ser votado, pois já começa a demonstrar sua real intenção ao povo, qual seja, ser um contumaz transgressor da legislação em todos os sentidos.

Embora seja um tema relevante, há penalidade prevista em lei para seus transgressores. No entanto, o que me preocupa e chama atenção com essa propagação de candidaturas antecipadas é a invasão de candidaturas de filhos e parentes de políticos, numa clara tentativa de tornar o processo eleitoral uma simples chancela da continuidade da atividade da família dominante na vida pública.

O fato deve ser pensado e analisado com cuidado pelos cidadãos-eleitores. É óbvio que qualquer pessoa capaz e com os direitos políticos ativos pode se candidatar a um cargo eletivo. Essa informação, desprovida das reais intenções dos postulantes, resume-se na real existência da democracia, qual seja, que todos tenham oportunidades iguais e sejam agraciados com os votos de seus apoiadores. No entanto, o que se observa em algumas dessas candidaturas apregoadas na ilegalidade é a finalidade de manutenção da hegemonia política e o controle do poder por grupos poderosos e famílias tradicionais, transfigurando assim a democracia em verdadeiras oligarquias.

Para explicar o que significa uma oligarquia, valemo-nos da Filosofia. O filósofo grego Aristóteles distinguia três formas de governos. A monarquia, o governo de um só. Uma monarquia é um regime de governo em que o chefe de Estado é o monarca. O poder é transmitido ao longo da linha sucessória. A Aristocracia, na classificação Aristotélica, significa o governo de alguns, o governo dos melhores, os mais capazes, dos sábios, enfim, daqueles que apresentam superioridade não só intelectual, mas também moral. Por fim, teríamos a Democracia, governo que deve atender na sociedade aos reclamos de conservação e observância dos princípios da igualdade e da liberdade. É um sistema de governo onde o poder de tomar importantes decisões políticas está com o povo.

Segundo Aristóteles, essas formas de governo advinham da concepção de governos puros, traduzidos na vontade do governante de administrar segundo o bem comum, a paz social e o desenvolvimento da nação.

Governos impuros, por outro lado, seriam aqueles que ao invés do bem comum, prevalece o interesse pessoal em detrimento do interesse geral da coletividade. Nesses casos, a monarquia se converte em tirania; a saber, governo de um só, no qual prevalece o desprezo pela ordem jurídica; a aristocracia passa a ser oligarquia, governo de poucos em benefício próprio, com amparo na riqueza pecuniária e a democracia decaída se perfaz em demagogia, governo das multidões ignorantes, enganadas e cegas politicamente.

O Brasil, por exemplo, passou por vários períodos de governos, desde o Brasil Colônia, que é o período da história do Brasil entre o descobrimento, em 1500 até a Independência, em 1822, quando o Brasil estava sob domínio sócio-econômico e político de Portugal. O Brasil Império, entre a Independência em 1822 até a Proclamação da República em 1889. A Primeira República, ou República Velha, período que vai da Proclamação da República, em 1889, até a Revolução de 1930; O Estado Novo, que foi como ficou conhecido o período da história republicana brasileira que vai de 1937 a 1945, quando foi Presidente do Brasil Getúlio Vargas. O Segundo Período Democrático, de 1945 até 1964, com a implantação da Ditadura Militar. O período do Regime Militar ocorrido no Brasil entre 1964 e 1985 e, por fim, a Nova República ou período da redemocratização que vai desde 1985 até os dias atuais.

Em todos esses períodos da História do Brasil há sempre uma concentração de poderes políticos e econômicos nas mãos de poucos, evidenciando a formação de oligarquias patriarcais, tendente à manutenção do poder.

Tais conceitos político-filosóficos são necessários para o pronto entendimento de que essas candidaturas são, na realidade, formas de manutenção de um governo de poucos, em benefício próprio, com amparo na riqueza pecuniária, ou seja, tratam-se de oligarquias dentro de uma democracia.

