sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Servidor nomeado por decisão judicial não tem direito a indenização, julga STF

REPERCUSSÃO GERAL


O Supremo Tribunal Federal definiu a regra de que não cabe indenização a servidor público empossado por decisão judicial, sob argumento de que houve demora na nomeação. A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário 724.347, com repercussão geral, no qual a União questionou decisão da Justiça Federal que garantiu a indenização a um grupo de dez auditores-fiscais do Tesouro que participaram de concurso em 1991.

Divergência do ministro Barroso conduziu votação de caso com Repercussão Geral.

Segundo a tese fixada pelo STF, para fim de aplicação de repercussão geral, “na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus à indenização sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de arbitrariedade flagrante”. A tese foi proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, responsável pela redação do acórdão.

O julgamento havia sido iniciado em outubro do ano passado, quando os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux votaram a favor da indenização aos servidores, negando provimento ao recurso da União. Abriu a divergência o ministro Roberto Barroso, que votou pelo provimento do recurso, seguido pelo ministro Dias Toffoli. Na ocasião, o ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos

Em seu voto proferido nesta quinta-feira (26/2), o ministro Teori observou que a jurisprudência dominante do STF é contrária ao direito de indenização. No caso concreto, o grupo de auditores participou da segunda fase do concurso devido à decisão judicial, mas somente após a conclusão do processo houve a nomeação. A eles, havia sido deferida indenização com base no valor dos salários que deveriam ter recebido entre junho de 1995 e junho de 1997.

Prudência judiciária
Segundo o ministro, o processo nem sempre corre na velocidade esperada, mas o princípio da prudência judiciária impede a execução provisória da decisão que garante a nomeação dos candidatos. Ele citou ainda o artigo 2º-B da Lei 9.494 (considerada constitucional pelo STF), segundo o qual a inclusão de servidor em folha de pagamento só deve ocorrer com o trânsito em julgado da decisão judicial.

“A postura de comedimento judiciário, além de prevenir gastos de difícil recuperação, impede que se consolidem situações cujo desfazimento pode assumir configuração dramática”, afirmou. Também seguiram a divergência, iniciada pelo ministro Roberto Barroso, os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 724.347


Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2015, 21h58

sábado, 21 de fevereiro de 2015

PATRIMÔNIO IMATERIAL - Não incide imposto de renda sobre indenização por dano moral

Não incide imposto de renda sobre indenização por danos morais. Foi o que decidiu a 4ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região ao analisar um recurso que questionava o desconto feito pela União sobre o valor da reparação a uma trabalhadora. Por unanimidade, o colegiado determinou o estorno de R$ 14,8 mil.

No recurso ao TRF-2, a União argumentou que “os valores recebidos a título de dano moral não recompõem a ordem econômica, de modo que representariam acréscimo patrimonial a ensejar a incidência do imposto de renda”.

Mas o juiz federal convocado Luiz Norton Baptista de Mattos, relator do caso, não acolheu o argumento. De acordo com ele, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de ratificar que “a indenização por dano estritamente moral não é fato gerador do imposto de renda, pois limita-se a recompor o patrimônio imaterial da vítima, injustamente atingido ou lesado pelo ato ilícito praticado”.

Segundo o relator, uma decisão no sentido contrário atentaria contra o princípio da reparação integral e plena do dano moral, previsto no artigo 5º, inciso 5º, da Constituição Federal, "pois a tributação da indenização pelo dano moral reduziria a eficácia do princípio em questão”. Com informações da assessoria de imprensa do TRF-2.

Processo 0005728-58.2007.4.02.5117

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Dilma indicará novo ministro do STF neste mês

Aconselhada por assessores, Dilma Rousseff vai indicar o novo ministro do Supremo Tribunal Federal ainda em fevereiro. Segundo auxiliares presidenciais ouvidos pela Folha, a ideia é que o substituto de Joaquim Barbosa possa já estar na corte para participar da segunda turma do STF, responsável pelo julgamento dos processos da Lava Jato.


Dentro do governo, uma ala de assessores defendia que a nomeação só ocorresse após a definição da PEC da Bengala, na Câmara dos Deputados. A proposta estende de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria no STF. Cinco dos dez ministros da composição atual do STF farão 70 anos de idade nos próximos quatro anos.

Se a PEC passar, a presidente indicaria com "cautela redobrada" o novo ministro, nas palavras de um interlocutor, ao saber que tem até 2018 apenas mais uma indicação –e não quatro– para a corte.

Mas a tese foi derrotada e Dilma foi convencida de que o desfalque no STF já passou do "prazo", segundo um aliado. A corte está há mais de seis meses à espera da substituição de Barbosa.

Três ministros do STF também disseram à Folha que a expectativa no tribunal é que a indicação aconteça antes que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, envie para o STF os pedidos de abertura de inquéritos e eventuais denúncias relativas à operação. A ação de Janot está prevista para depois do carnaval.

Caso Dilma espere a abertura de processos contra políticos, haveria uma pressão ainda maior para a aprovação do nome no Senado.

'NOVO TEORI'

Para a vaga de Barbosa, o Planalto quer um perfil como o do ministro Teori Zavascki, indicado por Dilma em 2012. O "novo Teori", como está sendo chamado nos bastidores do Planalto o futuro substituto de Barbosa, ainda não foi definido.

A lista de possíveis ministros é grande, mas quatro nomes são citados como mais cotados por ministros, assessores e advogados.

