segunda-feira, 28 de março de 2011

'Debaixo da toga de juiz também bate um coração', diz Fux

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, 57, não aceita ser responsabilizado pelo voto decisivo que anulou a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010.
Juiz de carreira, ele disse que procurou argumentos jurídicos para tentar validar a regra na última eleição, mas não encontrou. "Debaixo da toga de um magistrado também bate um coração de homem", disse, ao explicar que tenta sempre equilibrar "razão e sensibilidade" ao julgar. "Procuro sempre esse equilíbrio, e acho que tenho conseguido''.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida em sua casa, na sexta.

Alan Marques/Folhapress
'Debaixo da toga de juiz também bate um coração', diz Fux
'Debaixo da toga de juiz também bate um coração', diz Fux

Folha - Como o sr. se sentiu desempatando uma questão tão controversa como a da validade da Lei da Ficha Limpa em 2010?
Luiz Fux - Eu não desempatei nada. Apenas aderi à posição majoritária do Supremo, que era no sentido de não permitir que a lei valesse para as eleições do mesmo ano. Os votos foram de acordo com o artigo 16 da Constituição, que é um artigo de uma clareza meridiana. Uma coisa tão simples que às vezes um leigo sozinho, lendo o dispositivo, vai chegar à mesma conclusão que eu. O artigo 16 diz que a lei que altera o processo eleitoral não se aplica na eleição que ocorra até um ano de sua vigência.
Alguns ministros, como Joaquim Barbosa, entenderam que era o caso de decidir entre o artigo 16, que trata da anualidade e preserva direitos individuais, e o princípio da moralidade, que tem maior impacto social.
Eu tenho uma visão técnica sobre esse tema. Esse principio da anualidade eleitoral é transindividual, porque refere-se à universalidade dos eleitores e à universalidade dos candidatos. Aqui não está em jogo interesse individual ou coletivo. Aqui está em jogo princípio transindividual.
Como corte constitucional, o STF deve fazer distinção entre o que deve prevalecer: os direitos individuais ou os direitos da sociedade?
A Constituição não legitima julgamentos subjetivos. Senão, partimos para aquela máxima de "cada cabeça, uma sentença", e não vamos ter uma definição do que é lícito e o que é ilícito. A população só tem segurança jurídica a partir do momento em que o magistrado se baseia ou na lei ou na Constituição. É claro que essas leis, essas regras constitucionais, precisam ser interpretadas, mas a interpretação só se opera quando há uma dubiedade na lei.
Alguns ministros apontaram outras inconsistências na Ficha Limpa. O sr. acha que, no futuro, o STF pode derrubar a lei?
Nós julgamos a questão do artigo 16, que tornou absolutamente indiferente a análise das demais questões. Não houve ninguém que tivesse declarado a lei inconstitucional. Por isso eu afirmei, e isso foi derivado de uma aspiração humana, que fiquei impressionado com os propósitos da lei, fiquei empenhado em tentar construir uma solução. Tanto assim que não consegui dormir, acordei às 3h da manhã e levei seis horas para montar o voto. A partir do julgamento, a única conclusão a que se pode chegar é que ela se aplica a partir de 2012.
Mas quando o ministro Cezar Peluso diz que nem as ditaduras ousaram fazer uma lei retroagir para punir crimes, ele não está dando mote para que a lei seja questionada?
Uma coisa é a anterioridade, prevista no artigo 16, e outra é você falar em retroatividade. Às vezes há um impulso de se confundir as coisas. Se a lei pode ser aplicada aos crimes anteriores não foi objeto de debate. Acredito que isso foi uma manifestação isolada diante do clima que se criou diante da judicialidade do argumento, isso acontece muito em colegiado.
Mas pessoalmente o sr. vê problema nisso?
Hoje não vejo problema. Mais tarde poderão surgir novas demandas? Poderão surgir. Até por isso não posso me pronunciar agora, mas eu digo que a lei vale para 2012. A lei da Ficha Limpa é movida pelo melhor propósito de purificação da vida democrática. Acho a opinião pública muito importante, mas para nós, a Constituição é um santuário sagrado.
E a repercussão do seu voto?
As opiniões estão divididas. Você vê juristas dizendo que não tinha outra saída e outros dizendo que a lei foi votada às pressas e por isso não se pôde reapurar os aspectos de sua legalidade.
O Judiciário não demora demais em responder a essas demandas?
Aqui entra em cena outra questão sobre a qual já fui muito indagado, que é a judicialização da política. Aqui não há a judicialização da política: há a politização de questões levadas ao Judiciário. Por que não resolveram isso lá entre as próprias instituições? Como a Constituição garante que todo cidadão lesado pode entrar na Justiça, todos aqueles que se sentiram prejudicados pela lei entraram em juízo. Veja quantas esferas: passam pela primeira instância, TRE, vão ao TSE e ainda cabe recurso ao STF. Eu sou defensor da eliminação do número de recursos. É preciso que a população se satisfaça.
O atraso nesse caso foi agravado pela demora na escolha do novo ministro do STF. O sr. é a favor do atual critério de escolha dos ministros?
A única alteração que eu faria, talvez até pela visão da carreira, é que eu acho que parte das vagas do Supremo deveria ser destinada a juízes de carreira, que tenham experiência na atividade de julgar, tenham percepção de que esses recursos demoram.
O sr. defende mandato fixo para ministro?