Vem de longe nossa cultura de dominação hereditária. É preciso lembrar que essa forma de transmissão do poder político/econômico que hoje tenta se manter de forma disfarçada é presente desde a divisão de nossas terras em Capitânias Hereditárias.

Logo após o Descobrimento do Brasil, O Rei de Portugal, D. João III resolveu dividir as terras brasileiras em faixas, que partiam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Estas enormes faixas de terras, conhecidas como Capitanias Hereditárias, foram doadas para nobres e pessoas de confiança do rei. Estes que recebiam as terras, chamados de donatários, tinham a função de administrar, colonizar, proteger e desenvolver a região. Em troca destes serviços, além das terras, os donatários recebiam algumas regalias, como a permissão de explorar as riquezas minerais e vegetais da região. Estes territórios seriam transmitidos de forma hereditária, ou seja, passariam de pai para filho. Fato que explica o nome deste sistema, ou seja, Capitanias Hereditárias.

Embora tenha vigorado por pouco tempo, o sistema das Capitanias Hereditárias deixou marcas profundas na divisão de terras do Brasil. A distribuição desigual das terras gerou posteriormente os latifúndios, causando uma desigualdade no campo. Atualmente, muitos não possuem terras, enquanto poucos possuem grandes propriedades rurais.

Hoje vemos uma nova forma de transmissão das riquezas e do poder. Como o interesse é outro, que não terras, ma sim poder, a transmissão que ocorre de pai para filho é de poder político e econômico; é a dominação do Estado e do Governo. Hoje o poder representa as terras das Capitanias Hereditárias e como naquela época é transmitindo de pai para filho. A intenção, sempre dominante, dos atuais ou ultrapassados líderes políticos em emplacarem seus filhos, irmãos, sobrinhos, netos e até esposas na sucessão de seus mandatos, é a de manutenção do estado das coisa, como sendo, a dominação maior do poder político.

Vivemos atualmente num período dito democrático, mas nossa “Democracia” ainda é culturalmente infestada de mazelas coloniais, ditatoriais e oligárquicas. O poder político e econômico é potencialmente inacessível para as classes mais pobres da sociedade. Isso se passa num círculo vicioso patrocinado por todos nós cidadãos. Como?! Os que estão no poder são mantidos com os votos dos eleitores inebriados pelo poderio econômico e financeiro, revelado numa campanha rica em troca de favores, doações de brindes e promessas eleitoreiras. Como se mantém no poder e são os que criam as normas e leis que regem o processo eleitoral, é fácil para eles manterem e criarem leis que garantam a manutenção do status quo.(estado das coisas como estão).

Em contrapartida, os candidatos do povo, que buscam verdadeiramente a melhoria de vida dos seus iguais, não possuem dinheiro suficiente para contrapor-se a esse poderio econômico, não são eleitos, ou quando furam o bloqueio é em minoria e, portanto, não há representação do povo no poder. E assim o círculo vicioso do poder continua. Os donatários impõem leis e barreiras para a manutenção do estado das coisas e não permitem que a minoria tente mudar essa situação.

Assim é que começam a aparecer de formar incisiva a intenção de manter esse sistema oligárquico, o que se vê, mesmo em período no qual se é proibido, são candidaturas de “Filhos”, “Juniors”, “Netos”, “Segundos”, “Terceiros”, “Sobrinhos”, “sobrenomes de esposos” entre outros familiares ilustres de caciques da política colonialista e oligárquica.

Ressalte-se que, embora essa argumentação possa parecer exagerada e imoderada quanto aos parentes de políticos que tentam seguir trajetória política, a finalidade do artigo não é essa. Para tanto é preciso que se tenha em mente a diferença entre “vocação política” e a real intenção das candidaturas de parentes da política, qual seja, a de manter o sistema de “capitanias hereditárias”.

