domingo, 13 de dezembro de 2009

Diagnóstico do Judiciário

Leslie Sherida Ferraz - Spacca
A fim de dar mais celeridade e agilidade ao julgamento de processos na Justiça, o Congresso instalou uma comissão para reformar o Código de Processo Civil. Quando se pretende uma mudança na lei, é essencial o estudo sobre as reformas que já foram feitas e quais os impactos que elas produziram. Saber a realidade do Judiciário não é só ter uma percepção do que acontece no seu dia a dia, mas ter em mãos dados estatísticos que, de fato, mostrem o funcionamento dos tribunais.
A professora e pesquisadora da FGV Direito Rio, Leslie Shérida Ferraz, tem se dedicado a diagnosticar o Judiciário junto com outros nomes de peso, como Maria Teresa Sadek e Kazuo Watanabe. A pesquisadora já participou de estudos sobre cartórios judiciais, execuções fiscais e tutela coletiva.
Sua mais recente pesquisa analisou o impacto das decisões monocráticas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Leslie constatou que 40% das decisões do tribunal são decididas por um único julgador: o desembargador relator do recurso. E dessas decisões apenas um terço é contestado através de agravo interno, quando a decisão monocrática passa pelo crivo do colegiado. A conclusão da pesquisadora é que as decisões monocráticas ajudaram a diminuir o tempo de julgamento do recurso no Rio.
Na entrevista concedida ao Consultor Jurídico, Leslie Ferraz conta que vários fatores fazem com que a pesquisa empírica no Judiciário feita por juristas ainda seja incipiente. Ela mesma estudou o Direito de forma tradicional em que as pesquisas são mais acadêmicas. Também costuma enfrentar dificuldades e resistências que encontra do outro lado, por parte dos tribunais.
Com a informatização dos tribunais e a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça em coletar dados estatísticos sobre eles, Leslie acredita que a tendência é ter mais pesquisas sobre o Judiciário. “Sou otimista e percebo uma sensibilização cada vez maior.” A pesquisadora cita como exemplo de engajamento a iniciativa do CNJ em premiar pesquisas empíricas sobre o Judiciário e, assim, promover esses estudos.
No caso do Rio de Janeiro, conseguir dados foi simples. “Eu enviei um ofício para o tribunal e ele me deu uma resposta com todos os feitos, uma tabela”, conta. A dificuldade é quando os tribunais não informam esses dados, ou porque não querem e principalmente porque não os têm. “Quando fiz a pesquisa do Juizado, por exemplo, havia audiências que não tinham sido realizadas, porque os autos não foram encontrados pelo cartório.”
Depois de conhecer de perto alguns tribunais, Leslie Ferraz constata que as diferenças têm explicações que vão além da vontade e da competência em gestão dos cartórios. “O Rio tem um sistema de informática elogiável e super sofisticado. Mas, além de gestão e sensibilização, há no Rio algo que não se pode desprezar: a independência financeira do tribunal. Isso tem um impacto direto na qualidade do serviço.”
Encomendadas pela Secretaria de Reforma do Judiciário, as pesquisas sobre os cartórios, tutela coletiva e execução fiscal foram feitas quando Leslie Ferraz trabalhava no Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, presidido pelo professor Watanabe. Planos e temas para serem pesquisados não faltam a Leslie. Ela conta que as reformas legislativas têm sido no sentido de uniformizar os entendimentos dos tribunais. “É o caso da súmula vinculante. Quero fazer uma pesquisa empírica sobre isso.”
Formada pela Faculdade de Direito da USP em 1999, Leslie Ferraz também fez mestrado em Processo Penal e doutorado em Processo Civil pela mesma universidade. Estudou Direito Comparado na Itália e Juizados em Nova York. “Foi um enfoque mais prático e quando comecei a me interessar por pesquisa.” Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde leciona Processo Civil e acesso à Justiça e coordena o Centro de Estudos Jurídicos, da FGV Direito Rio.
Leia a entrevista
ConJur — Sua mais recente pesquisa constatou que as decisões monocráticas fizeram com que o tempo de julgamento diminuísse no TJ do Rio. Como surgiu a ideia de pesquisar esse tema? 
Leslie Ferraz — A ideia surgiu durante uma aula sobre reforma processual. Questionei se a reforma tinha sido racional, já que a decisão monocrática pode ser atacada por agravo interno. Se todas pessoas não se conformassem com a decisão monocrática e quisessem interpor agravo interno, ao invés de economia processual, teríamos mais um degrau na escalada recursal. Sabíamos que a resposta estaria nos dados empíricos. Analisamos a quantidade de decisões monocráticas e colegiadas no período de 2003 a 2008. Queríamos constatar se os desembargadores a utilizavam e, em caso afirmativo, qual era o grau de conformismo das partes em relação à decisão. Se tivéssemos muitos agravos internos, perceberíamos que a reforma foi irracional, pois teríamos dois procedimentos recursais ao invés de um.