Me perguntaram sobre essa ideia e acho boa. Um ministro que passa 10 anos em um tribunal superior já deu sua contribuição ao país. Isso é mais de dar contribuição do que fazer biografia.
O sr. vai poder ficar quase 13 anos. Pretende sair antes?
Aí a gente vai ter que valer da frase de que o futuro a Deus pertence. Eu não sei se vou tão longe. Acho que é uma ideia legítima você contribuir com seu país por 10 anos e depois você permitir que outros possam ocupar.
Essa divisão que houve nesse julgamento tende a se repetir?
Eu entendo o seguinte: mesmo os magistrados mais experientes têm um grau de intelectualidade muito avançado, não merecem a pecha de conservadores. O voto do ministro Gilmar Mendes é um voto baseado em doutrinas recentes. São homens de todos os tempos, e os mais novos também têm posições ponderáveis. Não tem grupo, nem deve se imaginar isso. Até porque o Supremo visa a fazer Justiça à luz da lei e da Constituição. Não é um tribunal de justiçamento. Nós temos um respeito sagrado pela Constituição, até porque iniciativas populares podem levar a soluções contra o próprio povo.
O STF tem pela frente casos polêmicos, como a extradição de Cesare Battisti. Qual sua posição sobre o caso?
Uma tese sub judicie não pode ser adiantada sob pena de criar um paradoxo e eu ficar impedido de julgar.
A extradição virou uma disputa entre a questão política e o entendimento do tribunal?
Acho que a questão que se vai colocar é a seguinte: se o ato do presidente é um ato vinculado à decisão do Supremo ou é um ato discricionário. Tem sistemas jurídicos de todos os gostos. Tem sistema que avalia apenas se estão presentes as condições de extradição. A discussão é saber qual é o sistema brasileiro. Será que é aquele que entende que o Poder Judiciário só avalia e tem que cumprir, ou é que o Poder Judiciário é impositivo, e cabe apenas ao presidente cumprir? Vai depender do teor da decisão.
Há na pauta outros casos de grande repercussão social, como a permissão ou não de aborto de anencéfalos e a união homoafetiva. Como o sr. se posiciona nesses casos?
No Supremo, você aplica regra bíblica de a cada dia uma agonia. Por exemplo, a lei da Ficha Limpa foi incluída na sexta à noite na pauta. Essas coisas são divulgadas muito em cima da hora.
E em relação à Adin contra a fixação do salário mínimo por decreto? O sr. acha que existe choque entre Poderes?
Eu acho que é uma coisa mais formal. Saber se a política podia ser fixada por lei e depois o detalhamento por decreto. Acho que vai ser só isso.
Mas o sr. nesse ponto também pretende ser estritamente técnico?
Eu julgo sempre de acordo com a minha consciência, e acho que estou fazendo o melhor. Eu sou humano. Se eu errar, vou errar pelo entendimento. Eu sou sensível aos direitos fundamentais da pessoa humana.
Outra polêmica posta é sobre os limites de atuação do CNJ. O sr. acha que o ministro Cezar Peluso adotou uma postura mais corporativista que a anterior?
O ministro Peluso é um juiz de carreira que exerce a presidência. E o ministro não tem a história de um homem corporativista. Tem a história de um homem firme, que quando tem de aplicar uma punição severa não se furta a isso. Ele só não vai permitir a condenação de uma pessoa em bases infundadas.
Mas qual o sr. acha que deve ser o limite de atuação do CNJ?
Temos uma regra constitucional. O CNJ foi uma grande inovação em relação ao controle externo, mas de vez em quando tem tido histórico de questionamentos quanto à sua atuação, de desvios da função. É isso que temos de analisar.
Neste ano ou no próximo os srs. vão se deparar com o maior julgamento da história do STF, que é o do mensalão. O sr. acha que o Supremo é a corte adequada para julgar questões penais?
Juiz tem de julgar de tudo. Outro questionamento, o da prerrogativa de foro, tem um pressuposto correto, porque o ente público, dependendo da função que ele exerça, está sempre sendo questionado. Não seria razoável ele ser julgado cada hora num lugar.
Mas existe o outro lado dessa questão, que é o fato de o Supremo demorar demais para se manifestar em questões penais. Até hoje há apenas três casos de condenação.
Isso é uma realidade inafastável, inocultável. Mas hoje o fato de você ter juízes para produzir provas, fazer a oitiva de testemunhas, agiliza muito. Pelo tamanho do processo, pela quantidade de réus, o ministro Joaquim Barbosa está tendo uma presteza enorme. Acredito que vai haver uma distribuição com muita antecedência do relatório, para que todos nós possamos fazer juízo de valor e emitir um julgamento justo.
Em 2007, quando o STF decidiu receber a denúncia no caso do mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski fez um desabafo dizendo que o Supremo julgou "com a faca no pescoço''. No julgamento, isso deve voltar, com parte da opinião pública pressionando pela condenação; e de outro, os acusados e os aliados tentando negar qualquer delito. Como equilibrar isso?
E você acha que eu não julguei o Ficha Limpa com a faca no pescoço? Eu acho que os ministros vão se equilibrar no fio dessa navalha no seguinte sentido: o processo penal determina que seja apurada a autoria e a materialidade. Esse é o papel do Supremo: à luz dos autos verificar se houve autoria e materialidade dos delitos apontados. Discussão política é inaceitável. Eu não vou entrar nessa seara. Discussão política comigo não vai ter. Não vou nem impugnar politicamente nada nem acatar nada politicamente. Vou me ater aos autos e à lei e à jurisprudência.

