sábado, 18 de junho de 2011

O perigoso charme do Supremo

Fernando Abrucio
Revista Época
FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA.
 
A agenda mais importante do país vem sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal. Temas como liberdades individuais, organização do sistema político e regras definidoras das políticas públicas agora são centrais na pauta do STF. Nada de errado, a princípio, pois a Corte Constitucional de um país democrático é um lugar privilegiado do jogo político, como nos EUA e na Alemanha. O problema é que a maior repercussão política do Supremo ocorre sob o silêncio dos partidos em relação às questões mais estruturais do país.
O aumento do poder do STF tem sido interpretado, geralmente, de dois modos. De um lado, há aqueles que louvam a visão progressista de seus ministros, capazes de resolver de forma parcimoniosa problemas como o da reserva Raposa Serra do Sol ou de solucionar questões que o Congresso evita deliberar, como a união homoafetiva ou a recente decisão contra a guerra fiscal. De outro, existem os críticos a esta maior judicialização da política, uma vez que os togados não foram eleitos pelo povo e estariam usurpando funções dos que têm voto – como no caso da verticalização das eleições.
As duas interpretações contêm parcelas da verdade. Obviamente que é perigoso repassar a não eleitos atividades que deveriam ficar com os políticos, depositários últimos da soberania popular. Mas também é fato que o Supremo tem garantido espaço a uma agenda essencial ao país que não tem sido resolvida pelo Congresso Nacional. Por essa razão, a legitimidade do STF tem se fortalecido, tornando a instituição cada vez mais respeitada.
Mais ativista, o Supremo Tribunal Federal gera, a um só tempo, desequilíbrio na relação entre os Poderes e aumento da necessidade de atuação do Executivo e, sobretudo, do Legislativo em temáticas centrais para a sociedade. Em outras palavras, o STF pode se envolver nas funções dos demais, mas também incentivá-los a reagir e a atuar mais intensamente na agenda que interessa ao país. No jogo entre esses dois vetores, nem sempre a melhor resposta será obtida. Talvez somente o aprendizado cotidiano com o sistema democrático nos leve, ao longo do tempo, a melhores resultados.
O Supremo está discutindo o que deveria ser debatido pelos partidos – da marcha da maconha às cotas
O ponto mais preocupante não está numa pretensa usurpação de poderes, embora, por vezes, ministros togados exagerem no exercício de seu poder. Também não creio, em hipótese alguma, no esvaziamento do Executivo ou do Legislativo por conta do ativismo do Supremo. O Executivo continua com grande força por conta de seus instrumentos burocráticos, financeiros e políticos. A centralidade da Presidência no sistema político é evidente. O Congresso em muitas ocasiões abdica ou delega poderes, mas também é fato que assuntos fulcrais passam por sua alçada, como recentemente foram os casos do Código Florestal e do sigilo dos documentos oficiais.
O STF está discutindo aquilo que deveria ser debatido pelos partidos políticos e estes, infelizmente, não conseguem se posicionar sobre o que mais importa à sociedade brasileira. Afinal, para além dos discursos genéricos e vazios, qual é a visão de PT e PSDB sobre a reforma tributária? Alguém pode dizer que essa é uma questão muito complexa. Retruco: em relação ao Código Florestal, tão em voga e que será definido em breve pelo Congresso Nacional, o que tucanos e petistas pensam como agremiação política? Passando para o terreno dos valores, o que as duas maiores siglas do país acham da decisão do Supremo de liberar a “marcha da Maconha”? Ou sobre as cotas para negros, tema que será definido pelos ministros togados no próximo semestre?
Poderia fazer essas mesmas perguntas ao PMDB, DEM, PSB e outros. Obviamente que não as faria ao PSD, que já se disse ser de todos os espectros ideológicos. Se a resposta permanecer basicamente a mesma, fica a constatação de uma grande preocupação: os partidos não discutem e nem se definem em relação ao que é central na agenda do país. No contraste com esta situação, e diante da fragmentação da sociedade brasileira, é que se afirma o perigoso charme do STF.