ConJur — Mas a conclusão da pesquisa foi de que a lei pegou.
Leslie Ferraz — Sim. Hoje, 40% das decisões do TJ do Rio são monocráticas e, ao olhar o período analisado, percebemos que há uma tendência de crescimento na sua utilização. A segunda questão era sobre a incidência de agravo interno. Constatamos que em apenas 35% dos casos a parte não se conforma com a monocrática e leva a decisão para o colegiado. O curioso foi que essa proporção se manteve em todo o período pesquisado. Ou seja, dois terços das decisões monocráticas não são atacados e, portanto, a última resposta sobre o caso é proferida por um único julgador.
ConJur — E até que ponto isso é bom para as partes?
Leslie Ferraz — Nós queríamos ser objetivos ao analisar a pertinência da reforma. Por isso, fui resgatar o histórico dela para saber o que o legislador queria quando resolveu mudar a lei. A intenção era reduzir a pauta dos órgãos colegiados, que estavam assoberbados com questões repetitivas, e abreviar a duração do processo. Sob essa ótica, a reforma foi completamente positiva, pois os dois objetivos foram atendidos. Hoje, o colegiado decide menos, tem uma carga menor de trabalho e o tempo de julgamento foi abreviado consideravelmente. Outro ponto que nós percebemos, mas que não foi analisado pela pesquisa, tem a ver com a redução de algumas garantias constitucionais, como a sustentação oral pelo advogado. Em um segundo momento, é tempo de refletir o que queremos privilegiar. Não podemos esquecer que o processo tem de ter equilíbrio, celeridade e respeito às garantias processuais. Toda reforma é feita para atacar a morosidade da Justiça. E eu concordo com isso. O problema é o que vamos restringir para conseguirmos a celeridade. O que devemos atacar é o tempo morto, processos que ficam na fila de espera sem gestão.
ConJur — No julgamento do agravo de instrumento, o advogado não pode fazer sustentação oral. Mas no caso da apelação sim. Isso muda quando há agravo interno atacando decisão monocrática?
Leslie Ferraz — No caso da apelação, em que não houve decisão monocrática, é possível a sustentação oral por parte do advogado. Já na decisão monocrática, o desembargador decidiu sozinho no seu gabinete. O advogado já não vai mais ter acesso e levar seus argumentos ao tribunal. Mas se o advogado agrava internamente, como não há agendamento do agravo na pauta, o processo é colocado em mesa pelo desembargador relator. Não há como saber a data em que o agravo será julgado. Com isso, não tem oportunidade de fazer sustentação oral. É uma discrepância. Inclusive há quem defenda que, no caso de agravo interno em apelação, deveria se abrir a oportunidade para sustentação oral, com agendamento para o advogado se programar. A celeridade ficaria mais comprometida. São esses os valores que estão sempre em choque.
ConJur — Um dos dados da pesquisa que surpreendeu foi o fato de o julgamento de uma decisão monocrática, quando atacada por agravo, ser mais rápido do que uma decisão que não foi decidida monocraticamente.
Leslie Ferraz — Exatamente. Essa é outra aferição interessante. O que acontece é que o julgamento puro, ou seja, em que não houve decisão monocrática, precisa ser agendado na pauta do tribunal. A monocrática é julgada no gabinete e o agravo interno não tem essa exigência de entrar na pauta. Não há fila de espera e, curiosamente, apesar de ser um procedimento complexo, acaba sendo julgado mais rapidamente por conta da reforma.
ConJur — E como foi essa mudança legislativa?
Leslie Ferraz — Na redação original do artigo 557, do Código de Processo Civil de 1973, só o agravo podia ser julgado monocraticamente. O poder do relator era muito restrito. Ele podia negar o agravo manifestamente improcedente, ou converter em diligências quando a prova fosse fraca, quando achasse que o recurso ainda não estava pronto para ser julgado. A partir de 1995, ele passou a poder julgar todo tipo de recurso e a negar seguimento, por exemplo, quando recurso fosse manifestamente inadmissível. Ou seja, se antes ele ficava em questões mais preliminares, a partir de 95, pôde julgar o mérito prejudicado ou quando fosse contrário à súmula. E na reforma de 1998, além de negar seguimento e julgar improcedente no mérito, ele também podia — e essa foi uma novidade — dar provimento ao recurso. Ou seja, julgar o mérito positivamente. O que percebemos foi uma evolução gradativa sempre ampliando os poderes do relator do recurso.
ConJur — E existe algum critério para definir quando esse dispositivo pode ser aplicado?
Leslie Ferraz — O artigo 557 traz as hipóteses. Alguns dos critérios de cabimento são muito claros e objetivos, como recurso manifestamente improcedente ou intempestivo, por exemplo. O que alguns advogados reclamam é que o conceito de jurisprudência não é objetivo. Eles dizem que há casos em que não há posição sedimentada, mas o relator, utilizando-se de um único julgado, profere decisão monocrática. Esse é o risco do dispositivo. Quando ele traz um conceito aberto, pode ter o uso desmedido. No Rio de Janeiro, existe um movimento muito recente que pode dar mais objetividade a essa questão. É a criação de enunciados.
ConJur — Como é isso?
Leslie Ferraz — Os desembargadores têm discutido alguns temas e, com base na discussão, aprovado enunciados. O relator que julgar com base no artigo 557 tem um enunciado, um norte não só em relação a sua turma, mas ao tribunal em geral. Há desembargadores, por exemplo, que dizem não concordar com o conteúdo do enunciado, mas como houve uma discussão democrática, poderiam aplicá-lo. Esse mecanismo dá mais segurança jurídica para a população também. O próprio advogado já sabe que terá uma decisão em determinado sentido. Quando fizemos a pesquisa, isso não existia.
ConJur — E deu para constatar qual é o grau de utilização das decisões monocráticas pelos desembargadores?
Leslie Ferraz — Na pesquisa, entrevistamos alguns desembargadores apenas para exemplificar, pois não tivemos tanto rigor metodológico que permitisse fazer nenhuma inferência mais generalizada. Apresentamos um questionário, com uma nota de um a cinco, para saber a frequência em que a monocrática é usada. O que percebemos é uma variedade muito grande. Um desembargador disse que não usa, porque acha que fere o espírito do julgamento colegiado em segundo grau. Ele colocou a nota um. Outro colocou 4,5, dizendo que acredita na decisão monocrática como a única forma de agilizar o funcionamento. Percebemos que o que deu nota maior é o desembargador cujo funcionamento de sua câmara é uma das mais rápidas do tribunal. Começamos a perceber a correlação entre o uso da monocrática e a diminuição do tempo.
ConJur — Em 2008, a desembargadora Leila Mariano, que preside a 2ª Câmara do Tribunal cuja média de tempo de julgamento foi considerada a menor, disse que um dos segredos é só levar para o colegiado o que realmente demanda discussão.
Leslie Ferraz — Eu não posso fazer inferências generalizadas, porque teria de ter entrevistado desembargadores de cada uma das câmaras. Mas fiz estudo de caso na 2ª Câmara. Entrevistei praticamente todos os desembargadores e percebi que eles são muitos simpáticos à aplicação do artigo 557 e o usam com muita frequência. Eles próprios atribuem a diminuição do tempo de julgamento ao uso da monocrática. Percebemos também que são bastante afinados, trabalham em equipe, conversam entre si e dão uma legitimação maior para as monocráticas.
ConJur — As mudanças legislativas não levam em conta a realidade, com números que a demonstrem?
Leslie Ferraz — Não costumo ver isso. O novo CPC, por exemplo, está sendo gestado. Ele tem uma comissão com grandes nomes do mundo jurídico. Embora ainda esteja em uma fase embrionária, eu não vi sinalização de que pesquisas irão nortear o trabalho da comissão. É por isso que nós queremos implantar uma cultura de pesquisa empírica.
ConJur — E qual é a dificuldade em se fazer pesquisa no Judiciário?
Leslie Ferraz — Eu já fiz pesquisas pelo Brasil, em outros tribunais. Todas as etapas são difíceis. Primeiro, o operador do Direito não está acostumado com metodologia empírica. Nós não estudamos Direito dessa forma. Os trabalhos jurídicos são, basicamente, acadêmicos: “o professor A acha isso; o professor B aquilo, portanto eu concluo pelo A ou pelo B”. Já começa com problema cultural da formação do operador do Direito, embora tenha mudado um pouco. Assim como eu, que tive uma formação tradicional, ele não consegue dialogar muito com outras áreas. Por exemplo, tenho de contratar um estatístico porque não sou capaz de calcular as amostras. É muito complicado afinar o diálogo, fazer o estatístico entender o procedimento, e vice-versa.
ConJur — E durante as pesquisas? Os tribunais são abertos a elas?
Leslie Ferraz — Muitos tribunais não têm uma organização informática. Hoje, isso tem mudado. O CNJ tem tentado instituir essa ideia da analise estatística. Em outras pesquisas, eu precisava saber, por exemplo, o universo de dados para montar a amostra e eles não eram capazes de me passar essas informações. Imagino que fosse mais por falha estrutural do que por tentativa de ocultar os dados. Mas isso dificulta o acesso à Justiça para todos. Nós temos muita dificuldade para obtenção de dados. Há uma juíza no Rio que me proibiu de entrar na vara dela. Ela disse que não ia aceitar pesquisa lá. Tem essa resistência. Essa cultura da pesquisa está pouco a pouco se formando no país.
ConJur — Mas e com a pesquisa pronta? Ainda assim há resistências?
Leslie Ferraz — Esse é o terceiro momento. Nós não fazemos pesquisa para agradar o tribunal A ou B, mas para detectar a realidade. Já aconteceu de divulgarmos um diagnóstico não muito feliz e o tribunal se insurgir contra os pesquisadores, inclusive enviando cartas mal educadas. Mas eu sou positiva, vejo que há cada vez mais interesse pela pesquisa. Percebemos que há um anseio por estudos da realidade jurídica com base em pesquisa empírica. Mas falta preparo de todo o sistema. A pesquisa sobre o agravo interno foi a primeira de uma linha maior que se chama efetividade da reforma processual. Queremos analisar as reformas que foram feitas e ver quais os impactos que elas causaram.
ConJur — Quais os outros instrumentos que a senhora acha que dá para explorar?
Leslie Ferraz — Posso falar sobre o que está na nossa agenda. O que nós queremos, depois de produzir dados empíricos, é estimular um corpo docente crítico que seja capaz de analisar essas informações. Não adianta trazer uma enxurrada de dados sem analisá-los. É o que queremos fazer no novo centro de pesquisas que vamos criar. Hoje, temos uma sociedade que se caracteriza por ser de massa e isso reflete diretamente nos tribunais. Eu acredito que o grande tema seja o julgamento de demandas repetitivas. Por que vou julgar mil processos se posso julgar um?
ConJur — Demandas similares acabam gerando decisões totalmente diferentes. Isso não faz do Judiciário uma loteria?
Leslie Ferraz — Um exemplo de demanda que entra em massa no Judiciário é o que se refere ao expurgo da poupança. Todo mundo tem os mesmos direitos. Mas, ao invés de ajuizarem uma ação coletiva, as pessoas entram com ações coletivas e individuais ao mesmo tempo. Recentemente, um ministro disse que as ações individuais seriam suspensas e as coletivas, julgadas primeiro. E o Tribunal de Justiça do Rio, com base no julgado do STJ, também criou um enunciado, dizendo que, para o caso da caderneta de poupança, as ações individuais serão suspensas, e inclusive se dará preferência ao julgamento coletivo. Isso também foi feito no Rio Grande do Sul. Nós percebemos um certo movimento de organização de gestão desse contencioso. Os escritórios de advocacia já fazem gestão estratégica. O Judiciário também precisa fazer. Há um tratamento inadequado da demanda.
ConJur — Em que sentido?
Leslie Ferraz — Um exemplo é o que aconteceu durante o caos aéreo. Era uma questão visivelmente coletiva. Todo mundo teve problema com atraso e prejuízo decorrente disso. Existe uma agência reguladora, que poderia ter agido, aplicando multas ou negando a concessão de licenças. Nós resolveríamos o problema administrativamente, sem ter que ir para Justiça. Mas é claro que o problema foi parar no Judiciário. Diante disso, a melhor forma de resolver a questão na Justiça era ajuizar uma ação coletiva que atendesse a todos. Entretanto, a política pública adotada foi criar um Juizado Especial no aeroporto. Ou seja, uma demanda tipicamente coletiva foi fragmentada. Há vários autores que dizem que, apesar do Juizado Especial ser uma excelente fonte de acesso à Justiça, para problemas coletivos ele é a pior política pública a ser adotada.
ConJur — Por que?
Leslie Ferraz — Porque ele tira o peso político e a força da demanda. Se houvesse uma ação coletiva que punisse severamente os responsáveis pelo caos, todo mundo que foi lesado seria beneficiado. Vamos supor que de mil pessoas lesadas, apenas cem tenham ido reclamar no Juizado. O resto ficou sem qualquer tipo de reparação. E as reclamações que existiram não pesaram tanto para a companhia aérea, porque ela fez acordos ou as indenizações foram pulverizadas.
Conjur — Há quem diga a maior clientela do Juizado não é a classe pobre e sim a classe média.
Leslie Ferraz — Nós temos muita diversidade social no Brasil e elas são reproduzidas no Judiciário. Costumo dizer que temos acesso à Justiça latente: Existem pessoas que não conseguem identificar seus direitos em uma lesão que tenha sofrido. Ela não tem consciência de que foi lesada e, portanto, nem vai pensar em ir para a Justiça. Também há o conceito desenvolvido pelo professor Kazuo Watanabe que é o da litigiosidade contida. A parte sabe que foi lesada, mas quando faz a relação “custo-benefício” conclui que não vale a pena entrar com a ação. Ela pensa que terá de contratar um advogado, pagar honorários e ainda esperar para receber determinada quantia. Os Juizados Especiais foram criados para tornar essa equação mais benéfica. Outra coisa que existe é a litigiosidade estimulada.