Fonte: Folha.com

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domingo, 20 de março de 2011

Justiça com eficiência

"Com boa gestão, solução chega antes do problema"

Eliane Garcia e Antonio Vinicius Amaro - Spacca - Spacca

A melhor forma de conquistar a simpatia e a parceria de servidores e juízes que torcem o nariz para a chamada gestão estratégica é mostrar a efetividade das metas impostas pela administração do tribunal. Essa foi a experiência da Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, que começou as mudanças em 2009 com muitas resistências, mas hoje se apresenta como um tribunal que prima pela eficiência gerencial.
Para isso, teve que reconhecer as limitações administrativas dos juízes, que foram escolhidos e treinados para analisar processos, e contratar profissionais técnicos que indicariam novos caminhos para lidar com a enorme quantidade de ações diariamente levada ao Judiciário.
Antônio Vinícius Amaro, juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, admitiu ser um exemplo de quem desconfiou da eficácia de algumas metas propostas. Quando o Instituto de Desenvolvimento Gerencial, contratado para fazer um diagnóstico das deficiências e qualidades da corte, sugeriu uma redução dos gastos com energia, água e telefone, ele achou que não era possível.
Em seis meses, a redução de despesas atingiu 6%, mesmo com o aumento no número de funcionários. Parte do dinheiro poupado pode ser usada para a capacitação de servidores. Entre as metas a serem cumpridas até o final de 2011 está a de capacitar todos os 8 mil servidores do judiciário gaúcho.
Depois desse resultado, o juiz se convenceu de que o esforço vale a pena. O relato foi feito em entrevista à revista Consultor Jurídico, em Porto Alegre, na sede administrativa do Tribunal de Justiça, ao lado da juíza Eliane Garcia, que também auxilia a administração da corte.
Eliane falou sobre a atuação preventiva e estratégica da Justiça gaúcha, de enxergar o problema antes de ele acontecer, sem a ajuda de astrólogos, mas de um programa que criou indicadores da atuação dos juízes e que permite uma visão global para identificar onde estão os gargalos. A partir do diagnóstico, a Corregedoria entra em ação: muda procedimentos, reduz a burocracia, treina servidores, reforça a equipe quando necessário e exige um plano de ação, e resultados.
Eliane Garcia tem mestrado em administração judiciária da FGV-Rio e hoje coordena a equipe de juízes corregedores na parte jurisdicional, desenvolvendo práticas na primeira instância. Ela defende sentenças objetivas, “o simples, o básico”, para que a Justiça consiga dar conta de toda a demanda. E também que o juiz se interesse por gestão, porque tem de administrar uma equipe e, dentro disso, identificar o que cada um tem de melhor para oferecer. Por isso, os últimos juízes que chegaram receberam curso de gestão.
Antônio Vinícius Amaro da Silveira atuou dois anos e meio como juiz corregedor e há um ano e meio foi convidado para ser juiz assessor da presidência da corte. “Todo juiz deveria passar pela administração, para poder olhar de cima o Judiciário como um todo.”
Também participaram da entrevista os jornalistas Márcio Chaer e Maurício Cardoso.
Leia a entrevista:
ConJur — Como é que vocês têm lidado com o trabalho de gerenciamento judicial que é historicamente uma novidade no judiciário brasileiro?
Antônio Vinícius Amaro da Silveira —
Ficou evidente em quase todo o Judiciário brasileiro a necessidade de mudarmos a forma de lidar com os mesmos problemas. Não estávamos mais conseguindo fazer frente ao aumento da demanda com a mesma estrutura. A situação passou a ser assustadora e decidimos enfrentá-la de forma mais criativa, mais contundente. A primeira medida, adotada em 2009 pelo tribunal, foi profissionalizar a gestão. Além de descobrir novas formas de fazer frente à demanda, era preciso gerenciar melhor as despesas e receitas e, sobretudo, gerenciar melhor a nossa atividade-fim que é a prestação jurisdicional. No final de 2008, fizemos uma parceria com o INDG [Instituto de Desenvolvimento Gerencial] que chegou com a missão de fazer um redesenho funcional de toda a estrutura da Justiça do Rio Grande do Sul para que pudéssemos nos organizar e trabalhar de forma mais objetiva, com resultados, metas, buscando sempre alcançar um resultado positivo. Eles nos ajudaram a criar o GMSJud.
ConJur — O que é GMSJud?
Vinícius Amaro —
Gerenciamento Matricial de Serviços Judiciais, sistema que permite o acompanhamento de cada unidade jurisdicional do estado. Com isso, podemos compará-las para identificar e antecipar problemas. Na gestão do Judiciário, sempre atuamos de forma empírica, na medida do necessário, apagando o incêndio mais grave. Hoje, trabalhamos com a prevenção do problema. Podemos antecipar com uma margem de segurança significativa o que vai acontecer ou o que pode vir a acontecer daqui a algum tempo. Por exemplo, prever melhor estruturação frente a uma nova demanda. A profissionalização do Judiciário foi, vamos dizer assim, a nota que deu o tom nessa mudança.