A Política é uma atividade que chama os seus vocacionados. Eles são levados para essa atividade com a finalidade de promover o bem comum, de serem líderes de seus povos. Quem envereda pelo campo da política o faz de muito cedo, com o contato com a coletividade, ajudando a organizar seu bairro, sua comunidade. Apresentando soluções e procurando melhoria de vida para todos. Muito embora os cargos e mandatos sejam o alvo de todo político, mesmo sem mandatos continuam a luta para promover o bem comum. O político vocacionado busca sempre ser eleito, mas sua eleição advém de sua luta e do compromisso assumido com o povo. Não é um emprego para uso próprio, mas um encargo para trabalhar pelo povo. Tem vida própria e luta por ideais. Vai crescendo ao longo de sua luta. Em via de regra, faz carreira começando pelo mais baixo posto político, quando muito nunca deixa de ser povo. É alçado na vida pública de baixo para cima (do povo para o poder).

Ao contrário, os dignitários da política das “capitânias hereditárias” só logram obter o poder e neles manterem seu grupo e familiares. Não são criados em lutas comunitárias ou associativas. São impostos de cima para baixo. São criados e introduzidos nas cidades por caciques políticos que querem tão simplesmente conquistar o poder. Nunca foram povo. Não conhecem o que é fome, miséria e seca. Sempre viveram e foram educados longe das mazelas do povo brasileiro. Muitos sequer conhecem as cidades para as quais são mandados a conquistarem os votos do povo menos esclarecido. A maioria desses sequer sabe quanto vale o salário mínimo, por nunca terem recebido salário. Vivem de mesadas e são mantidos pelo poderio econômico do cacique eleitoral. São alçados para o política à custa do poder econômico-financeiro. É colocado na vida pública de cima para baixo (do poder para o povo).

Essa diferenciação é importante para o cidadão entender que não há pirraça da minha parte com o político vocacionado que seja parente de político. Pelo contrário, nesse caso entendo que a hereditariedade é bem vinda, desde que se mostre líder, aberto ao povo, honesto e capaz. Há sim, por parte deste articulista desconfiança com o filho de político, que não é, nunca foi e nunca será um político vocacionado, com a finalidade tão somente de manter o poderio econômico e político do seu pai, através do sistema de “capitânias hereditárias”.

O verdadeiro político é aquele que conhece seu povo. A verdadeira democracia se traduz no governo do povo. Como disse Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos da América, (1809-1865), “A democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”.

O povo precisa estar atento para essa distinção. O cidadão precisa eleger quem de fato lhe representa, quem conhece sua luta diária e suas necessidades. Creio que os verdadeiros representantes do povo deve vir das lutas de classes e do convívio social e comunitário, não das hostes palacianas ou das casas grandes. O eleitor precisa entender que boniteza e fala bonita nem sempre se traduz em direitos e melhoria de vida.

O político é antes de tudo um servo de seu povo. Engana-se aquele que acha que comanda o povo. A verdadeira democracia se apresenta na forma de representação do povo, de baixo para cima(do povo para o poder) enquanto as oligarquias são representadas por indicações de cima para baixo(do poder para o povo).

Mais do que isso, é preciso romper com essa tradição de capitanias hereditárias e passarmos a buscar representantes de nós mesmos.

Espero que o povo acorde e saiba reconhecer seu caminho. Já que minhas palavras são esculpidas de humildade e singeleza, fundamento meu intento com a exortação de Paulo aos Coríntios (1Co 9,22-27), na qual diz o servo de Nosso Senhor Jesus Cristo:

“22. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. 23 Ora, tudo faço por causa do evangelho, para dele tornar-me co-participante. 24 Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só é que recebe o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. 25 E todo aquele que luta, exerce domínio próprio em todas as coisas; ora, eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma incorruptível. 26 Pois eu assim corro, não como indeciso; assim combato, não como batendo no ar. 27 Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado.”

Saúde, Justiça e paz.

*Edivan Rodrigues Alexandre
Juiz de Direito, Titular da 4a. Vara da Comarca de Cajazeiras

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