Conjur — Como assim?
Leslie Ferraz — A professora Tereza Sadek fala disso. Há um paradoxo. Tem demanda demais e demanda de menos. Poucos litigam muito, muitos litigam pouco e muitos nem sequer entram no sistema de Justiça. A desigualdade social é reproduzida na Justiça. Muitos usam e se beneficiam da máquina, e inclusive da lentidão do Judiciário. Quando falamos sobre morosidade, é comum atribuir o ônus totalmente aos tribunais. Mas nós nos esquecemos que em uma demanda, provavelmente, uma das partes quer que aquele processo demore. A parte devedora quer protelar o pagamento. Inclusive, grandes empresas fazem disso um cálculo. Se a dívida é de mil reais, a ação vai demorar 10 anos para ser julgada, é possível captar juros de 5% no mercado, por exemplo, e pagar os juros legais que são muito abaixo, a empresa faz um cálculo estratégico e consegue, inclusive, fazer dinheiro em cima do Judiciário. Perversamente, o Judiciário acaba sendo um parceiro para essa empresa, que acaba se utilizando da lentidão para ter benefícios.
Conjur — E como resolver isso?
Leslie Ferraz — Seria com a aplicação de multa. E essa questão tem conexão com a pesquisa sobre decisões monocráticas, porque nós queríamos ver se há correlação entre aplicação de multa e a interposição do recurso. Mas nós não conseguimos esses dados. De qualquer maneira, entrevistando os desembargadores, percebi uma diversidade muito grande. Alguns disseram nunca aplicar multa, pois é um direito da parte recorrer. Outros disseram que aplicam com parcimônia, em casos em que há um “cliente” habitual, uma empresa que está sempre sendo processada. E outros poucos disseram que aplicam muita multa, pois acham que é a única forma de frear a cultura de protelar ao máximo. Esse é um tema que vale analisar.
ConJur — O tribunal passou a divulgar esses dados sobre as multas por sugestão da pesquisa, certo?
Leslie Ferraz Sim. Eles têm um formulário onde alimentam com informações das decisões. Não havia um campo para multa. Agora, eles incluíram. Com base nisso, vou poder analisar os casos em que houve aplicação de multa e qual foi a estratégia naquele recurso. Elaborei a hipótese de que a aplicação de multa tem influência no resfriamento do recurso. Com os dados é que poderemos ver se isso será confirmado.
Conjur — Dá para dizer que quem tem uma defesa bem preparada tem mais chance de reverter a decisão monocrática do que quem não tem?
Leslie Ferraz — Essa é uma excelente questão. Infelizmente, os dados não foram capazes de apontar essa resposta. E eu só quero respostas fundadas em dados empíricos. Nós teríamos que ter feito uma pesquisa analisando o processo, porque o sistema não é capaz de informar esses detalhes. Vimos que a quantidade de agravos internos é de 35%. O ideal seria conseguir traçar o perfil dos que recorrem. O que dá para falar é o que advogados disseram quando entrevistados na pesquisa. Eu perguntei aos grandes escritórios com que frequência se utilizavam do agravo interno. A resposta foi 100%. Certamente um grande escritório que tem a capacidade de chegar em Brasília vai usar do agravo interno, mesmo sabendo que vai perder. Ele precisa desse degrau.
Conjur — Por que?
Leslie Ferraz — Essa é outra discussão importantíssima. A decisão monocrática não autoriza a apresentação de recursos aos tribunais superiores. É preciso ter uma decisão colegiada. O agravo interno da decisão monocrática vai, a longo prazo, ter um reflexo na diminuição do trabalho das instâncias superiores. Os dois terços de decisões monocráticas que não foram atacados não vão chegar ao STJ ou STF.
Conjur — A senhora também fez pesquisas sobre execuções fiscais. No Rio de Janeiro, apesar de o tribunal ser considerado rápido, a execução fiscal continua sendo um entrave.
Leslie Ferraz — Exatamente. Essa pesquisa sobre execuções também foi feita no Centro de Estudos Jurídicos, quando eu era coordenadora. E foi interessante, porque era multidisciplinar, com economistas, juristas e cientistas políticos. Nós queríamos analisar a relação custo-benefício da execução fiscal. Eu não tinha ideia e fiquei surpresa quando percebi que, no Rio e em São Paulo, metade dos processos em tramitação na Justiça estadual era de execuções fiscais. Isso significa que metade de toda estrutura do Tribunal, no mínimo, está comprometida com a cobrança de dívidas do governo. Quando começamos a atribuir toda responsabilidade para o Judiciário, temos que pensar quem é que está demandando. O maior litigante é o estado. Essa foi a primeira constatação que chocou bastante a nossa equipe. Nós também tentamos quantificar quanto tempo demorava para o Judiciário concluir um caso no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. E a primeira constatação ruim foi de que não era possível quantificar. Eles não foram capazes de nos fornecer esses dados. Ou seja, o tribunal não consegue nem avaliar qual é o impacto disso. Na esfera federal, nós enviamos questionários para alguns procuradores federais e tivemos poucas respostas.
Conjur — E o que eles disseram?
Leslie Ferraz — Não dá para generalizar. Mas foi curioso. Os procuradores mais novos disseram que nunca tinham visto uma execução terminar, tamanho era o tempo de duração. A PGFN [Procuradoria Geral da Fazenda Nacional] estimou em 16 anos: quatro na esfera administrativa e 12 na fase judicial. Foram duas constatações em relação ao tempo: não tinham essa quantificação e, quando tinham, era de um tempo bastante longo. O Rio Grande do Sul foi capaz de quantificar e a média foi um pouco menos de cinco anos para cada execução. Mas ainda assim é muito.
Conjur — E do ponto de vista do custo-benefício, vale a pena cobrar essas dívidas que demoram anos para serem processadas?
Leslie Ferraz — Isso foi uma questão apresentada pelos economistas. E tivemos outra surpresa. De todo valor da dívida ativa ajuizada apenas 1% é recuperado. É assustador. Só que, apesar disso, quando analisaram o quanto custava cobrar e o quanto se recuperava em valores absolutos, ainda assim se superava. O que se recebe é maior do que o que se gasta para cobrar.
Conjur — Poderia ser muito mais.
Leslie Ferraz — Sim. O que os procuradores disseram em sua defesa é que o tamanho da dívida ativa é super estimado. Quando perguntamos qual era o valor real, eles não souberam responder. O valor da dívida ativa é calculado com base na petição inicial, ou seja, o valor que o procurador acha que o contribuinte deve. Mas o contribuinte pode contestar ou provar que já pagou. Fica um pouco inviabilizado calcular. O que a pesquisa identificou foi um nível de efetividade baixo e muito tempo e comprometimento do tribunal com esse tipo de ação. Têm alguns fatores que justificam. Por exemplo, a prescrição da dívida ativa só ocorre com o despacho do juiz recebendo a inicial. Os juízes narraram que em 30 de dezembro costumam chegar caminhões de petições iniciais de execução fiscal para evitar a prescrição. O Judiciário acaba sendo, literalmente, um depósito da dívida podre, porque nós sabemos que muitos dos créditos são inviáveis. Uma das sugestões da pesquisa foi de que a inscrição na dívida ativa já caracterizasse a interrupção da prescrição. Os juízes, com quem conversamos, perguntavam os motivos pelo qual a procuradoria, já na petição inicial, não elencava os bens da parte devedora. Eles disseram que o Judiciário se transformou em um balcão de cobrança da Procuradoria.
Conjur — E qual a posição dos procuradores?
Leslie Ferraz — Eles pedem poderes para quebra de sigilo. Também foi interessante porque fizemos uma mesa de debates com representante de todos, já que cada um atribuía o problema para outra esfera. Os procuradores também disseram não ter nenhuma possibilidade de discricionariedade para ajuizar o crédito. Ainda que eles saibam que não vão receber, eles têm de entrar com a ação. Esse arranjo, o modo como as coisas são feitas, acaba trazendo esse quadro desolador que nós temos.
Conjur — E em relação à pesquisa nos cartórios judiciais. A Justiça Federal, e a Estadual do Rio, por exemplo, está não só se informatizando como virtualizando os processos.
Leslie Ferraz — A pesquisa do cartório também contou com uma equipe multidisciplinar. A pergunta que foi colocada era se gestão do cartório tinha alguma influência no quadro que se convencionou chamar de morosidade da Justiça. Nós não queríamos saber quantidade de cartórios ou funcionários, porque sabíamos que a realidade era muito mais complexa. Usamos a metodologia de estudo de caso. Estudamos quatro cartórios, dois da capital e dois do interior de São Paulo. Fizemos um estudo tridimensional: jurídico, antropológico e administrativo. Dos antropólogos, o resultado foi riquíssimo, pois eles perceberam as relações de poder que se davam no cartório. Eles ficaram seis meses vivenciando a rotina desses cartórios. Na época, teve um jogo da Copa do Mundo e os pesquisadores viram quem era que fazia o bolão, quem podia ver o jogo, quem era convidado, uma dinâmica de relações. O que eles perceberam é que os funcionários se sentem totalmente invisíveis e desconsiderados. Eles acham que o tribunal é uma entidade distante que não tem aproximação com eles.
ConJur — O próprio servidor acha isso?
Leslie Ferraz — Sim. A reforma legislativa não considera o cartório; os servidores não têm planos de carreira e treinamentos. Em muitos funcionários, de fato, percebemos uma certa acomodação. Mas a pesquisa mudou a minha visão, porque muitos disseram que queriam ter perspectiva e não tinham. Em alguns casos, havia envolvimento do servidor com o cartório e com a gestão e, em outros, isso era deixado para o chefe do cartório. Foi algo até curioso, pois perguntamos qual era o defeito de um juiz: incompetência ou “juizite”. “Juizite” aparecia espontaneamente. Eles preferem um juiz mais sensível, que se relacione melhor, um ambiente de trabalho mais positivo a um juiz competente. Deu para perceber como a questão do relacionamento é forte. Como eu advoguei em São Paulo, quantas vezes cheguei no cartório, disse “boa tarde” e ninguém me respondeu? Achava que fosse má-fé. Na visão dos funcionários, o ambiente de trabalho é muito negativo.
ConJur — E em relação à gestão? Isso é desafiador para o Judiciário.
Leslie Ferraz — Do âmbito de gestão foi enlouquecedor. Os administradores tinham trabalhado em empresas e a missão era fazer o fluxograma de um processo. Acharam que seria possível fazer todo fluxo do processo em uma página. Eu me lembro de eles chegarem nas reuniões e colarem folhas de sulfite no chão. Ficaram enlouquecidos, porque não havia racionalidade nenhuma. Eles disseram, por exemplo, que no fluxo precisava ter os responsáveis por poderes decisórios. Isso não existia no cartório. Quem fica no balcão? Quem cuida de um processo? É por final da numeração? É par ou ímpar? Não tem critério para isso. Cada cartório tem uma dinâmica, tem um funcionamento e isso é o caos. Em um dia, o juiz parava tudo e chamava os servidores para fazer mutirão de juntada de petição. Não existe o mínimo de gestão. Ficou comprovado que é completamente irracional. Os administradores não se conformavam, porque o fluxo ia e voltava; não existia um fluxo seguido.
ConJur — E do ponto de vista jurídico?
Leslie Ferraz — A equipe de juristas constatou que o processo passa 90% do tempo no cartório. Apesar disso, o cartório é completamente ignorado nas reformas processuais. O tempo para as partes, para conclusão do juiz ou publicação da decisão é pequeno. Inclusive o tempo que mais demora é o da publicação. Curioso como as pesquisas acabam dando outras informações. Nós descobrimos que a publicação demora, porque é uma forma dos funcionários do cartório gerirem o seu tempo. O funcionário percebeu que se lançar 100 publicações em um dia, no seguinte, são 100 pessoas que estarão no balcão. Ele mesmo controla esse fluxo e, nesse sentido, há até mais gestão do que imaginávamos. Só que isso traz uma demora posterior.
ConJur — E quanto à cultura do papel?
Leslie Ferraz — Quando se fala em informatização, a primeira coisa que vem à mente é de que o problema será resolvido. Na pesquisa, os funcionários disseram que o sistema de informatização foi imposto a eles, sem que ninguém os ouvisse. Eles tiveram de aprender a operar um sistema que não tinha nada a ver com a realidade deles. A informatização não pode ignorar o operador e, ao menos nesse caso que estudamos, ela o ignorou. E a outra questão é a da cultura do papel. Nós vimos um caso em que a cartorária registrava os dados do processo naquelas fichinhas antigas de cartolina e depois os incluía no computador. Por último, registrava em sua própria agenda para ter o controle desse fluxo. Para os administradores, isso também era totalmente irracional. Se o grande foco da informatização é facilitar o trabalho, no caso da cartorária, o serviço era triplicado. E, por parte dos advogados, há o que nós chamamos de cultura do balcão. Eles não confiam na informatização. Nós não precisávamos de 100 pessoas esperando no balcão no dia seguinte à publicação de 100 despachos. Mas eles querem ir para o cartório e ver o processo, porque não confiam no sistema de informática do tribunal. É uma cultura toda calcada no papel e no balcão que terá de ser quebrada.
ConJur — Por que os advogados não confiam no sistema?
Leslie Ferraz — Eles alegam que nem sempre o sistema está atualizado. Dizem que vão muito ao balcão porque o tribunal não fornece informação suficiente. Novamente é um atribuindo a culpa ao outro.