Eliane Garcia — Até a criação desse sistema, não tínhamos indicadores da atividade jurisdicional. Sabíamos apenas o número de processos que entraram e os que receberam decisão. Não se tinha uma visão de todo o estado, as peculiaridades das ações cíveis, criminais, dos Juizados. Não tínhamos parâmetros para fazer uma avaliação do trabalho. Com o GMSJud criamos indicadores: taxa de congestionamento, produtividade, número de processos por pessoas, número de ações extintas por pessoa, a razão processual: o que entra e o que sai. Nós conseguimos identificar que daqui a 10 anos a demanda de tal vara terá problemas e, antes que isso aconteça, podemos criar um Juizado, reforçar a equipe, ou coisa parecida. Outra coisa importante foi passar a comparar iguais com iguais, dividir por competência e por tamanho de unidade. Por exemplo, o juiz da área criminal passa o dia inteiro em audiência e, portanto, tem um número menor de sentenças do que aquele juiz que não faz muitas audiências e analisa muitos processos sobre o mesmo tema, repetitivos. Quem estiver abaixo da média receberá apoio do tribunal e da Corregedoria.
ConJur — De que forma o tribunal ajuda a resolver o problema?
Eliane Garcia — Através do GMSJud, mapeamos os procedimentos de trabalho em todo o estado. Podemos identificar se o problema está na distribuição, na intimação do advogado, na juntada de petições. Por exemplo, se identificarmos que o problema está no arquivamento, vamos chamar todo mundo que está mal, fazer treinamentos e exigir um plano de melhoria, que será acompanhado. A partir daí, o tribunal exige resultados mensalmente. Os resultados aparecem. Em 2010, conseguimos atingir o índice de vazão processual de 117%, número que nunca tínhamos atingido, pelo menos desde 2002. Quer dizer, julgar o mesmo número de processos que entraram mais 17%. Atacamos um pouco do acervo no primeiro grau.
ConJur — Quais foram os principais problemas encontrados?
Vinícius Amaro —
O problema era a falta de gestão profissional. A situação era enfrentada de forma amadora. Como já afirmou o presidente do TJ-RS, desembargador Léo Lima, uma coisa é um juiz na administração e outra é um técnico nesse papel. Por melhor que seja o juiz, sua função não é ser gestor, administrador, são raríssimas as exceções. Com isso, várias pessoas desenvolviam o mesmo trabalho de formas completamente diferentes. Esse foi um dos maiores problemas encontrados, não só na administração geral do tribunal, mas também no foco jurisdicional. Cartórios idênticos com rotinas diversas. O advogado acostumado com a rotina de uma vara do interior chegava em Porto Alegre e não sabia o que fazer. Passamos a monitorar, organizar e padronizar o serviço, com a ajuda de técnicos em cada área específica.
Eliane Garcia — A burocracia também foi um problema que tivemos de enfrentar. Antes, para comprar uma simples lâmpada era preciso vencer inúmeros processos internos, com tempo muito maior para a aquisição. Enxugamos esses processos internos que eram burocráticos e não se sabia o porque. Mas, para isso, tivemos de lidar com a dificuldade que é a mudança de cultura. A nossa instituição é formada por pessoas e, em qualquer organização, quando se quer implementar um sistema diferente, há resistência. Esse é um fator da mudança que demanda tempo e tem que ser trabalhado, sobretudo, pela liderança, pela alta administração. Hoje, é bem mais fácil falarmos em administração, metas, objetivos.
ConJur — Como enfrentar a resistência?
Antônio Vinícius Amaro —
A partir do momento em que mostramos para as pessoas que a nova forma de trabalhar traz agilidade, êxito maior, elas começam a desconfiar que a mudança, de fato, pode ser para melhor. E aí, vai. O incentivo vem pelos bons resultados, pela demonstração da experiência positiva. Com isso, conseguimos adesão.
ConJur — A resistência também vem por parte dos juízes?
Antônio Vinícius Amaro da Silveira —
Com certeza.
Eliane Garcia — Principalmente por parte dos juízes.
Vinícius Amaro — Na área jurisdicional, o juiz tem independência e autonomia, absolutamente necessárias e salutar para a sua atividade. E ele costuma transferir esse cacoete jurisdicional para a gestão administrativa da vara. Há dificuldade para assimilar uma mudança determinada pelo órgão maior. Com certeza, o juiz é um dos principais resistentes ao novo processo. Mas aqui no Rio Grande do Sul, graças a esse processo de demonstração de resultados, de melhorias palpáveis, ele passou a ser um parceiro.
ConJur — Quer dizer, a resistência foi só no início?
Eliane Garcia — Como a nossa carga de trabalho é muito grande, mudanças que,  trazem eficiência, eficácia, produtividade, são bem-vindas. Apesar da resistência inicial, já estamos maduros para receber esse tipo de mudança.
Vinícius Amaro — E, agora, todas as novas ideias são vistas com outros olhos. A expectativa já não é mais de resistência. Por isso, temos a esperança real de que as coisas tendem a se tornar cada vez mais adequadas, mais razoáveis no enfrentamento dos nossos progressos.
ConJur — Quais são os primeiros indicadores para constatar que estavam no caminho certo?
Antônio Vinícius Amaro —
Basicamente, o atingimento de metas propostas.
ConJur — Quais?
Vinícius Amaro —