Fonte: Revista Época

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segunda-feira, 6 de junho de 2011

"Nenhuma democracia é viável com 27 partidos"

Ricardo Lewandowski - Spacca - Spacca
Para que a reforma política traga mudanças efetivas para o sistema eleitoral brasileiro é preciso acabar com a possibilidade de se fazer coligações nas eleições proporcionais, limitar gastos de campanha e proibir empresas de financiá-las, e criar uma cláusula de barreira razoável para excluir do cenário político as legendas de aluguel.
Esses são alguns pontos que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ricardo Lewandowski, considera que não podem escapar de um texto que se proponha a aperfeiçoar o sistema eleitoral e político do país. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Lewandowski se revela crítico do elevado número de legendas que existem no Brasil e reclama da falta de partidos fortes e de eleições em que sejam discutidas ideias, e não onde candidatos sejam vendidos como sabonetes.
“Nenhuma democracia é viável com 27 partidos, dos quais muitos têm vida apenas em momentos eleitorais e se valem de verbas do fundo partidário e do horário gratuito no rádio e na televisão para os propósitos mais diversos, dificultando a governabilidade”, afirma o ministro, que também compõem o Supremo Tribunal Federal.
Lewandowski lembra que o Supremo julgou inconstitucional a cláusula de barreira, que foi aprovada exatamente para evitar a proliferação de partidos de araque. Mas explica que a regra não era razoável e que, mesmo com a decisão, ainda existe “espaço para que o Congresso legisle de forma apropriada, para não alijar os partidos ideológicos e programáticos, os partidos tradicionais que historicamente tiveram um papel importante no país”.
Atualmente, há duas comissões especiais no Congresso Nacional — uma no Senado e outra na Câmara dos Deputados — cujo objetivo é traçar a reforma política. Entre as muitas propostas e ideias em discussão, destacam-se o fim das coligações, do voto obrigatório e da reeleição, a possibilidade de proibir doações de pessoas jurídicas, entre outras.
A substituição do sistema eleitoral proporcional pelo de listas fechadas apresentadas pelos partidos ou pelas diversas modalidades de voto distrital é um dos pontos mais polêmicos da reforma. Nesta entrevista, Lewandowski analisa cada um dos pontos da possível reforma, comenta sobre os limites da atuação do Supremo na esfera política, concorda que há restrições demais para a propaganda eleitoral e insiste na ideia de que o período de campanha eleitoral deveria ser maior.
“Quando as campanhas são muito curtas, há certa artificialização dos candidatos, que são vendidos como mercadoria. O marketing predomina sobre o conteúdo, o aspecto externo sobre o aspecto substantivo”, defende o ministro.
Leia a entrevista:
ConJur — Como o senhor avalia o sistema eleitoral proporcional?
Ricardo Lewandowski — Em nosso sistema proporcional, criado para a expressão das minorias, o partido elege tantos deputados quantos resultarem do número de votos recebidos, dividido pelo quociente eleitoral. O quociente eleitoral, por sua vez, é obtido com a divisão dos votos válidos apurados em determinada eleição pelo número de deputados. Essa metodologia, boa a princípio, apresenta problemas quando conjugada com a grande dimensão do distrito eleitoral (todo o estado), o enorme número de candidatos e a lista aberta.
ConJur — Quais problemas?
Lewandowski — O sistema contribui para encarecer as eleições e aumentar a distância entre eleitores e candidatos, dando vantagem às celebridades e àqueles que têm mais dinheiro. E traz outras distorções que confundem o eleitor. É que o eleitor ao votar em determinado candidato vota também nos partidos, vendo-se frustrado porque, muitas vezes vota em “fulano”, mas elege “beltrano” e mais “sicrano”. Esse quadro é agravado quando conjugado com as coligações partidárias, pois elas são, por definição, incompatíveis com o sistema proporcional, que busca dar voz às minorias.
ConJur — Agravado por quê?