Fonte: ConJur

sábado, 12 de dezembro de 2009

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Procuradores culpam o Judiciário pela 'impunidade'

Lula Marques/Folha


“Temos a Suprema Corte mais leniente e complacente do mundo com a bandidagem”. A crítica ao STF foi feita pela procuradora Regional da República Janice Ascari, de São Paulo.

Deu-se num seminário promovido pela CGU (Controladoria Geral da União), na USP. Janice ganhou notoriedade nacional pela atuação em processos contra a corrupção.

É signatária, por exemplo, da ação que resultou na condenação do juiz Nicolau dos Santso, o Lalau.

Noutro evento, realizado em Brasília, Janice foi ecoada por Wagner Gonçalves, vice-procurador-geral da República.

Para Wagner, há no Brasil um tipo de “réu intocável” –pessoas que praticam a "corrupção e o tráfico de influência".

Gente que, no dizer de Wagner, é “praticamente inatingível”. O procurador realçou um fato que permeia o imaginário do brasileiro.

Disse que o sistema carcerário do país está “abarrotado”. Mas não há nas cadeias “praticamente ninguém condenado pelo crime de colarinho branco”.

Jancie e Wagner apontam uma causa comum para o fenômeno da impunidade: a maleabilidade do sistema processual brasileiro.

Afirmam que os criminosos endinheirados, com bolso para bancar advogados, têm acesso a uma infinidade de recursos. Algo que termina por inviabilizar a condenação.

Ouça-se Janice: "O cidadão tem direito à ampla defesa, mas isso não pode significar abuso do direito de defesa como vemos com frequência".

Ela acrescenta: "A defesa é ampla, mas não infinita". Wagner enverniza o raciocínio da colega: “O excesso de recursos e o foro privilegiado causam sensação de impunidade”.

O seminário em que falou Janice ocorreu na quarta (9). Foi noticiado em texto veiculado na web nesta quinta (10).

O evento em que sou a voz de Wagner Gonçalves ocorreu nesta quinta (10). Foi noticiado no sítio da Procuradoria Geral da República.

Separados por um intervalo de 48 horas, os dois seminários debateram um tema único: o combate à corrupção. 
No de Brasília, estiveram presentes os mandachuvas de três dos mais importantes órgãos de controle do país.

Deram as caras: o procurador-geral da República, Roberto Gurgel; o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar; e o ministro da CGU, Jorge Hage.

A trinca realçou a necessidade de os órgãos reforçaram a ação conjunta contra a corrupção. Gurgel anunciou que o Ministério Público prepara um protocolo para apresentar às demais instâncias.

Visa reforçar a cooperação e traçar uma estratégia conjunta de combate às malfeitorias. Inclui propostas de mudanças legais, que dependem do Congresso.

“É uma luta comum do Estado brasileiro, que só será vencida se essa união entre as nossas instituições for permanente, praticada a cada dia”, disse Gurgel.

O ministro Jorge Hage tentou contemporizar a ausência de condenações judiciais aos corruptos. Disse que não adiante ficar se lamentando.

Melhor, segundo ele, tonificar o esforço para impor aos ciminosos sanções administrativas. Pelas contas de Hage, cresceu o número de demissões por improbidade –2.350 agentes públicos federais foram ao meio-fio desde 2003.

Realçou a necessidade de impor sanções também aos corruptores. Daí a criação de um cadastro nacional com a lista de empresas punidas, que ficam proibidas de celebrar contratos com o Estado.

No encontro da véspera, a procuradora Janice Ascari dissera que o “criminoso que desvia verba pública é mais perigoso que criminoso comum”.

Por quê? “Ele está retirando da sociedade uma massa de dinheiro de toda uma comunidade”. Daí a sua aversão à leniência do Judiciário.

O subprocurador-geral Wagner Gonçalves discorreu sobre a interface eleitoral da corrupção. Didático, explicou como se processa a perversão:

Antes das eleições o empresário procura um candidato que sabe não ser honesto. Propõe financiar-lhe a campanha. O dinheiro borrifado nas arcas do candidato “não sai de graça”, disse Wagner.

Terminada a campanha, o empresário-financiador “vai buscar aquilo que gastou” nos contratos que celebra com a administração pública.

Com isso, desviam-se recursos que se destinariam à sociedade. “Por isso falta hospital, médico, escola”, disse Wagner.

O par de seminários não tem o condão de eliminar a impunidade, fenômeno que infelicita o Brasil desde Cabral. Mas têm o mérito de iluminar o problema.

Nesse debate, o Judiciário não fica em posição confortável. Longe disso.

Fonte: Blog do Josias de Souza

"Impunidade encontra aliado no judiciário" afirma Procuradora da República

10/12/2009
Para Janice Ascari gama de recursos, foro privilegiado e morosidade impedem a penalização efetiva de crimes envolvendo verba pública

A procuradora regional da República Janice Agostinho Barreto Ascari criticou a estrutura do judiciário brasileiro, que possibilita “uma infinidade de recursos” e impede a condenação definitiva de réus em processos que envolvam casos de corrupção. “Criminoso que desvia verba pública é mais perigoso que criminoso comum”, disse a procuradora em evento promovido pela Controladoria Geral da União (CGU) na USP-Leste pelo Dia Internacional de Combate à Corrupção, ocorrido na tarde de ontem na capital paulista. “Ele está retirando da sociedade uma massa de dinheiro de toda uma comunidade”, complementou, explicando que dificilmente esse dinheiro é recuperado ou os corruptos e corruptores penalizados. Destacou a atuação dos Ministérios Públicos Federal e Estadual na área criminal, na tutela coletiva e em matéria eleitoral.
A procuradora também comentou sua atuação como membro do Ministério Público Federal em escândalos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos, como o desvio de verbas do Tribunal Regional do Trabalho, envolvendo o juiz federal  Nicolau dos Santos Neto e a Operação Anaconda.
Janice Ascari ressaltou que “o combate à corrupção é uma preocupação muito forte do Ministério Público”, mas que infelizmente, “tudo parece caminhar para dificultar os controles e a fiscalização”. Ela teceu críticas à anuência do judiciário brasileiro com determinadas práticas criminosas, em especial a do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmando que “temos a Suprema Corte mais leniente e complacente do mundo com a bandidagem”.
A grande quantidade de recursos cabíveis ao acusado também foi alvo de críticas da procuradora, que enfatizou que "o cidadão tem direito à ampla defesa, mas essa não pode significar abuso do direito de defesa como vemos com frequência". Ela concluiu que "a defesa é ampla, mas não infinita".
Janice também declarou que costuma ser muito mais exigente no caso de membros da administração pública envolvidas em escândalos de corrupção. "Como membro do MPF, cidadã e mãe, não admito que alguém seja pago com dinheiro público para ser desonesto", declarou. Janice Ascari também acredita que o aumento de casos que surgem nos noticiários se deve a uma maior transparência e elogiou a Internet. “A Internet dá uma divulgação imediata das coisas, e muitos jornalistas têm saído das mídias tradicionais e feito blogs”. Dessa forma, ela acredita que aspectos da administração pública se tornam mais transparentes e são mais divulgados. Mencionou que alguns membros e muitas unidades do MPF estão no Twitter, incluindo a PRR/3ª Região, que também disponibiliza na internet o acompanhamento processual e a íntegra das manifestações processuais dos procuradores.
A procuradora finalizou sua participação ao afirmar que o Ministério Público tem feito sua parte com a abertura de processos, a abertura de investigação e oferecendo denúncias. "O complicador é o grande número de recursos, além da interpretação leniente que os tribunais dão às leis penais", concluiu.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria Regional da República da 3ª Região
Fones: (11) 2192 8620/8766 e (11) 9167 3346
ascom@prr3.mpf.gov.br

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Câmara aprova férias coletivas no Judiciário

A comissão especial da Câmara dos Deputados criada para analisar a possibilidade de restabelecimento de férias coletivas no Judiciário aprovou, na quarta-feira (9/12), o substitutivo do relator, deputado Paes Landim (PTB-PI), à Proposta de Emenda à Constituição 3/07. A votação foi consensual. De acordo com o texto aprovado, a Constituição passa a assegurar aos magistrados o direito a férias coletivas nas varas e em todos os tribunais (de segundo grau e superiores).
A única ressalva é que, nos dias em que não houver expediente forense normal, inclusive durante o recesso coletivo, haja obrigatoriamente juízes, desembargadores e ministros em regime de plantão. A PEC agora deverá ser votada pelo Plenário em dois turnos.
O texto original, do deputado José Santana de Vasconcellos (PR-MG), previa o benefício das férias coletivas e a obrigatoriedade do plantão apenas varas e nos tribunais de segundo instância. A nova redação não faz distinção entre os tribunais. "A PEC engloba todos", frisou Landim.
Embaraços
Segundo Paes Landim, a proibição de férias coletivas para o Judiciário (implementada pela Emenda Constitucional 45/04) não cumpriu a função de dar maior agilidade à tramitação dos processos. “Ao contrário, criou embaraços ao funcionamento do sistema judiciário, prejudicando magistrados, advogados e jurisdicionados”, disse.
O deputado lembrou que o fim do recesso coletivo permitiu que os magistrados se ausentassem ao longo do ano, o que afetou julgamentos nos tribunais. “As turmas e câmaras de julgamento passaram a lidar com desfalques permanentes, funcionando precariamente com a convocação de juízes de primeiro grau. Isso tem provocado julgamentos dissonantes da composição efetiva e comprometido a estabilidade da jurisprudência dos tribunais”, afirmou.
Landim ressaltou também que o problema é ainda mais grave na jurisdição de primeiro grau, porque, de acordo com ele, a ausência do juiz titular, além de não permitir o andamento normal dos processos na vara onde atua, sobrecarrega outros juízes, que são chamados para julgar matérias consideradas urgentes. “Como se não bastasse, essas convocações emergenciais têm exigido o pagamento de diferenças de subsídios e de diárias e passagens aos juízes convocados”, completou. Com informações da Agência Câmara.
Leia a íntegra da proposta.
Fonte: Conjur