Por exemplo, o INDG estabeleceu metas de redução de despesas. Além de definir a meta de redução, o instituto mostrava o caminho para atingir o objetivo. Na época, eu estava na Corregedoria e confesso que tinha um pouco de resistência, porque era quase que inacreditável que aquela redução poderia ser atingida. O primeiro trabalho foi de autoconvencimento.
Eliane Garcia — Em seis meses, de 2008 para 2009, a redução de despesas atingiu 6%. Conseguimos reduzir o consumo de água, energia, telefone. Atacamos todas essas frentes. De 2009 para 2010, a redução foi de 2%.
Vinícius Amaro — No primeiro momento o avanço é muito grande, porque é um terreno muito fértil. Há muita gordura para queimar. Antes disso, enfrentamos uma grande dificuldade com o corte das nossas receitas decorrentes dos depósitos judiciais. Tivemos que buscar alternativas, inovar, criar. Imaginamos que com a redução dos custos, poderíamos minorar o impacto da retirada desses rendimentos. O resultado foi uma surpresa, maior do que imaginávamos. Esse ganho nos permitiu voar mais alto.
ConJur — Esses 2% de redução nos gastos são expressivos no momento em que a demanda continua crescendo.
Eliane Garcia — Exatamente. O número de prédios e servidores cresceu. Os índices são melhores ainda no serviço jurisdicional. A alavanca é melhor. A nossa matéria-prima é muito boa. Os nossos servidores e juízes vestem a camisa. Precisávamos sistematizar, organizar as informações para darmos uma alavancada e atingir esses resultados, que, realmente, foram surpreendentes.
Antônio Vinícius Amaro — Com o gerenciamento das despesas, é possível repensar o investimento, a forma de gastar o dinheiro. Para que vamos reduzir a nossa despesa? Para deixar de gastar e sobrar mais dinheiro para o Estado? Não. Somos prestadores de serviços e vamos realocar esses valores.
ConJur — Para onde?
Vinícius Amaro — Capacitação de servidores sobretudo. Uma das diretrizes da atual administração, e pretende-se que se torne uma orientação permanente, é o investimento em capacitação de pessoas. A fórmula para enfrentar o aumento da demanda com redução da capacidade de trabalho é investir nesses poucos heróis para que se capacitem e façam de uma forma mais razoável o seu trabalho. Um dos resultados disso é a redução do retrabalho. Se você treinar e ensinar, não haverá retrabalho e, com isso, se ganha tempo e dinheiro. Chegamos à conclusão de que com um número bem menor de servidores poderemos chegar a um resultado maior que nós tínhamos antes.
ConJur — Pode dar um exemplo de retrabalho?
Vinícius Amaro —
Um exemplo bem banal de retrabalho é quando o ofício é enviado para o endereço errado. Um novo ofício vai precisar ser feito. E o pior disso tudo é o tempo necessário para que isso aconteça. Durante muito tempo, por total falta de condições, inclusive financeira, o Judiciário contratava pessoas, por concurso público, que nunca tinham passado na frente de um fórum e eram simplesmente colocadas diante de uma pilha de processos: “Ali está a sua mesa, ali está o seu computador e os seus processos são aqueles ali”. Por incrível que pareça, essa era uma rotina na nossa cultura. Hoje em dia, quem é aprovado no concurso passa por cursos de qualificação. Criamos o banco de práticas, um cartório escola, oferecemos ensino a distância, cursos de imersão.
Eliane Garcia — Apresentamos o banco de práticas no Seminário Internacional de Gestão que aconteceu em Brasília no final de 2009 e ele foi escolhido dentre mais de 100 trabalhos. Servidores e juízes podem incluir no banco boas práticas de gestão que estarão disponíveis para todo o estado. Pode ser a prática mais simples, cartorária, operacional administrativa, social: “Eu dou palestras nas escolas sobre os direitos dos consumidores”. Quando um juiz acha interessante e decide adotá-la, coloca no sistema: “Adotei”. A Corregedoria fomenta essas práticas inovadoras, escolhe as melhores, certifica e premia a equipe.
ConJur — É uma espécie de um Innovare.
Eliane Garcia —
Vamos imaginar assim: um Innovare gaúcho. E um exemplo de prática que foi adotada pelo CNJ é o cumprimento de processos por dígitos. Antes, havia um servidor para cuidar dos processos criminais, outro para a área cível, e outro para as ações de família. Se um deles saía de férias, licença, ou quebrava o pé, o servidor do cível não sabia cumprir o do crime. Isso não pode acontecer. Então, se estabeleceu um sistema de dígitos. Por exemplo: eu tenho uma equipe de quatro pessoas e defino que um dos servidores vai cumprir os dígitos 0, 1 e 2; outro 3, 4 e 5; outro 6, 7 e 8. O escrivão vai fazer a fiscalização de tudo isso e de outras questões administrativas. Todo mundo faz tudo. É uma prática simples que hoje funciona em mais de 70% dos nossos cartórios.
ConJur — E como funciona o curso de imersão oferecido aos servidores?
Vinícius Amaro — Todos os aprovados no concurso são reunidos no cartório-escola para aprender como funciona um cartório e como será o trabalho. Mas com essa inovação constatamos um problema. O novo servidor, depois de passar pelo curso de imersão, chega ao cartório onde vai trabalhar e percebe que o escrivão e os outros colegas trabalhavam de outro jeito. Rapidamente, ele era contaminado e deixava de fazer como aprendeu no curso. Identificamos, então, a necessidade de treinar todos os servidores. Não só os novos. Por isso, estamos investindo pesado na capacitação. Para 2011, dobramos a previsão de investimentos com esses cursos. Até o final deste ano todos os servidores do Judiciário estadual devem ter passado por cursos de capacitação.