Lewandowski — Penso que os problemas se agravaram depois que a Emenda Constitucional 52 pôs fim à verticalização das coligações, antes estabelecida pelo TSE, retirando delas qualquer sentido ideológico ou programático que deveria resultar da associação de partidos. A eficácia dessa emenda foi adiada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que entendeu que a sua vigência imediata colidia com o principio da anualidade previsto no artigo 16 da Constituição.
ConJur — A adoção da lista fechada seria uma alternativa?
Lewandowski — Com a lista fechada, ou pré-ordenada, se pretende fortalecer os partidos, deixando às suas convenções a designação dos candidatos, escolhidos pelos votos obtidos dentro dos próprios partidos. Quanto mais votos tiver o partido, mais candidatos elegerá, distribuindo-se as vagas na ordem decrescente das listas. Esse sistema, embora, em tese, fortaleça os partidos, tem a desvantagem de perpetuar as oligarquias partidárias, segundo a famosa “lei de ferro das oligarquias”, enunciada pelo sociólogo alemão Robert Michels, no início do século XX, que leva à cristalização das lideranças nos sindicatos e agremiações políticas.
ConJur — Não seria uma boa alternativa, então?
Lewandowski — Para mim, as listas fechadas só deveriam ser adotadas se e quando tivermos uma maioria de partidos minimamente ideológicos e programáticos, e desde que haja mecanismos que garantam uma participação ampla da militância na sua elaboração, nos vários níveis partidários. Essa forma de escolha dos candidatos, ademais, frustra os eleitores, que não podem mais escolher os seus candidatos, traz o problema da alternância de gênero (hoje 30% e 70%), além de levar a uma judicialização dos conflitos internos dos partidos.
ConJur — E qual sua opinião sobre o chamado distritão?
Lewandowski — Quando se adota o distritão, elimina-se o sistema proporcional e, portanto, a expressão das minorias. Opta-se pelo critério simplesmente majoritário, sendo eleitos os candidatos mais votados no estado ou no distrito. Esse sistema, além de enfraquecer os partidos, favorece os candidatos mais ricos ou famosos. Ou seja, fomenta o personalismo.
ConJur — E as outras formas de voto distrital?
Lewandowski — O sistema distrital puro, embora propicie uma maior aproximação entre os candidatos e seus eleitores e leve a um barateamento das eleições, em razão da redução do tamanho dos distritos, impede, igualmente, a expressão das minorias, além de favorecer o paroquialismo ao acarretar o surgimento de uma espécie de “vereadorzão” federal ou estadual.
ConJur — E o voto distrital misto?
Lewandowski — No sistema distrital misto, que combina as virtudes de ambos os sistema — o proporcional e o majoritário — o eleitor tem dois votos, um no candidato e outro no partido. Seria o ideal, se estivéssemos na Alemanha, país denso demograficamente. Mas aqui não existem, como regra, partidos ideológicos ou programáticos. Além disso, nos estados do Norte, as populações concentram-se nas capitais, dificultando a definição de distritos equilibrados. E teríamos, nesse sistema, dois tipos de deputados, um com uma visão predominantemente local e outro com uma perspectiva mais nacional.
ConJur — Não existem outras alternativas?
Lewandowski — Há uma proposta do professor José Afonso da Silva, segundo a qual se faria a divisão do estado em distritos menores, em número três vezes superior ao de deputados daquela unidade da federação. A votação seria feita pelo sistema proporcional e não pelo sistema majoritário, com uma importante diferença: os candidatos não seriam eleitos pelos distritos, mas votados nos distritos e escolhidos segundo o número de votos obtidos pelos partidos. A vantagem desse sistema é que ele preservaria as minorias, aproximaria o candidato dos eleitores, baratearia as eleições e poderia, teoricamente, ser adotado por lei ordinária.
ConJur — Em relação ao sistema distrital, há mais alguma proposta debatida?
Lewandowski — Outra proposta que corre é a adoção do voto distrital combinado com o sistema majoritário nas eleições municipais, em cidades com mais de 200 mil eleitores, por lei ordinária, pois o artigo 45 da Constituição menciona o proporcional apenas para os parlamentares federais, estaduais e distritais.