"Judiciário não pode capturar prerrogativas do Executivo”



ENTREVISTA - TARSO GENRO
“Judiciário não pode capturar prerrogativas do Executivo”
Em entrevista à Carta Maior, o ministro da Justiça, Tarso Genro, fala sobre o caso Battisti e suas repercussões políticas. Para ele, esse debate vai além de questões técnicas sobre a extradição, envolvendo visões diferentes sobre a democracia, o Estado de Direito e a Soberania. Tarso Genro critica a tentativa de alguns juízes do STF de avançar sobre prerrogativas do Executivo e estranha o silêncio na mídia sobre os precedentes existentes no Supremo, que apóiam a decisão contrária à extradição, e também sobre outras concessões de refúgio feitas pelo Ministério da Justiça, como as dadas a dezenas de bolivianos, ligados à oposição de direita, que realizaram ações armadas contra o governo Evo Morales.
O debate envolvendo a situação do italiano Cesare Battisti vai além de questões técnicas envolvendo o instrumento de extradição. Na polêmica gerada pelo caso, os argumentos tratam de questões relacionadas ao atual estágio da democracia brasileira e ao Estado de Direito. Na avaliação do ministro da Justiça, Tarso Genro, esse debate é marcado por duas visões diferentes a respeito da democracia, do Estado de Direito, da Soberania e da própria crise pela qual os atuais modelos democráticos estão passando.

Em entrevista à Carta Maior, Tarso Genro fala sobre o caso e critica a tentativa de alguns juízes do Supremo Tribunal Federal de capturar a função política e a legitimidade do Poder Executivo para exercer suas prerrogativas. Além disso, analisa a qualidade do debate público sobre o tema. O ministro estranha o silêncio da maioria da mídia brasileira sobre os precedentes existentes no Supremo, que apóiam a decisão contrária à extradição, e também sobre outras concessões de refúgio feitas pelo Ministério da Justiça. E exemplifica:

“Concedemos, pelo CONARE, refúgio a dezenas de bolivianos, ligados à oposição de direita na região de Pando e de Santa Cruz, que realizaram ações armadas ilegítimas e ilegais contra o governo de Evo Morales. Após essas ações, eles ingressaram no território brasileiro. Teoricamente, eram guerrilheiros de direita. Receberam refúgio do governo brasileiro. Ninguém, mas absolutamente ninguém, da grande imprensa fez qualquer comentário sobre isso, pois este fato demonstra não só a nossa postura acolhedora em relação a pessoas que cometem delitos políticos dentro da democracia – como ocorreu na Bolívia -, como também a isenção com que o Ministério da Justiça trata esses assuntos”.

Carta Maior: Qual sua avaliação sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso Battisti?

Tarso Genro: Dentro da tradição específica do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria houve duas mudanças fundamentais. A primeira delas foi a avocação, pelo Supremo, sob o pretexto de examinar um ato administrativo do Poder Executivo, de um juízo político que, em se tratando de questões de refúgio, é prerrogativa do Executivo, no caso, através do CONARE, com recurso ao Ministro da Justiça. Ao avocar esse juízo político, por uma maioria de 5 a 4, o Supremo Tribunal Federal produziu uma violação clara e frontal de um dispositivo legal. Esse dispositivo é aquele que afirma que, uma vez deferido o refúgio, interrompe-se o processo de extradição. Para dar continuidade e lógica a essa primeira decisão, teria que decidir que o presidente da República perderia os poderes contidos na Constituição de representar e decidir os destinos do país no que se refere à política externa, capturando assim, definitivamente, aquilo que é um juízo político do Executivo.

Neste momento, é que o ministro Ayres Brito, com seu voto, fez o Supremo retornar ao leito da Constituição. Trata-se, na verdade, de um episódio marcante na história do direito e da democracia no país e o Ministro Ayres Brito, mais aqueles que já tinham votado com a sua posição passarão à história como exemplo de sensatez e respeitabilidade cívica. O que o STF faria com a decisão defendida dignamente pelos demais seria exercer, a partir dela, uma tutela jurídico-burocrática sobre a política do Executivo. Isso transferiria para o Poder Judiciário a legitimidade originária das urnas, que é outorgada ao presidente, para o Poder Judiciário. Isso seria muito grave, uma espécie de subsunção, por meios “suaves”, que capturaria a legitimação dada pelas urnas ao chefe de Estado, que é o presidente da República, para definir inclusive a nossa política externa.

Carta Maior: Um dos grandes debates que vem sendo travado neste caso gira em torno da caracterização dos crimes imputados a Battisti – se seriam de natureza política ou comum. Todo o debate travado na e pela mídia já tem, desde o início, uma conotação fortemente política. Essa politização do caso, expressa em notícias, artigos, declarações e editoriais, não reforça a caracterização do mesmo como um problema político e não uma questão envolvendo um crime comum? Uma segunda pergunta, derivada desta primeira, é sobre o comportamento da mídia brasileira no episódio. Qual sua opinião sobre essa atuação?

Tarso Genro: A posição majoritária da mídia teve três momentos. O primeiro foi marcado por um esforço gigantesco para descaracterizar a qualidade jurídica do meu despacho, dizendo que se tratava de uma pessoa que não era um jurista e que, portanto, não poderia ter interpretado corretamente a situação criada com o pedido de refúgio do sr. Battisti. Trata-se de uma posição bastante conhecida nos meios acadêmicos do país: juristas são aqueles que relativizam a Constituição para atender os interesses do “mercado” e não aqueles que defendem a Constituição a partir da predominância dos direitos fundamentais.

O segundo movimento foi tentar criar aquilo que se chama, do ponto de vista da filosofia heidegeriana, uma pré-compreensão. Uma pré-compreensão na sociedade para influir sobre o Supremo Tribunal Federal, dizendo, em primeiro lugar, que estava provado que Battisti matou; em segundo, que sempre foi e é um assassino e, em terceiro lugar, é um assassino terrorista e, conseqüentemente, não participou de uma ação política e sim de um ou dois assassinatos comuns. Eu sempre digo para as pessoas que me cercam que se eu fosse uma pessoa que não conhecesse o processo e considerasse apenas as informações veiculadas por setores da grande imprensa, também votaria pela extradição do sr. Battisti, pois elas estão orientadas apenas por um juízo sobre o tema.

O terceiro grande movimento foi tentar incidir diretamente sobre a posição do STF, estimulando a retirada do juízo político da esfera da presidência, e capturando, pelo Supremo, inclusive decisões sobre a política externa do país. Uma decisão como esta abriria um precedente que extinguiria todos os limites para essa captura de juízos políticos próprios do Executivo pelo Supremo.

Esta seqüência de posições tem um caráter nitidamente ideológico e acabou desmascarada, na minha opinião, por dois fatos fundamentais. Primeiro, porque pelo menos uma parte da cidadania ficou sabendo que havia dezenas de precedentes que confortavam a minha decisão e não a posição que alguns juízes do Supremo estavam tentando tomar. O segundo fato ficou expresso no próprio voto do ministro Gilmar Mendes. Ele teve a honestidade intelectual suficiente para dizer que os objetivos que a organização de Battisti perseguia eram objetivos políticos, mas que o delito cometido na busca desses objetivos era um delito comum. Portanto, ele faz uma cisão, não somente do processo histórico em que a Itália estava imersa naquele momento, mas também uma cisão impossível de ser feita racionalmente, do fato que estava sendo julgado naquele momento. Se era verdade que Battisti teria cometido um homicídio, também era verdade que se tratava de um delito cometido no interior de um processo político, o que caracterizaria, de maneira suficiente, o delito político e não o comum. Aliás, como havia sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em outras ocasiões. Lembrem-se que estas mesmas posições sobre o direito e a Constituição são defendidas por aqueles que afirmam que, quem matou na tortura, aqui no Brasil, está anistiado.

Não bastassem todas essas questões também circulou pela mídia uma informação solerte e mentirosa do ponto de vista histórico e em relação ao próprio fato. Isso foi trabalhado em vários editoriais e em várias informações paralelas. Consiste em dizer que não existe crime político dentro da democracia. Esse conceito remete a um outro, a saber, que só pode existir crime político dentro de um regime ditatorial. A visão correta, humanista, moderna e democrática é exatamente a contrária. O que ocorre em atos de resistência contra uma ditadura não é um crime, mas sim o direito universal de resistência contra o arbítrio e contra o poder ditatorial. Portanto, isso não é um ato que possa ser tipificado. O crime político dá-se ou em regimes de transição para uma democracia, ou na democracia. Aí é que o tipo pode ser qualificado como criminoso, de natureza política ou não, dependendo do caso. Neste sentido, acho que esse debate que está sendo travado em torno do caso Battisti é exemplar. Na minha opinião, não há certamente nenhum tipo de conspiração. O que há são duas visões a respeito da democracia, do Estado de Direito, da Soberania e da própria crise pela qual os atuais modelos democráticos estão passando, impotentes para realizar uma coesão social mínima de novo tipo, que ocorreu historicamente num pequeno período da social-democracia.

Carta Maior: O sr. falou em precedentes no Supremo relacionados ao caso. Poderia citar alguns?

Tarso Genro: O caso do colombiano Oliveira Medina é um exemplo. O do italiano que hoje é dono de um restaurante no Rio de Janeiro é outro. Há casos, inclusive, de pessoas que estiveram envolvidas em ações armadas de rua, que resultaram em várias mortes. Na minha gestão, por exemplo, foi dado refúgio a dezenas de bolivianos liderados pela oposição de direita na região de Pando e de Santa Cruz, que realizaram ações armadas ilegítimas e ilegais contra o governo de Evo Morales. Após essas ações, eles ingressaram no território brasileiro. Teoricamente, eram guerrilheiros de direita. Receberam refúgio do governo brasileiro. Ninguém, mas absolutamente ninguém, da grande imprensa fez qualquer comentário sobre isso, porque isso demonstraria não só a nossa postura acolhedora em relação a pessoas que cometem delitos políticos dentro da democracia – como ocorreu na Bolívia -, como também a isenção com que o Ministério da Justiça trata esses assuntos. Mas isso não aparece na imprensa, talvez porque acarrete a demolição da tese de que eu sou apenas um quadro de esquerda que está protegendo um presumido outro militante de esquerda.