ConJur — São quantos servidores?
Vinícius Amaro — São 8 mil servidores: 6 mil no primeiro grau e 2 mil em segunda instância. Muitos já estão capacitados. Esse exercício de treinar todo mundo evita a repetição do vício.
ConJur — Na capacitação, os servidores já entram em contato com a informatização do processo?
Vinícius Amaro — A informatização dos processos foi eleita a principal meta ser cumprida pela administração do tribunal em 2011. Nós vamos virtualizar boa parte do processo ainda este ano e o todo deverá ocorrer dentro de no máximo três anos. Já temos algumas ações bem traçadas no sentido de efetivar a virtualização. Mas aqui é preciso abrir um parêntese. Estávamos andando bem com a virtualização quando o Conselho Nacional de Justiça centralizou a questão. Para evitar linhas cruzadas, entendemos mais prudente esperar a sinalização do CNJ e frear o nosso projeto. Como o CNJ não conseguiu evoluir e não houve sequer sinalização de qual seria o sistema adotado, o presidente Léo Lima foi até o Conselho e disse: “Não podemos mais esperar. Esse é um processo muito longo, complexo. Cada dia que se perde é muito”. Ele recebeu sinal verde. Voltamos a investir pesado na informática e já temos um planejamento estratégico de virtualização de curto e médio prazo.
ConJur — Em três anos não haverá mais papel aqui?
Vinícius Amaro — Espera-se que sim. Mas, na verdade, não pode se dizer que não tenha mais papel. Vai haver uma convivência ainda durante muito tempo do papel e do eletrônico. Mas vamos dizer assim, o processo estará virtualizado em três anos. Essa é a estimativa. Não é possível afirmar com absoluta convicção. Informática é como marceneiro: você nunca pode contar certo com o prazo que eles te estipularam.
ConJur — A virtualização do processo vai acontecer ao mesmo tempo na primeira e na segunda instâncias?
Vinícius Amaro — Não. O projeto de curto prazo será a virtualização parcial no segundo grau. A ideia é que o Agravo de Instrumento e a Ação Originária, que começam em segunda instância, já se iniciem em formato digital. Até o final de 2011, o traslado de peças do Agravo, como decisões interlocutórias de primeiro grau, será feito ao tribunal de forma eletrônica. Há ainda algumas medidas que serão parte do processo como um todo, mas que estão sendo usadas a partir de agora. A audiência áudiovisual é um exemplo. Será usada no processo eletrônico e já está em prática.
ConJur — Alguns tribunais se mostraram insatisfeitos com algumas diretrizes do CNJ e a relação não foi das mais cordiais, digamos assim. Como tem sido a relação com o TJ-RS?
Vinícius Amaro — Historicamente o CNJ era o inimigo na trincheira. Ninguém queria o CNJ de parceiro, porque estava trazendo para dentro de casa alguém que iria interferir diretamente na sua atividade. Essa era a visão que a magistratura nacional tinha do CNJ. Com isso, cometemos um erro, não só o Rio Grande do Sul, de virar as costas na hora da formação do CNJ. Com ou sem a nossa participação, o Conselho foi criado e deixou praticamente de lado a Justiça Estadual na sua formação. Apenas dois de seus15 integrantes são da Justiça Estadual, que é a que mais produz, a que tem o maior número de processos, a mais ramificada do país. Então, de início, houve essa resistência, mas quando a coisa começou a funcionar e identificamos ideias interessantes, passamos a considerá-lo um parceiro. Passamos a enxergar que nem todos ali tinham um espírito de fiscal, não era esse o propósito. A partir, principalmente, da gestão do desembargador Léo Lima passamos a interagir com o CNJ de forma muito pró-ativa. Tanto é verdade, que grande parte dos projetos hoje encabeçados ou colocados em prática pelo CNJ é fruto das nossas experiências. O maior mérito do CNJ foi quebrar a redoma dos tribunais e permitir a troca de experiências boas e ruins entre eles.
ConJur — Antigamente, o juiz se sentia como uma ilha. Hoje, essa imagem mudou, ele tem que pensar que faz parte de um sistema.
Eliane Garcia —
Isso. É preciso saber que lá no balcão tem um advogado, uma parte, que precisa de um atendimento de qualidade. Caso contrário, vai passar a vida inteira dentro do gabinete, achando que o mundo é aquilo ali. E não é. Nós trabalhamos para o povo que está lá.
Vinícius Amaro — Exatamente. Ilha de juízes isolados, isso acabou. Hoje, o juiz tem que interagir, tem que fazer parte da sociedade, tem que estar junto da sua comunidade, e não acima dela. Aquela postura do juiz acima da sociedade, intocável, inatingível, nos prejudicou muito. Por que o Judiciário é tido como uma caixa preta, no sentido de não se ter acesso a nada, de não se saber o que acontece? Porque nós não falamos, não sabemos vender o nosso produto, não sabemos divulgar o nosso trabalho. O que o Ministério Público, por exemplo, faz muito bem, nós levamos anos para começar a fazer.