ConJur — Como seriam fixados os distritos?
Lewandowski — Quando se fala em distritos, seja qual for o seu tipo, surge logo a discussão relativa a quem faria a divisão, se o Congresso ou a Justiça Eleitoral, e acerca dos critérios adotados: densidade populacional, dimensões geográficas, revisão periódica etc. Nos Estados Unidos, cunhou-se a célebre expressão gerrymandering, que vem da manipulação de distritos eleitorais realizada pelo governador de Massachussets, Elbridge Gerry, nas eleições de 1812, em favor do Partido Republicano, nas quais um dos distritos, segundo os jornalistas, tomou a forma de uma salamandra, salamander em inglês. O termo vem da conjugação de Gerry+mander.
ConJur — A configuração dos distritos pode ter alguma outra finalidade?
Lewandowski — Sim, a manipulação dos distritos pode ser empregada também afirmativamente para favorecer politicamente certas minorias ou determinados grupos étnicos.
ConJur — Há outros pontos em discussão, como o financiamento público de campanhas eleitorais, proibição da reeleição, voto facultativo. O que o senhor pensa, por exemplo, do debate em torno do fim do voto obrigatório?
Lewandowski — Penso que o voto facultativo já existe no Brasil, pois o eleitor pode justificar com facilidade a sua ausência ou pagar uma multa irrisória se não o fizer. Ou até deixar de pagá-la, se comprovar insuficiência de recursos. Mas creio que o voto facultativo, no atual estágio de nosso desenvolvimento político, favoreceria as elites, enfraqueceria as instituições republicanas e estimularia o desinteresse do povo pelos assuntos coletivos.
ConJur — E quanto à proibição da reeleição?
Lewandowski — Reconheço que a possibilidade de reeleição para os cargos do Executivo aguça a tentação do emprego da máquina administrativa para fins ilícitos, prática que pode ser evitada pelo endurecimento das regras contra o abuso de poder político e econômico nas eleições. Lembro que a reeleição é adotada com o propósito de se evitar a descontinuidade administrativa. Um dado interessante é que, nas últimas duas últimas eleições gerais, 70% dos candidatos à reeleição para governador obtiveram êxito. Isso demonstra que os que se encontram no exercício do poder têm, em tese, maior facilidade para se reeleger. Destaco, ainda, que, desde a implantação da reeleição no país, 75% das cassações de mandato de governadores no Tribunal Superior Eleitoral ocorreram por abuso de poder econômico ou político, principalmente pelo uso indevido da máquina administrativa.
ConJur — Mas o senhor é a favor ou contra a reeleição?
Lewandowski — A reeleição é um instrumento de continuidade administrativa importante. Penso que quatro ou cinco anos é um período relativamente curto para se terminar os projetos de uma administração. Mas é necessário aperfeiçoar os instrumentos de controle de uso da máquina administrativa. Em tese, eu seria contra porque ainda há fragilidade nos instrumentos de fiscalização. Mas se nós conseguirmos aprofundar a fiscalização, podemos conviver bem com a reeleição. A Justiça Eleitoral está cumprindo seu papel nesse sentido.
ConJur — A maior parte dos escândalos políticos passa pelo financiamento privado de campanhas eleitorais. O financiamento não deveria ser público?
Lewandowski — Sou favorável ao financiamento público das campanhas. Entendo que ele deve ser predominante, embora não exclusivo, eliminando-se apenas as doações das pessoas jurídicas. Penso que é um direito político — e, portanto, fundamental — do eleitor fazer uma contribuição financeira para os seus candidatos preferidos, como ocorreu na eleição de Barack Obama.
ConJur — É possível adotar uma cláusula de barreira para partidos políticos?