Carta Maior: O editorial da revista Carta Capital desta semana afirma que uma possível saída jurídica para o presidente da República seria conceder asilo a Battisti. Existe essa possibilidade?

Tarso Genro: Pode ser uma saída. Eu não sei qual vai ser a decisão do presidente sobre o assunto. O presidente, quando decide sobre isso, decide não apenas sobre uma questão concreta, mas também sobre uma relação entre dois Estados. O refúgio é um ato administrativo do Ministro da Justiça, depois de passar pelo Comitê Nacional de Refugiados, que é deferido quando existe um certo temor de perseguição. Já o asilo político é uma decisão complexa, que passa pela Polícia Federal, pelo Ministro de Relações Exteriores, mas sempre deve refletir a determinação política do Presidente, que é o “chefe” direto da Política Externa, função diretamente vinculada à Constituição. Há uma legislação relacionada a essa decisão, mas o fundamento do asilo político está inscrito diretamente na Constituição e vem de um comando supremo de decisão política do presidente.

Carta Maior: Outro tema relacionado ao caso, mencionado pelos defensores da extradição, fala da possibilidade de uma grave crise diplomática entre o Brasil e a Itália, caso Battisti não for extraditado. Qual sua opinião sobre isso? Existe tal ameaça?

Tarso Genro: Isso é uma chantagem primária que já foi feita quando eu proferi meu despacho. São posições divulgadas para pressionar o presidente a ter medo de um conflito diplomático com a Itália e que prestigiam a grosseria de alguns ministros italianos quando se reportaram a juristas brasileiros e ao despacho do ministro da Justiça. É uma tentativa de intimidação dizer que haveria uma crise política. É como dizer ao presidente da República: não exerça a soberania, isso pode desgostar os outros. Esse tipo de argumento não ecoa na cabeça do presidente, que já deu demonstrações suficientes de que dirige o país exercitando a soberania nacional. O deferimento ou indeferimento da permanência de Battisti no país não será balizado por uma visão primária como essa.

Carta Maior: Na sua opinião, para além do debate jurídico em torno desse tema, o que esse caso mostra sobre o atual estágio da democracia brasileira e da qualidade do debate público sobre a democracia?

Tarso Genro: Posso dar um exemplo concreto. Na semana passada, foram divulgadas na imprensa – de uma maneira muito asséptica e cuidadosa, aliás – declarações de uma pessoa que teria conhecimento e participação direta ou indireta no esquartejamento do ex-deputado Rubens Paiva, que foi seqüestrado e assassinado na época do regime militar. Ele não teria sido assassinado por militares, mas sim por civis vinculados aos aparatos de repressão paralelos e ilegais que funcionavam naquela época e que eram tolerados e até estimulados pelos governantes de então. Não li nenhuma palavra sobre esse tema dos articulistas que defendem a extradição de Battisti. Nenhum juízo de valor, nenhum pedido para que a Justiça brasileira se mova para investigar esse fato, eventualmente punir os envolvidos, mesmo que seja para depois anistiar os cidadãos brasileiros que participaram desses órgãos repressivos e que, até hoje, não sofreram sequer uma advertência do Estado após a Lei da Anistia.

A anistia foi um momento importante na redemocratização do país, mas foi produto de um compromisso entre as elites políticas democráticas da época e as elites do regime militar. Esse compromisso vem sendo observado pelas sucessivas manifestações do Estado brasileiro até agora. O governo do presidente Lula está fazendo um esforço, através da Secretaria de Direitos Humanos, dirigida pelo ministro Paulo Vanuchi, e da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, para resgatarmos a memória daquele período e fazermos um pouco de Justiça.

O caso Battisti é emblemático, envolvendo uma tentativa de luta armada dentro de um regime democrático que, naquele momento, atravessava uma crise profunda. Ninguém discute, na Europa, se esses guerrilheiros, naquela época, eram guerrilheiros políticos ou não. A nossa legislação não exige que as pessoas não tenham participado de luta armada ou não tenham participado de atos violentos para conseguir refúgio. Ela exige que haja um certo temor de perseguição, de uma parte, e que o “crime” tenha sido de natureza política. Na verdade, o que está se discutindo nesta questão do sr. Battisti é muito mais do que sua extradição. Está se discutindo uma memória sobre os anos de chumbo na Itália e aqui no Brasil. Se observamos a posição da maioria dos cronistas que escrevem sobre o assunto, a maioria dos editoriais, veremos que são praticamente os mesmos textos e editoriais que são furibundos contra a política de cotas, que são contra que se processe os torturadores, que chamam as indenizações a prisioneiros, torturados e perseguidos políticos de gastos públicos inúteis. São os mesmos, aliás, que, em última análise, proferem as maiores ofensas contra quem defende uma posição diferente.

Durante todo esse debate, quando nomes como Celso Bandeira de Mello, Fábio Comparatto, José Afonso Silva e Dalmo Dallari falaram sobre o caso e quando eu falei por obrigação como ministro da Justiça e não como jurista do porte deles, nunca ofendemos ninguém, nunca atacamos ninguém, nunca desconstituímos pessoalmente ninguém. O que os defensores da extradição fazem contra quem tem uma posição contrária a essa é partir sempre para desqualificações e ofensas pessoais. Isso é um método para transformar um debate de opiniões e princípios em um debate burocrático sobre quem têm mais poder de violentar a opinião do outro. Trata-se, então, na verdade, de um debate entre o autoritarismo e a democracia, um debate entre concepções de Estado de Direito. Até hoje, também não se viu destas pessoas nenhum comentário sobre todas as decisões tomadas no Supremo que vão na mesma direção que defendemos. Não é feito, por exemplo, nenhum vínculo entre esse caso e o da Olga Benário, com exceção daquela carta da Anita. Eu não disse e não sustento que são casos iguais. Mas são casos análogos. Olga Benário também foi acusada de ter cometido ações militares e de ter baleado policiais. A extradição dela deu no que deu, em função de um exame burocrático, tecnicista e desumano da norma. Ou seja, em função de uma pré-compreensão de que era preciso aniquilar um determinado inimigo que estava ali presente naquela época; no caso, os comunistas.

Carta Maior: Um dos argumentos utilizados pelos defensores da extradição consiste em dizer que há uma grande unanimidade na Itália em torno dessa posição, incluindo aí a própria esquerda italiana. Qual sua posição sobre esse argumento?

Tarso Genro: A informação que tenho é que existe, sim, um sentimento majoritário na Itália a favor da extradição de Battisti. Isso está relacionado, ao meu ver, entre outras coisas, à cultura política italiana atual. É uma cultura política que tem origens profundamente democráticas que vem do Renascimento, do período da unificação nacional do país e das guerras de resistência ao fascismo. Mas que também está limitada por profundas derrotas políticas da esquerda italiana nos últimos tempos, que não lhe permitiu avançar com coerência dentro da democracia, conseguindo apresentar uma alternativa democrática, que ganhe politicamente e respeite o centro, como fizeram Lula e o PT aqui no país. Uma situação que levou a esquerda italiana a uma situação de total defensiva em relação aos valores tradicionais da esquerda democrática. Eu não acredito que a esquerda italiana ou a maioria do povo italiano tenha qualquer tipo de má fé neste caso, ou que estejam construindo uma posição para fazer uma vendetta. Acho que é um caldo sócio-cultural que explica essa posição majoritária. É certo, porém, que não há unanimidade.

Quando falei, recentemente, que havia algumas manifestações que expressavam posições de cunho fascista no espectro político italiano, aqui no Brasil houve uma insurreição e uma indignação expressas na maioria da mídia. A mesma indignação que faltou quando ministros italianos, que compõem o espectro da extrema direita, ofenderam gravemente juristas brasileiros e o próprio Estado brasileiro. Essas manifestações de virulência compõem um espectro político-ideológico que defende certos interesses. Um destes interesses é, efetivamente, que a grande mídia possa tutelar a democracia no Brasil a partir de seus valores que tem se chocado com os valores expressos pelo povo através das eleições democráticas. Isso, de um lado, faz parte do processo democrático, do exercício da liberdade de imprensa, que deve ser preservado, mas de outro, deve ser respeitado também nosso direito de responder a essa posição e fazer circular as nossas idéias de esquerda de maneira equânime.

O que está acontecendo é que esse setor da mídia não está aceitando que se conteste as suas posições. Ordinariamente, não publicam nossas respostas e, quando publicam, o fazem de uma maneira escondida, exercendo um autoritarismo burocrático sobre a formação da opinião. Isso não é nenhuma novidade. Há, hoje, um grande controle da mídia sobre a vida pública brasileira. É ela que faz a pauta dos partidos, é ela que faz a pauta dos parlamentos, é ela que interfere na pauta do Supremo, invadindo, inclusive, correspondência privada dos ministros. Mas creio que isso faz parte de um grande processo de reorganização democrática do país, e (a mídia) sequer deve ser demonizada em virtude dessas deformações, pois a liberdade de informar, mesmo deformadamente, é um bem maior que deve ser preservado, sob o risco da democracia sucumbir.

Carta Maior: Como fica a situação de Battisti agora? Segue preso aguardando a decisão presidencial?

Tarso Genro: Tecnicamente, sim. Pela informação que tenho, ele permanece em greve de fome que, na minha opinião, deveria suspender. Já manifestei essa posição publicamente. O presidente Lula também. A greve de fome é uma arma de um preso político. Battisti é um preso político no Brasil. E, na minha opinião, ele está preso ilegalmente, inclusive. Está sendo considerado como paciente de uma extradição comum, como um criminoso comum, não se dando a ele o direito de ser acolhido como refugiado, violando-se expressamente o texto legal que afirma que, quando é concedido o refúgio, interrompe-se o processo de extradição.

Entendo que essa posição do Supremo de não interromper o processo de extradição é ilegal. Mas quem, em última análise, deve dizer se é ilegal ou não é o próprio Supremo Tribunal Federal. Do ponto de vista formal, temos que respeitar e prestigiar a decisão do Supremo, pois é ele que dita a interpretação da lei em última instância. Isso não quer dizer que não possamos debater essa posição e, inclusive, criticá-la, pois ela vai mais além da situação do sr. Battisti, dizendo respeito à questão democrática no Brasil. O advogado de Battisti é que deve definir se vai pedir relaxamento de prisão, prisão domiciliar ou vai entrar com um habeas corpus tentando sua libertação. Não cabe ao Ministério da Justiça ter nenhuma intervenção sobre essa questão.