Fonte: Consultor Jurídico

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sábado, 19 de março de 2011

TENDÊNCIAS/DEBATES

O CNJ deve ter autonomia em relação aos tribunais para iniciar processos contra juízes?


NÃO

O CNJ não pode ser uma supercorregedoria


HENRIQUE NELSON CALANDRA

Responde-se à questão com três palavras: não, não e não.
A pergunta, de maneira ainda mais direta, deveria ser: a quem interessa criar instrumentos de controle funcional dos juízes, agentes do Estado que conduzem a real revolução social no Brasil?
Certamente não interessa à sociedade e à democracia ver o poder jurisdicional diminuído. Nem foi esse o espírito de nosso legislador constituinte. É preciso destacar que nem de longe se deixa de reconhecer que já houve, há e haverá desvios de alguns magistrados.
Infelizmente isso existe e negar esse fato é desconhecer a natureza humana.
Ressalte-se, com convicção, que causa verdadeiro sentimento de repulsa em qualquer juiz a conivência com desvios, em especial, no Judiciário. Por isso, a magistratura sempre apoiará medidas para extirpar os maus de suas fileiras.
Ainda que se reconheça os nobres propósitos da maioria dos membros do CNJ, em todas suas composições, não é possível aceitar tamanho retrocesso nas prerrogativas que foram criadas justamente para proteger a sociedade.
As corregedorias dos tribunais atuam de maneira inclemente, não admitindo quaisquer máculas na integridade de caráter dos magistrados. Alguém há de indagar: "E se as corregedorias falharem?".
Nesse exato instante surge a competência do CNJ para atuar, e, se necessário, punir qualquer magistrado que se desviou do caminho da Justiça.
Na verdade, o que alguns querem é suprimir uma necessária instância de apuração, que é a realizada pelas corregedorias nos Estados.
Afinal, o resultado dessa investida seria o de ferir mortalmente dois pilares da democracia brasileira: o regime republicano e a correlata separação entre os Poderes, além do próprio modelo federativo, que confere autonomia aos Estados.
A magistratura assiste, atônita, entidades relevantes como o Conselho Federal da OAB defendendo que o CNJ se transforme numa supercorregedoria. Algumas delas não compreendem e até mesmo criticam decisões dos ministros do STF que foram balizadas pela necessidade de observância da lei e da Constituição Federal.
Sob o argumento de punir os raríssimos casos de desvios de juízes, criar-se-ia instrumentos que poderiam ser usados contra a imensa maioria da magistratura, honesta e que cotidianamente decide contra perigosas organizações criminosas, detentoras de grande poder político e econômico.
Nos regimes de exceção é comum que tiranos admoestem juízes para obter decisões favoráveis. Foi preciso muito tempo e luta para estruturarmos o Brasil como uma democracia plena. E o Judiciário foi, senão o maior responsável, um dos mais importantes protagonistas dessa trajetória.
Para ficar em alguns momentos cruciais, basta lembrar da atuação firme e serena do STF, presidido pelo ministro Sidney Sanches, no caso que culminou no impeachment do então presidente da República.
Mais recentemente, a Suprema Corte, com independência e coragem, instaurou processo diante de denúncias de corrupção envolvendo altos escalões da República e declarou a constitucionalidade do próprio CNJ.
A despeito de sua relevância, esse é apenas um pequeno retrato da Justiça, que em sua maioria age longe das manchetes da mídia, com os juízes trabalhando de maneira destemida por todo o Brasil, distribuindo o direito à saúde, à educação e à segurança, entre outros mandamentos constitucionais.
É preciso punir exemplarmente aqueles que se desviam do caminho da Justiça, mas isso deve ser feito como é garantido a todos os cidadãos, respeitando-se as leis, a Constituição e o STF.

HENRIQUE NELSON CALANDRA é desembargador e presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros)
Fonte: Folha de São Paulo 19/03/2011

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O CNJ deve ter autonomia em relação aos tribunais para iniciar processos contra juízes?

SIM


O CNJ e seu poder originário


GILSON DIPP











O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é criação da reforma do Judiciário em resposta a diferentes reclamos de variados setores da sociedade. Assim, foi criado com a participação de juízes e promotores estaduais e federais de todos os graus, advogados e cidadãos indicados pela Câmara e pelo Senado.
Incluído no âmbito do Poder Judiciário como seu órgão de cúpula e sujeito apenas ao controle do Supremo Tribunal Federal, o CNJ recebeu a missão de controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e do cumprimento dos deveres dos juízes.
Para tanto, foram-lhe atribuídos, entre outros, os poderes de zelar pela legalidade e moralidade dos atos administrativos de órgãos da Justiça, podendo revê-los ou desconstituí-los e, principalmente, resolver reclamações contra os mesmos ou avocar processos dos tribunais aplicando sanções administrativas, conforme estabelece a Constituição Federal no art. 103-B, parágrafo 4º, incisos II e III.
Cabe ao corregedor nacional de Justiça, quando for o caso, preparar a instauração do processo administrativo disciplinar.
O sistema constitucional assim emendado reformatou o Poder Judiciário, preservando a autonomia dos órgãos de Justiça locais e conferindo ao CNJ legitimidade ordinária autônoma concorrente para promover, ele próprio, a apuração e a sanção disciplinar.
Com base nessa inteligência, o CNJ foi chamado a apreciar, por exemplo, caso envolvendo um ministro de tribunal superior. São inúmeras as situações de magistrados de tribunais e de primeiro grau que respondem diante do conselho, algumas por provocação de pessoas comuns do povo, certamente confiantes na legitimidade desse controle externo da magistratura.
Audiências públicas promovidas pela Corregedoria Nacional de Justiça em vários Estados permitiram também que juízes e tribunais contribuíssem com sugestões para correção e aprimoramento de serviços.
Tem o CNJ autoridade suficiente para, sem prejuízo da autotutela dos tribunais inferiores, realizar averiguações por sua iniciativa.
Reforçam-na a regra da Constituição que autoriza o CNJ a aplicar a pena de remoção ou aposentadoria por interesse público (art. 93, VIII), as disposições da Lei da Ficha Limpa (lei complementar 135/2010) que mandam o CNJ responsabilizar juízes e tribunais eleitorais por descumprimento de prazos, e a Lei da Mini-Reforma Eleitoral (lei 12.034/ 2009), ao atribuir-lhe o controle do cumprimento dos prazos de registro de candidaturas.
Sustentar entendimento diverso seria contrariar a razão e a função do controle externo. As objeções suscitadas com base na regra da subsidiariedade, de que o CNJ só poderia atuar depois dos órgãos locais, contradiz seu significado lógico e prático. Mesmo assim, o CNJ enviou às corregedorias locais, entre agosto de 2008 e agosto de 2009, 521 reclamações, o que equivale a 90% do total remetido ao conselho.
Algumas ressalvas legais não diminuem as atribuições do conselho e não impedem a avocação de processos quando lhe parecer necessário. O poder de avocação é desdobramento natural do de instaurar originariamente investigações e procedimentos, quando as circunstâncias recomendarem.
Foram diversos os casos em que o envolvimento dos investigados, com processo já instaurado ou não, justificava desde logo a apuração originária. A Suprema Corte, ao se reservar o poder de reavaliar a oportunidade ou necessidade da iniciativa, indiretamente, tem reconhecido a competência originária do conselho, visto que esse juízo situa-se fundamentalmente no âmbito das atribuições administrativas do CNJ.