Lewandowski — Temos hoje um número excessivo de partidos políticos. São 27 agremiações, das quais muitas têm vida apenas em momentos eleitorais e se valem de verbas do fundo partidário e do horário gratuito no rádio e na televisão para os propósitos mais diversos, dificultando a governabilidade. Recordo que o Supremo derrubou a cláusula de desempenho existente (ADI 1.351) por entender que ela, criada por simples lei ordinária, conflita com os valores constitucionais do pluralismo político, do pluripartidarismo e da ampla liberdade de criação de partidos. O STF assentou que se tratava de uma restrição rechaçada pelo Congresso na revisão constitucional de 1993. Mas ela foi, depois, introduzida na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95), a qual estabeleceu restrições que o STF entendeu ofensivas aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
ConJur — Como assim?
Lewandowski — É que ela passou a exigir dos partidos o apoio de, no mínimo, 5% do total dos votos apurados, não computados os brancos e nulos, para cada eleição à Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço dos estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles. Os partidos que não alcançassem esse desempenho não teriam funcionamento parlamentar, fariam jus a somente 1% das verbas do fundo partidário e teriam o tempo de apenas dois minutos, por semestre, para a propaganda eleitoral, limitada à cadeia nacional.
ConJur — Mas há alguma forma de impedir a atuação das legendas de aluguel?
Lewandowski — Apesar dessas dificuldades e apesar do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, o Congresso tem que buscar uma forma de fazer com que não exista essa proliferação de partidos políticos. Porque nenhuma democracia é viável com 27 partidos políticos.
ConJur — O Congresso deveria criar mecanismos que não contrariassem a decisão do Supremo nessa matéria?
Lewandowski — Sim. Os parlamentares podem explorar os espaços que o Supremo deixou quando julgou inconstitucional a cláusula de desempenho e procurar elaborar uma legislação que não ferisse os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Mas, a meu ver, pela manifestação do Supremo, isso teria que ser feito por emenda constitucional, e não por mera lei ordinária. Acredito que exista espaço para que o Congresso legisle de forma apropriada nesse sentido, para não alijar os partidos ideológicos e programáticos, os partidos tradicionais que historicamente tiveram um papel importante no país.
ConJur — O Tribunal Superior Eleitoral discute hoje um processo em que um candidato acusa o adversário de fazer propaganda antecipada pelo Twitter. Não há restrições demais para propaganda eleitoral?
Lewandowski — Inicialmente, é importante dizer que não é a Justiça Eleitoral que está impondo restrições. É a própria lei eleitoral que as impõe. Nós não criamos as normas e as regras restritivas. O Congresso Nacional entendeu por estabelecer essa verdadeira camisa de força no que diz respeito à manifestação não só dos partidos políticos, como também dos próprios políticos. Essa legislação poderia ser alterada em dois aspectos. Primeiro, antecipando-se o início da campanha política. Depois, liberalizando-se a manifestação do pensamento na internet, durante a campanha, ressalvados apenas os abusos.
ConJur — Três meses de campanha antes das eleições é pouco?
Lewandowski — É muito pouco para que o cidadão conheça em profundidade o seu candidato. Eu diria que, nos anos eleitorais, a permissão para fazer campanha poderia começar já em janeiro, que é quando ganham força as articulações políticas. O ideal seria que tivéssemos um processo como nos Estados Unidos, com as pré-convenções, as convenções, onde a sociedade participa intensamente. Quando as campanhas são muito curtas, há certa artificialização dos candidatos, que são vendidos como mercadoria. O marketing predomina sobre o conteúdo, o aspecto externo sobre o aspecto substantivo. Se alargássemos o período de campanha eleitoral, os aspectos substantivos, a qualidade, as ideias dos candidatos, poderiam ser mais destacados do que os aspectos cosméticos.
ConJur — Recentemente, ao negar liminares de candidatos que sustentavam que as vagas abertas na Câmara deveriam ser preenchidas pelos suplentes dos partidos, e não das coligações, o senhor escreveu que não cabe ao Supremo fazer a reforma política. Quais os limites da atuação da Corte na esfera política?
Lewandowski — Quando assumi a Presidência do TSE, eu disse que os protagonistas da política são os políticos, não a Justiça Eleitoral. Estendo esse raciocínio para a intervenção do Poder Judiciário em relação às regras eleitorais. Eu me filio à escola da Suprema Corte americana, no sentido de que nós devemos exercer uma autocontenção em matéria política, porque atuamos em um campo delicadíssimo, que é o campo da expressão da soberania popular.