Carta Maior: Do ponto de vista jurídico a questão deveria obrigatoriamente chegar ao Presidente?

Tarso Genro: O único despacho que, se fosse respeitado pelo Supremo, não levaria o tema ao presidente da República, é o que dei concedendo o refúgio. Isso deixaria a questão de Battisti no âmbito do Ministério da Justiça, exclusivamente, sob minha responsabilidade e com o desgaste eventual que eu poderia ter, tomando essa decisão. Se eu tivesse indeferido a extradição, o advogado de Battisti poderia fazer um recurso hierárquico ao presidente da República. Com a decisão do Supremo, deu-se, na verdade, uma triangulação. O ministro da Justiça deu o despacho concedendo o refúgio. O Supremo disse que esse despacho era ilegal, anulou-o e concedeu a extradição. Mas, ao mesmo tempo, disse, corretamente, que o juízo final a respeito do assunto é do presidente da República. Tenho a impressão de alguém andou vendendo para os “formadores de opinião” a idéia de que o Supremo poderia “livrar” o Presidente de decidir sobre o assunto, como se o presidente fosse uma pessoa omissa, infensa a assumir responsabilidades inerentes ao seu cargo, o que seus sete anos de governo demonstram ser uma opinião equivocada e preconceituosa. Por convicção jurídica e postura política procurei uma solução definitiva com o meu despacho. A responsabilidade do assunto ter chegado ao primeiro magistrado da nação é de quem quis convencer o Supremo e a sociedade de que o STF poderia avançar sobre as prerrogativas do Presidente, violando a Constituição.

Fonte: Carta Maior(http://www.cartamaior.com.br/)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Juiz propõe nova escrita na comunicação forense



O Judiciário está chegando à era digital. Primeiro foi a Lei 11.419 de 2006, que permitiu o processo eletrônico. Depois foi a Meta 10 do CNJ, que programou essa novidade para as varas do País. Agora é a Justiça Federal, que pretende acabar com o papel. A partir de 2010, os novos processos serão eletrônicos. O e-proc2 está a caminho.

As mudanças serão profundas. A implantação do processo eletrônico transformará a maneira como pensamos e o jeito como trabalhamos. Modificará também nossa relação com o direito e com o processo.

A revolução não será feita pelos tribunais nem pelos conselhos de justiça. Será feita por nós, operários do processo, que vamos escrever textos e praticar atos processuais no meio eletrônico. Teremos à disposição ferramenta promissora, que pode melhorar nossa relação com o processo e acelerar a prestação jurisdicional. Basta aproveitar este momento para adaptar nossa escrita e teremos o processo eletrônico como aliado.

Mas apenas boa vontade não será suficiente. Precisaremos também nos ajustar à tela do computador. Afinal, estamos acostumados a ler e escrever em papel. Se não adaptarmos nossos textos, será difícil trabalhar com autos digitais. Se não mudarmos nossos hábitos de escrita e leitura, pagaremos um preço caro: além de ultrapassados (subaproveitamento da nova ferramenta), ficaremos doentes (movimentos repetitivos e problemas de visão). Se não nos ajustarmos à tela do computador, sobreviveremos como escravos do processo eletrônico: trabalhando mais e produzindo menos.

Para evitar isso, precisamos descobrir uma nova forma de escrita, diferente daquela usada na comunicação forense tradicional. Não importa quem produza o texto: juízes, advogados, servidores, precisamos todos pactuar pela melhoria da escrita. Precisamos todos escrever pensando em poupar tempo e diminuir o esforço do leitor frente à tela.

Os caminhos da nova escrita ainda precisam ser trilhados. Por exemplo, ajustar petições e decisões para leitura na tela do computador. Usar estratégias que facilitem a leitura e compreensão dos textos forenses.  Empregar recursos gráficos, imagens, títulos, tabelas, sumários, tópicos frasais, que orientem durante a leitura no computador. Trabalhar a estrutura e os argumentos do texto. Planejar e revisar antes de tornar o texto definitivo. Escrever com economia e simplicidade. Em suma, escrever pensando no leitor que estará indefeso diante da tela do computador.

Muito tem que ser feito. O primeiro passo é perceber que a escrita forense usada desde os tempos da máquina de escrever não é mais eficiente. O próximo passo é perceber que o e-proc2 nos dá oportunidade para descobrir novos caminhos. Devemos aproveitá-lo: façamos uma limonada com os limões que ganhamos com a implantação urgente do processo eletrônico. Uma limonada que mate nossa sede de justiça. Que permita trabalho eficiente. Que preserve nossa saúde.
Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, juiz federal em Porto Alegre
Fonte: Blog do Fred

Ativismo judicial conservador neutraliza avanços

Por Boaventura de Sousa Santos

Está em curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles.
Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.
Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.
A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.
Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.
Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.
Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.
— Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios. Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.
Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.
— Terras indígenas e quilombolas. A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.
Quanto a estas últimas, podem ser citadas as "cautelas" para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos "aldeamentos extintos", ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.
— Criminalização do MST. Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.
E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.
— A anistia dos torturadores na ditadura. Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.
Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.
Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo nesta quarta-feira 4 de dezembro.
Fonte: Conjur

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

STF suspende posse de suplentes de vereadores e novas vagas ficam para 2012



O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira suspender a posse de suplentes de vereadores beneficiados pela emenda, aprovada no Congresso, que elevou o número de vagas nas Câmaras Municipais.
Com a decisão, aprovada por 8 votos a 1, os suplentes escolhidos nas eleições de 2008 não poderão tomar posse para ampliar o número de cadeiras nas câmaras, como definido pelo Legislativo --assim como ficam suspensas as posses já realizadas para ampliar o número de cadeiras nas câmaras estaduais e municipais.
Primeiros suplentes beneficiados por PEC tomam posse em Goiás
Liminar do STF suspende posse de vereadores beneficiados por emenda
Justiça autoriza diplomação de vereadores suplentes em Mato Grosso do Sul
Pela decisão, o aumento no número das vagas de vereadores vai vigorar somente a partir das eleições de 2012 --sem efeitos para a disputa passada de 2008.
O STF entendeu que os suplentes não foram efetivamente eleitos, por isso não podem assumir vagas abertas com uma decisão do Congresso.
Relatora do processo, a ministra Cármen Lúcia havia concedido liminar contra a posse dos suplentes, que foi hoje mantida pelo plenário do STF. Antes da liminar, alguns municípios já haviam iniciado o processo de aumento das vagas. Em Bela Vista de Goiás (GO), dois suplentes chegaram a tomar posse.
Na defesa da liminar, Cármen Lúcia disse que as Câmaras de Vereadores não podem empossar políticos que não foram escolhidos pelo povo.
"A posse de suplentes de vereadores, nos termos que vem ocorrendo, desacataria não apenas as regras da Constituição, mas o princípio basilar da democracia segundo o qual o poder do povo é exercido por representantes eleitos, aqueles assim proclamados pelas normas legais", afirmou a relatora.
Segundo a ministra, a emenda aprovada pelo Congresso não pode ser retroativa ao prever a posse de suplentes eleitos em 2008 --por isso deve valer a partir da disputa de 2010.
"Definir-se que uma regra fixada no presente pode impor modificação de um processo passado e acabado e para o qual a Constituição impõe que se respeite definição legislativa vigente pelo menos um ano antes do pleito parece não apenas contrariar um dispositivo constitucional", afirmou.
O ministro Carlos Ayres Britto, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), defendeu a suspensão das posses de suplentes ao afirmar que eles não foram eleitos nas urnas. Britto classificou de "bizarro" permitir a posse de políticos que não foram eleitos. "Não é por efeito de uma emenda que transforma quem não foi eleito em candidato eleito, por desvio de voto popular."
Já o ministro César Peluzo disse que a emenda, ao permitir a posse de suplentes, foi uma norma "casuística que tende a alterar resultado de processo eleitoral já exaurido".
Contrário à suspensão da posse de suplentes escolhidos em 2008, o ministro Eros Grau disse que eles têm direito às vagas porque foram legalmente escolhidos. 'Não vejo violação ao princípio eleitoral nem da segurança jurídica. Não me permitiria interpretar a Constituição à luz da lei ordinária', afirmou.
Impasse
A polêmica começou em setembro, depois que a Câmara e o Senado aprovaram PEC (proposta de emenda constitucional) que aumenta em mais de 7.000 as cadeiras de vereadores em todo o país. A ministra Cármen Lúcia, do STF, concedeu liminar em resposta a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ajuizada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, questionando a emenda.
Segundo Gurgel, a emenda retroage seus efeitos às eleições de 2008, ou seja, permite que vereadores suplentes tomem posse em processo eleitoral já encerrado --por isso não tem segurança jurídica para valer retroativamente.
O advogado-geral do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Melo, defendeu a emenda ao afirmar que o aumento no número de vagas nas Câmaras de Vereadores permitiria ampliar o número de partidos representados nos Legislativos municipais e estaduais.
"Essa ampliação não altera o resultado das eleições. Os que foram eleitos, permanecem eleitos. Só serão convocados alguns outros representantes do povo. O Congresso buscou o fundamento da República brasileira, do pluralismo político", afirmou.
Fonte: Gabriella Guerreiro. Folha Online, em Brasília,

sábado, 7 de novembro de 2009

"Culpa pela morosidade da Justiça não é so do juiz"

