PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N. 200810000027217
RELATOR:Conselheira ANDRÉA MACIEL PACHÁ
REQUERENTE:GILBERTO DE MOURA LIMA
REQUERIDO:TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO
ASSUNTO:DESCONSTITUIÇÃO DE RECOMENDAÇÃO
Ementa: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RECOMENDAÇÃO DE INSCRIÇÃO DE MAGISTRADO EM CURSO DE PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO. DECISÃO ADMINISTRATIVA TRAVESTIDA DE DECISÃO JUDICIAL. PROCEDENTE. DETERMINAÇÃO DE ESTRITA OBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS.
É possível o controle, pelo CNJ, de decisão administrativa eivada de vício de legalidade, ainda que tenha sido proferida no corpo de decisão judicial. Desconstituição do ato administrativo .
RELATÓRIO
Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo em que o juiz Gilberto de Moura Lima insurge-se contra decisão proferida pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão, que no julgamento de apelação, determinou o envio de peças à Corregedoria-Geral de Justiça daquele Estado com a recomendação de que o magistrado fosse inscrito em Curso de Direito Processual Civil, em especial no módulo de recursos (coisa julgada), na Escola da Magistratura, tendo em vista decisão por ele exarada em que atribuiu efeitos infringentes a embargos declaratórios, para efeito de modificação do dispositivo da sentença.Relata a ampla divulgação do fato, inclusive por meio da internet, aduzindo que as competências das Câmaras Cíveis fixadas no art. 17 do RI do Tribunal não incluem atribuições administrativas de natureza disciplinar e ressaltando que o ato praticado ultrapassou o “exame da causa posta”, pois “partiu para emissão de juízo de valor depreciativo quanto ao conhecimento jurídico do magistrado”. Alega ofensa ao artigo 23 da Resolução n. 30 do CNJ, que dispõe sobre a preservação do direito à intimidade dos magistrados, e ao artigo 36 da Loman, que veda aos juízes a manifestação, “por qualquer meio de comunicação”, de “juízo depreciativo sobre despachos ou sentenças”, ressalvadas as hipóteses legais. Assinala, ainda, que a sanção aplicada não tem previsão legal e salienta que as penalidades administrativas somente podem ser aplicadas pelo Plenário do Tribunal de Justiça (art. 207, RI/TJMA).Invoca o princípio de independência funcional do magistrado e, ao final, requer “a sustação do ato impugnado”, com a declaração de sua nulidade e, ainda, que seja determinada ao Tribunal de Justiça do Maranhão a estrita observância da Resolução n. 30 do CNJ, a fim de que eventuais representações contra magistrados dirigidas à Corregedoria- Geral de Justiça sejam realizadas de forma reservada, preservando-se a dignidade e assegurando a independência funcional dos juízes. Pleiteou a concessão de medida liminar, que foi por mim indeferida, mas na qual recomendei que a Corte requerida retirasse a parte da publicação ora impugnada do site do Tribunal. O Tribunal de Justiça do Maranhão, em sua manifestação, informou não ter sido o fato veiculado no site do órgão, “embora tenha extrapolado os seus cancelos, até mesmo em razão da publicação da decisão no órgão oficial”.A relatora do processo, Desembargadora Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, instada a se manifestar, pronunciou-se informando que a “ressalva constante na parte final do extrato de ata do julgamento” decorreu de manifestação apresentada pelo Desembargador Jaime Ferreira de Araújo. Esclareceu, ainda, que na oportunidade não percebeu o fato como “punição administrativa”, mas tão-somente como encaminhamento à Corregedoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 30, XXII, do RI do Tribunal. Salientou que a 4ª Câmara Cível apenas cumpriu determinação legal de publicação do acórdão, não tendo responsabilidade sobre a sua divulgação em site de matérias jurídicas.O Desembargador Jaime Ferreira de Araújo, preliminarmente, suscitou a impossibilidade de ataque do ato por meio da via proposta e levantou a incompetência deste Conselho para a análise de ato contido em decisão judicial. Com relação ao mérito, afirmou que o ato decorreu de reincidência do magistrado, mencionou o Código de Ética da Magistratura e defendeu a legalidade do ato praticado, acrescentando não se tratar o mesmo de “sanção disciplinar”, mas sim de recomendação à Corregedoria-Geral de Justiça. Por fim, salientou a inexistência de violação ao princípio da independência funcional. O Desembargador Milson Coutinho alegou não ter a Câmara decidido acerca do objeto desta proposição e esclareceu já ter sido a recomendação objeto do presente arquivada pelo Desembargador Corregedor.
É o relatório. Passo a votar.