GILSON DIPP é ministro do Superior Tribunal de Justiça, ministro suplente do Tribunal Superior Eleitoral e ex-corregedor nacional de Justiça.
Fonte: Folha de São Paulo 19/03/2001

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quinta-feira, 3 de março de 2011


Nós, os juízes LUIZ FUX


Cumpre ao juiz combater o farisaísmo, desmascarar a impostura, proteger os que padecem e reclamar a herança dos deserdados pela pátria



Outono de 1982. Sete horas da manhã. Beijo a minha esposa, que fazia a mamadeira da nossa primeira filha, e dirijo-me à praça 15 para pegar a barca com destino a Niterói; minha primeira comarca. Acabara de ser aprovado no concurso da magistratura.
Verão de 2011, dia 3 de março, beijo a minha família, agora integrada pelo meu primeiro neto, e preparo-me para ingressar no recinto do Supremo Tribunal Federal para ocupar a 11ª cadeira, vaga. Fui nomeado para a mais alta corte do país. Um sonho realizado, que me leva às lágrimas enquanto escrevo.
A presente digressão, longe do ufanismo, revela testamento de fé aos juízes de carreira; esses nobres trabalhadores que dedicam suas vidas ao mais alto apostolado a que um homem pode se entregar nesse mundo de Deus: a magistratura.
Os juízes, na tarefa árdua de julgar as agruras da vida humana, suas misérias e aberrações, devem ser olímpicos na postura, na técnica, na independência e na sensibilidade, além da enciclopédica formação cultural que se lhes exige.
São altos e raros os predicados que o povo espera de seus juízes: nobreza de caráter, elevação moral, imparcialidade insuspeita, tudo envolto na mais variada e profunda cultura. Os juízes têm amor à justiça: enfrentam diuturnamente com a espada da deusa Têmis o conflito entre a lei e o justo, tratam os opulentos com altivez e os indigentes com caridade.
Nesse mister, assemelhado às atividades sacras, cumpre ao juiz substituir o falso pelo verdadeiro, combater o farisaísmo, desmascarar a impostura, proteger os que padecem e reclamar a herança dos deserdados pela pátria.
O símbolo da justiça plena, ajustada a esses nobres magistrados brasileiros, é a vinheta com que o editor Paolo Barile homenageou Piero Calamandrei na sua obra "Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado". A vinheta era composta de uma balança com dois pratos, como todo equipamento semelhante. Num deles havia um volumoso código; noutro, uma rosa; ela, a balança, pendia mais para o prato em que se debruçava a flor, numa demonstração inequívoca de que, diante da injustiça da lei, hão de prevalecer a beleza, a caridade e a poesia humanas.
Assim são os juízes do meu país, essa pátria amada, Brasil, que acolheu meus ancestrais exilados da perseguição nazista, esse Brasil que é o ar que respiro, o berço dos meus filhos e do meu neto e, infelizmente, o túmulo de meu querido e saudoso pai, que merecia viver esse meu momento que se aproxima.
Senti-me no dever de transmitir aos juízes de carreira do meu país que é possível alcançar o sonho que nos impele dia a dia a perseguir a nossa estrela guia.
Senhores juízes brasileiros! Lutem incessantemente pelos seus ideais, porque eu, nessas horas que antecedem a minha posse, acredito que a vida é feita de heroísmos.
Agradeço o estímulo espiritual que me emprestaram com a força do pensamento de que agora era a nossa hora: a dos juízes de carreira.
Pronto. Chegou a hora. A Banda dos Fuzileiros Navais acabou de entoar o nosso hino nacional, vou emocionado para o "juramento de fidelidade à Constituição Brasileira", não sem antes deixá-los, nas palavras de Chaplin, uma última mensagem: "É certo que irás encontrar situações tempestuosas novamente, mas haverá de ver sempre o lado bom da chuva que cai, e não a faceta do raio que destrói.
Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo, lutar por quem te rejeita é quase chegar à perfeição.
A juventude precisa de sonhos e se nutrir de lembranças, assim como o leito dos rios precisa da água que rola e o coração necessita de afeto.
Não faças do amanhã o sinônimo de nunca, nem o ontem te seja o mesmo que nunca mais.
Teus passos ficaram.
Olhes para trás, mas vá em frente, pois há muitos que precisam que chegues para poderem seguir-te".


LUIZ FUX toma posse hoje como ministro do Supremo Tribunal Federal.
Fonte: Folha de S. Paulo 03/03/2011

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