“Um juiz, um promotor e um advogado juntos mudam o mundo se quiserem. É preciso saber se querem.” A frase é da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, ao falar sobre morosidade no Judiciário. Ela participou, nessa sexta-feira (6/11), do evento Diálogos com o Supremo, na FGV Direito Rio, onde expôs sua opinião sobre diversos temas relativos ao Direito e ao Judiciário.
“A morosidade da Justiça é um problema do Judiciário ou tem mais gente interessada nela?” A ministra afirmou que, na época em que era advogada, acreditava que era interesse acabar com a demora no julgamento dos processos. Mas depois de se tornar juíza ficou a dúvida, sobretudo ao se deparar com processo no Supremo com mais de 20 anos de tramitação no Judiciário e com 11 recursos apresentados somente na mais alta Corte do país.
“Quem é que não deixa acabar? O juiz?” Ela também citou o caso de um processo que começou em 1991 em SP, já passou por juiz federal, pelo TRF, STJ, sendo que ela já deu três decisões com prioridade e vai para a quarta, pois foram apresentados embargos. “Eu que não deixo acabar? Ou há muitos bons advogados que não deixam acabar?”, perguntou.
Cármen Lúcia afirmou que esse é o motivo pelo qual é contra nova reforma do Judiciário. Para ela, é hora de transformar a comunidade jurídica. “O dia em que acabar a morosidade, o estado vira mesmo de direito.”
Sem milagre
Ao falar sobre a Constituição Federal, a ministra disse que a de 1988 é aberta e a ideia de Justiça, dinâmica. Mas, alertou, Constituição em aberto não significa que cada um pode fazer o que quiser. Nas horas de grandes emoções, há pessoas que pedem pena de morte. “O juiz mostra mais sua coragem na hora de grandes emoções populares, porque o Direito é a barreira entre a razão que se põe para que a emoção não tome conta e a mais ampla injustiça seja cometida.” Nessa hora, disse a ministra, é o juiz que vai ser o antipático a agir de acordo com a razão.
Cármen Lúcia disse que, hoje, as pessoas conversam sobre a Constituição e as decisões do STF. Mas, disse, o Direito não faz milagre. Para ela, quem pode fazer é o cidadão ao aplicar as normas. Do que adianta, perguntou, exigir que Estado respeite a Constituição se o próprio cidadão não respeitar o vizinho?
Questionada sobre o rigor da lei, a ministra afirmou que, se as pessoas soubessem como funciona a estrutura do Poder Judiciário, seria mais fácil perceber o que os juízes estão fazendo, o que podem e o que não podem fazer. “As leis são severas.”
Considerada “mão pesada” em matéria penal, a ministra disse que não se pode deixar uma pessoa presa sem sequer ser interrogada. Citou o caso de um Habeas Corpus, em que uma pessoa presa em março de 2003 até então não tinha sido interrogada. Ela disse que como só há notícia dos que foram soltos pelo Supremo, a sociedade acaba entendendo de modo equivocado o que está acontecendo.
A ministra chamou a atenção ainda para a questão de como as pessoas serão punidas. Ela contou que uma vez por mês vai a penitenciárias visitar quem não recebe visita. “O brasileiro não tem ideia do que é uma prisão.” Ela disse que não é “coisa de bicho”, já que este não fica amontoado. E mais: mandar para a cadeia quem furtou – que tem de ser punido – é fazer com que um infrator eventual se transforme em um infrator permanente.
Isso porque, explicou, quando ele sai da prisão, não consegue emprego. “Temos de pensar programas sociais para o egresso.” Segundo ela, a estrutura atual é “jogar na cadeia” e achar que está resolvendo o problema. “Não está.”
No que ela chamou de “crime paradigmático”, que se refere ao que é público, entende que a aplicação da lei tem de ser célere. “Não é rigor. Tem de ser célere para que se dê uma resposta”, disse.
Efetivação dos direitos
Para a ministra do Supremo, passados 21 anos da promulgação da Constituição, as instituições estão funcionando. Cármen Lúcia disse que a hora não é de buscar mais direitos, mas efetivar os que já foram conquistados. “A Constituição não é cartilha, aviso; é lei. E lei é para ser cumprida.” Para isso, não basta só o texto, mas que as regras sejam efetivas.
A ministra também falou das decisões judiciais que determinam a entrega de remédio ou a realização de procedimentos cirúrgicos. É obrigação do Estado, disse, garantir o mínimo existencial aos cidadãos. “Quando chega liminar para garantir um remédio, a tendência do juiz é deferir”, disse.
Ela reconheceu que há abusos. Citou o caso de um pedido que chegou ao Supremo com a descrição do medicamento e com o discurso de que era em nome da dignidade da pessoa humana. Contou que telefonou ao seu médico e descobriu que o remédio era o viagra.
A ministra também citou o caso de um governador que diz que 20% do orçamento do estado estava destinado a cumprir liminares obtidas no Judiciário por cerca de 120 pessoas. Cármen Lúcia lembrou, ainda, que há outro princípio na Constituição que é o da reserva do possível. “Se a conta não fecha, não tenho como realizar o que está previsto na Constituição, porque ela não faz milagre.”
Segundo ela, o juiz não vai correr o risco de deixar o paciente morrer, pois considerará o indivíduo ao se deparar com o pedido. “Quem tem dor, tem pressa. Quem tem fome, tem urgência. É isso ou a morte. E o Direito existe para a vida. É a tal da escolha trágica.”
Para a ministra, apesar de achar excessivos os conflitos no Judiciário, ela entende que a mudança é positiva. A pessoa, diz, vai ao Judiciário buscar seu direito. “É uma forma de acreditar nas instituições”, constata.
A palestra seguida do debate foi acompanhada pelo ex-conselheiro do CNJ, Joaquim Falcão, pelos desembargadores Marco Faver, Henriqueta Lobo e Leila Mariano, do Tribunal de Justiça do Rio, pela ex-conselheira e juíza Andréa Pachá, pelo juiz Luiz Roberto Ayoub, pelo presidente da Associação dos Juízes Federais, Fernando Mattos, por professores e estudantes da FGV Direito Rio.
Por Marina Ito(Consultor Jurídico)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Título de Cidadão Bomjesuense

A última quinta-feira (5) do mês e ano em curso foi marcada pela comemoração de emancipação político-administrativa na cidade de Bom Jesus, no Sertão do Estado.
Na Câmara Municipal de Vereadores de Bom Jesus um grande número de convidados e espectadores aguardava o inicio de uma Sessão Solene na propositura do presidente daquele Poder – o vereador Francisco Jocerlan Sampaio de Aquino e demais parlamentares-mirins, naquela oportunidade o vereador Jocerlan e demais colegas entregou Títulos de Cidadão Bomjesuense e Medalhas de Mérito Legislativo para as seguintes autoridades:

Joscivaldo Vieira de Souza – Resolução: nº (27) de 06 de outubro de 2009; Geraldo Eduardo de Abreu – Resolução: nº (31) de outubro de 2009; Liduino Maciel Oliveira (Cabo Maciel) – Resolução: nº (32) de 20 de outubro de 2009; Clodoaldo Henrique de Lima – Resolução: nº (19) de 1º de setembro de 2009; Bruno da Silva Pereira – Resolução: nº (26) de 06 de outubro de 2009; Janduí de Sá Alves – Resolução: nº (29) de 20 de outubro de 2009; Edvan Rodrigues Alexandre – Resolução: nº (30) de 20 de outubro de 2009; Enéias da Cunha Rolim – Resolução: nº (25) de 06 de outubro de 2009; José Josélio Araújo dos Santos – Resolução: nº (35) de 27 de outubro de 2009; Maria das Graças Lopes de Souza – resolução: (33) de 27 de outubro de 2009; Maria Ivanir de Souza Pereira – Resolução: (34) de 27 de outubro de 2009.

Medalha de Mérito Legislativo - José Gonçalves de Almeida;

José de Souza – (Toninho Di Lita); Odir Milanez da Cunha Lima Filho. Autoridades emocionaram-se em seus discursos e deram seus agradecimentos para os propositores.

O Exmo. Senhor Juiz Dr. Edivan Rodrigues Alexandre agradeceu o Título de Cidadão Bomjesuense e discursou:

“Excelentíssimo Senhor presidente da Câmara Municipal de Bom Jesus/PB – Francisco Jocerlan Sampaio de Aquino - em nome de quem saúdo os demais vereadores e vereadoras da Casa José Gonçalves Moreira. Excelentíssimo Senhor prefeito municipal – Manoel Dantas Venceslau. Excelentíssimo Senhor Coronel Wilson Dutra e demais homenageados. Minhas Senhoras e meus senhores. Cidadãos de Bom Jesus. É para mim uma grande satisfação neste dia receber a honraria de cidadão bomjesuense. Agradeço inicialmente ao presidente da Câmara, o vereador Francisco Jocerlan Sampaio de Aquino, propositor da comenda e, a todos os outros vereadores desta cidade, que aprovaram a mencionada propositura.

É perceptível que a iniciativa de outorgar a minha pessoa o Título de Cidadão bomjesuense se deve ao meu trabalho como magistrado a frente da 4ª Vara da Comarca de Cajazeiras, da qual, Bom Jesus é cidade termo e, também pelo trabalho desenvolvido na 42ª. Zona Eleitoral durante as últimas eleições, na qual presidi o processo eleitoral nesta cidade.

Diante disto, sinto-me ainda mais feliz, pois sei que a outorga desta honraria é retribuição e reconhecimento a lisura, imparcialidade e honradez do meu trabalho como magistrado, seja como Juiz de Direito ou como Juiz Eleitoral.

Digo isto minhas senhoras e meus senhores, pelo fato de que a missão de um juiz é árdua e espinhosa. Temos a obrigação de julgar nossos semelhantes, fazer cumprir as leis e impor a ordem. Tarefas nem sempre acolhidas com bom grado por aqueles que são subjugados por nossas decisões, especialmente quando esperam que julguemos a favor de seus interesses, muitas vezes contrários ao Direito e à Justiça.
Um juiz deve obediência a Constituição de seu país e a sua consciência. Deve servir ao povo e julgar de acordo com o que determina o direito. Não pode julgar de acordo com os interesses em disputa. Deve ser correto e austero no seu decidir. É por isso que não somos eleitos, mas sim recrutados pelo conhecimento e pela técnica jurídica.

Os representantes do povo, com Vossas Excelências, esses sim devem ser eleitos. Devem ser a cara do povo. O juiz deve a cara da lei. Sinto-me, como já disse bastante lisonjeado. O sentimento é de gratidão. É também de responsabilidade, pois sendo filho adotivo desta terra, devo sempre, onde estiver, lutar e zelar por dias melhores para esta cidade e pelo seu povo.

Nesse dia de festividades, gostaria de parabenizar a cidade de Bom Jesus pelos seus 46 anos de emancipação política e felicitar aos cidadãos bomjesuenses, pelo estilo de vida pacato, acolhedor e hospitaleiro.
A cidade, outrora Fazenda Aroeiras, hoje recebe o nome do nosso único e suficiente Salvador, o Bom Jesus. E nesse nome que está acima de todo nome. “Rogo a Deus que abençoe a todos nós”.
Muito obrigado!

Bom Jesus/PB, 05 de novembro de 2009

Edivan Rodrigues Alexandre


Juiz de Direito – Titular da 4ª Vara de Cajazeiras


Juiz Eleitoral da 42ª. Zona Eleitoral.

 
Fonte: Folha Vip de Cajazeiras