É cediço que ao Conselho Nacional de Justiça compete, conforme disposições do artigo 103-B, § 4º, da CF, o planejamento estratégico do Poder Judiciário e o controle dos atos praticados por seus membros e órgãos nos casos em que ultrapassem os limites da legalidade. A competência fixada para o CNJ é, portanto, restrita ao âmbito administrativo do Judiciário, não podendo exercer intervenção em matéria que com as suas atribuições constitucionais não estejam extremamente vinculadas, o que, por óbvio, inclui a obrigatória observância e respeito à autonomia dos magistrados no exercício de suas funções jurisdicionais e a inadmissibilidade de controle ou revisão de suas decisões judiciais. Assim já se manifestou o Plenário deste Conselho em inúmeros precedentes e assim deve ser mantida a sua posição. No entanto, no caso em apreço, os fatos aduzidos na inicial revelam que os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão, ao julgar a apelação cível, acabaram por exceder as suas competências, extrapolando a análise das questões objeto da causa posta a conhecimento, e proferindo, em seu bojo, manifestação eminentemente administrativa. Sabe-se que as decisões judiciais têm como objetivo principal garantir a prestação jurisdicional. São elas revestidas de elementos próprios da atividade decisória, dentre os quais, a obrigatoriedade de solucionar a lide e dar resposta à pretensão posta em juízo pela via própria. No caso em apreço, a manifestação impugnada, apesar de ter sido proferida em sede de decisão judicial, assim não pode ser denominada, eis que não guarda qualquer relação com a demanda a que se referia o processo. Pode-se dizer, portanto, que tem natureza de ato administrativo travestido de decisão judicial, o que, por conseguinte, legitima a atuação e o controle por parte deste Conselho, eis que ao CNJ é garantida a possibilidade de fiscalização de decisões administrativas, se ilegais, ainda que proferidas em sede de decisão judicial. Importante frisar que não se tem aqui a intenção de impedir providências por parte das Cortes de Justiça nos casos em que identifiquem falhas ou deficiências internas. A prestação jurisdicional exige, de fato, que os magistrados busquem um aperfeiçoamento contínuo, uma vez que a função judicante é dinâmica e as alterações legislativas são constantes. Dessa forma, pode e deve o Tribunal, com a finalidade de aperfeiçoar a prestação jurisdicional, exercer intervenção, desde que a promoção das medidas seja efetivada pela via própria, qual seja, por meio da instauração de procedimento administrativo, no qual são preservados todos os direitos constitucionais e legais garantidos aos magistrados. Pode, ainda, utilizar-se de meios gerais para estimular os seus integrantes à busca pela formação continuada.Dando prosseguimento, ressalto o caráter punitivo da recomendação que ora se analisa, que pode sim ser caracterizada como “sanção administrativa disciplinar”, eis que se manifesta como penalidade imposta ao magistrado. Sabe-se que a aplicação de sanções administrativas é restrita às hipóteses previstas na Lei Orgânica da Magistratura - advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão -, o que demonstra o caráter ilegal da manifestação. A irregularidade mostra-se ainda mais patente quando se analisa o artigo 40 do texto legal mencionado, que estabelece que “a atividade censória de Tribunais e Conselhos” deve ser exercida “com o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado”, e os artigos 43 e 44, que dispõem sobre a aplicação reservada das penas de advertência e censura, dispositivos esses que visam à preservação da imagem e da dignidade do juiz acusado.No presente caso, nenhuma das garantias acima citadas foi observada e a recomendação foi causa de exposição desnecessária da imagem do magistrado Gilberto de Moura Lima. O prejuízo causado ao requerente pode ser facilmente constatado, considerando a grande repercussão dada à decisão, que foi divulgada em inúmeros sites, principalmente jurídicos, e listas de discussão, quase sempre com a transcrição da ementa do decisum.Ademais, mesmo que a manifestação não pudesse ser caracterizada como “ato administrativo”, ainda assim a irregularidade estaria presente, eis que não cabe ao julgador, principalmente em sede de decisão judicial, proferir juízo de reprovação à atuação jurisdicional do magistrado prolator da sentença em primeiro grau. O juiz exerce papel e função pública de suma e extrema importância e relevância no contexto social e que, sem dúvida, exige indispensável dedicação e conhecimento, tanto para o ingresso na carreira, por meio de processo seletivo oferecido e realizado pelo próprio Tribunal de Justiça, quanto para a sua continuidade. Deve ele, portanto, ser tratado com respeito e dignidade para, assim, exercer com imparcialidade e independência a função jurisdicional. Sabe-se, também, como já mencionado acima, que a ele são conferidas garantias e prerrogativas, em razão de sua especial e indispensável função, previstas na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura, que devem ser observadas principalmente pelos também integrantes do Poder Judiciário.
Diante do exposto, voto pela procedência do presente Procedimento de Controle Administrativo para:
a) desconstituir o ato administrativo travestido de decisão judicial que determinou o encaminhamento de cópia dos autos do processo judicial à Corregedoria-Geral de Justiça com a recomendação de que o magistrado fosse inscrito, “ex oficio, na Escola da Magistratura, disciplina Direito Processual Civil, em especial no módulo de Recursos (coisa julgada)”, com posterior comunicação, pelo Corregedor de Justiça, à Câmara Civil, “após o término do curso”, “bem como” sobre “o aproveitamento por parte do juiz em causa”;
Brasília, 17 de março de 2009.
Conselheira ANDRÉA MACIEL PACHÁ Relatora
Fonte: CNJ
Fonte: CNJ
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