ConJur — Há hoje no Supremo uma ação (ADPF 155) na qual o PSDB contesta a interpretação do TSE de dar posse aos candidatos derrotados depois da cassação de governadores eleitos em segundo turno. O STF deve intervir nessa questão ou é mais uma matéria que exige resposta do legislador?
Lewandowski — Neste caso, considero que temos um campo interpretativo bastante interessante, porque as regras não são explícitas. O que se reclama é justamente de um ativismo do TSE no sentido de se dar posse ao segundo colocado quando não há previsão legal. Sou o relator desse processo, que é complexo. Quando votei aqui no TSE no caso do Maranhão [em 2009, o TSE cassou o então governador Jackson lago e deu posse à segunda colocada, Roseana Sarney], esclareci que acompanhei a jurisprudência da Corte Eleitoral, até porque era juiz substituto, não queria inovar, mas me reservava o direito de reexaminar esse tema.
ConJur — Que outros problemas a reforma política poderia atacar?
Lewandowski — Outro problema crônico no Brasil é a desproporção na representação dos estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados, estabelecida no artigo 45, parágrafo 1º da Constituição, que atenta contra o equilíbrio federativo. A regra valoriza desproporcionalmente os eleitores de certas unidades federadas em detrimento de outros, aos quais atribui peso diferenciado.
ConJur — O que o senhor pensa sobre as candidaturas avulsas?
Lewandowski — A proposta da adoção de candidaturas avulsas para as eleições municipais, desde que apoiadas por, no mínimo, 10% do eleitorado, milita claramente contra o fortalecimento dos partidos que se pretende com a reforma política.
ConJur — Qual sua opinião sobre submeter a consulta popular a aprovação da reforma política?
Lewandowski — Penso que ela está de acordo com a democracia participativa inaugurada pela Constituição de 1988, cujos principais instrumentos estão previstos em seu artigo 14. Creio, inclusive, que talvez seja essa a oportunidade de fortalecer ou facilitar o emprego desses instrumentos, especialmente a iniciativa legislativa popular, cujo exercício ficou praticamente inviabilizado pelas regras do artigo 61, parágrafo 2º da Constituição [a regra exige que a proposta seja assinada por 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de um 1/10 em cada um deles]. Uma das vantagens disso seria trazer o povo para dentro do Congresso Nacional, que, assim, deixaria de ser pautado predominantemente pelo Executivo, que envia, em cada legislatura, centenas de medidas provisórias e projetos de lei de seu próprio interesse para exame dos parlamentares.
ConJur — Por que vale a pena mudar o sistema eleitoral que vigora no Brasil desde 1932?
Lewandowski — Creio que os sistemas eleitorais constituem um meio, um instrumento, para atingir determinados fins, em especial o de captar de modo mais fiel possível a vontade soberana do eleitor. Mudar por mudar seria como empreender uma viagem sem saber aonde exatamente se quer chegar, ou seja, caminhar sem rumo e sem plano.
ConJur — Qual seria, então, o primeiro passo para mudar com rumo certo?
Lewandowski — Talvez valesse à pena fazer uma discussão ampla acerca da democracia que queremos e só depois fazer as mudanças necessárias para alcançá-la. Se isso não for possível, penso que seria factível fazer algumas mudanças tópicas para aperfeiçoar o sistema que já vigora por quase 80 anos, de modo a evitar as distorções existentes, sem prejuízo de reajustá-lo periodicamente para eventuais correções de rumo.
ConJur — Tramitam no Senado e na Câmara diversos projetos que dizem respeito à reforma política e que tratam da maioria dos pontos que discutimos. Quais mudanças seriam mais importantes?
Lewandowski — Se eliminássemos as coligações nas eleições proporcionais, limitássemos os gastos de campanha, proibíssemos o financiamento de pessoas jurídicas e introduzíssemos uma cláusula de desempenho inteligente e razoável teremos andado um bom caminho.

Fonte: Consultor Jurídico

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