Os sucessivos escândalos que tem regularmente tomado o Legislativo recomendam uma reflexão que transcenda os delitos que enchem as páginas de jornais - isso não quer dizer perdoá-los - e tente encontrar a razão profunda que leva a uma eterna repetição desses casos. Esse é um debate que não deve ser apenas moralizador (no sentido de "moralista"), mas moralizante (reduzindo as possibilidades de os fatos e as pessoas que os alimentam persistirem no cenário) e, sobretudo, democrático. O Legislativo é a instituição democrática por excelência e desserve a democracia quando se lança no descrédito e se expõe como um refúgio de pessoas que estão sob investigação ou processadas pela Justiça, e que podem ganhar foro privilegiado e poder político para adiar ao máximo a condenação sob o mando protetor da instituição.Segundo pesquisa do site "Congresso em Foco", feita em junho do ano passado, 24,5% dos 594 congressistas, ou 145 deputados e senadores, tinham problema com a Justiça - quase um quarto, portanto, do total de parlamentares federais. Em outra pesquisa, feita logo após a eleição de lideranças e de membros para as mesas diretoras das duas casas, em fevereiro deste ano, o site especializado concluiu que 11 dos 36 líderes da Câmara e do Senado - aí incluído o ex-presidente do Senado e hoje líder do PMDB, Renan Calheiros - respondem a crimes contra a ordem tributária e a administração pública, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. O caso recente mais revelador talvez tenha sido o do único representante do PRTB, o líder de si próprio Juvenil Alves (MG). Ele foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 13 de fevereiro e luta para retomar o seu mandato, não por vocação política, mas porque isso lhe garante foro privilegiado para dois inquéritos em que é investigado - um por falso testemunho e coação; outro por estelionato, fraude, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e falsidade ideológica.Não se deve generalizar - se existem 25% de parlamentares que respondem a processos, isso quer dizer que outros 75% não tem problemas com a Justiça. Sequer é racional considerar a instituição como intrinsecamente corrupta ou criminosa. Não é de bom senso, contudo, manter um status quo que dá um forte atrativo ao Legislativo federal a pessoas tão somente interessadas na impunidade. O grande chamariz é o foro privilegiado, o instituto legal que torna o Supremo Tribunal Federal a única instância judicial com competência para investigar, processar e julgar 700 autoridades nos três poderes - presidente e vice-presidente da República, ministros, senadores, deputados federais e ministros do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). De todos esses cargos, os obtidos com mandato parlamentar e os do Judiciário são os únicos não demissíveis. Os legislativos, todavia, podem ser adquiridos com facilidades de acesso às legendas partidárias, uso do poder econômico para a arregimentação de votos, acordos com líderes políticos locais - ou até coação pura e simples, como é o caso dos políticos ligados a milícias locais, que definem pela força os votos de moradores, seus reféns.O Congresso tem que deixar de ser atrativo para esse tipo de político de ocasião, cujo único interesse é o de obter o foro privilegiado - que torna-se sinônimo de impunidade, já que a investigação ou processo recomeçam do zero quando passam da Justiça comum para o Supremo, e depois se demora anos para chegar a uma decisão, dada a vocação quase nula do STF à investigação e ao julgamento criminal.Em 1991, uma emenda constitucional acabou com a imunidade parlamentar - cuja restauração foi muito importante depois da redemocratização, como garantia a um mandato reduzido em sua importância no período anterior por um regime de força, mas que acabou se tornando demasiada atrativa para criminosos comuns. A partir de então, os parlamentares deixaram de ser imunes pelos crimes comuns que tivessem cometido e a imunidade passou a cobrir apenas o exercício de suas funções. O foro privilegiado, todavia, tem mantido, na prática, a imunidade para crimes comuns. Está na hora de rever esse privilégio. Isso é muito importante para se restabelecer o prestígio perdido pelo parlamento.
Fonte: Valor Econômico(Editorial 13/04/09)
Nenhum comentário:
Postar um comentário