Um deles é Clèmerson Merlin Clève, amigo do ministro Teori Zavascki. A filha dele, Ana Carolina de Camargo Clève, atuou como advogada da coligação da Dilma nas últimas eleições. Cléve também tem o apoio de Sigmaringa Seixas, um dos mais próximos interlocutores de Dilma no Judiciário e amigo do ex-presidente Lula.

Também estão no páreo o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinícius Furtado Côelho, o professor da USP (Universidade de São Paulo) Heleno Torres e o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão.

Torres, um tributarista, quase foi escolhido por Dilma para a vaga que hoje pertence ao ministro Luís Roberto Barroso. Além de formação jurídica sólida, pesa a seu favor a relação de amizade que mantém com a filha da presidente e com o ex-marido de Dilma, Carlos Araújo.

Côelho, que representa cerca de 800 mil advogados, conta com um perfil que, no jargão jurídico é chamado de "garantista". Ou seja, garantiria o amplo direito de defesa e só condenaria autoridades em casos com provas claras e sem controvérsias que pudessem deixar dúvidas sobre a culpabilidade, algo que agradaria ao governo.

Salomão, por sua vez, já figurou em outras listas de "ministeriáveis" e uma decisão recente que tomou também agradou integrantes do governo e do PMDB. Quando a ex-governadora Roseana Sarney perdeu o foro, o juiz da Lava Jato, Sergio Moro, pediu que o STJ lhe enviasse os autos. Apesar disso, Salomão entendeu que o foro competente para a ação seria a Justiça comum do Maranhão.

No entanto, ministros do STF ponderaram que, caso Salomão fosse escolhido, a corte passaria a ter quatro, de seus 11 ministros, do Rio de Janeiro como Estado de origem. Salomão é apoiado por caciques do PMDB.

Também estão na bolsa de apostas os nomes do ministro do STJ Benedito Gonçalves e do vice-procurador-geral Eleitoral, Eugênio Aragão.


Fonte: Folha de São Paulo

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Novo CPC não é perfeito, mas traz avanços e inovações

Por 

O Projeto de Lei do Senado 160/2010, com as alterações apresentadas no relatório-geral do senador Valter Pereira, dá ao Brasil um novo Código de Processo Civil. Ele vem em substituição ao Código de 1973, que foi muito bom na sua época, mas que não atende as atuais necessidades. O NCPC tem o mérito de adaptar o processo à realidade de um país com uma nova Constituição (1988) e uma sociedade em transformação.

Façamos uma análise isenta de paixões e concisa. Como diziam os doutrinadores de outrora, “à vol d´oiseau”.

Abrindo com uma crítica, o NCPC foi muito tímido com relação aos avanços tecnológicos. Talvez tenha faltado à comissão um jovem com menos de 30 anos, boa formação jurídica e conhecimentos do mundo virtual. O fato é que o NCPC manteve seu foco no processo em papel, apesar deste ter seus dias contados, pelo avanço do eletrônico (vide artigo 163, parágrafo 2º). Pelo menos na parte da intimações, deixou aos tribunais o direito de disciplinar a matéria (artigo 163, parágrafo 1º). É óbvio que em tempos de internet não tem cabimento um oficial de Justiça levar intimações como se estivéssemos no Brasil Colônia.

O artigo 5º dá às partes uma posição mais ativa, o direito de participar cooperando com o juiz. Por sua vez, o artigo 6º lembra ao juiz que decida tendo em vista os princípios constitucionais da dignidade humana, moralidade e outros. Ainda que estas práticas não fossem vedadas, o certo é que, agora, são estimuladas.

O artigo 118 dá ao juiz poderes para dirigir o processo com celeridade, mesclando a busca de conciliação com ordens restritivas (por exemplo, multa) para casos de descumprimento. Na verdade, este artigo e o 521 dão ao magistrado amplos poderes para fazer valer sua decisão. Deles só não consta o “contempt of court”, utilizado nos países da “common law”, que dá ao juiz o poder de prender quem se recusa a cumprir sua ordem.

O artigo 134 dispõe que cabe a cada tribunal propor que se crie, por lei de organização judiciária, um setor de conciliação e mediação. Muito bom. Mas faltou uma frase entre vírgulas: “respeitadas suas peculiaridades regionais”. Os estados são diferentes e é preciso adaptar a lei às suas realidades.

O artigo 186 dispõe que na contagem de prazo em dias, estabelecido pela lei ou pelo juiz, computar-se-ão, de forma contínua, somente os úteis. O artigo 187 suspende os prazos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Atende uma justa reivindicação dos escritórios menores, que são a maioria e que enfrentam a dificuldade de ausentar-se no período mais procurado para o descanso. Ambos facilitam a vida dos advogados, mas há um preço a pagar: prolongarão a duração do processo.

O artigo 241, parágrafo 1º, discretamente, promove um avanço significativo. Permite ao advogado promover a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, juntando aos autos cópia do ofício de intimação e do AR. Finalmente, o advogado não precisará ficar aguardando a expedição de mandado e o cumprimento por oficial de Justiça para que o processo ande.

O artigo 306 dá ao juiz que indefere a petição inicial o direito de reformar sua sentença em três dias. Simples e prático, elimina a necessidade do processo ir ao tribunal. Muito bom.

O artigo 322 regula a participação do amicus curiae, permitindo ao juiz que, de ofício ou atendendo requerimento das partes, solicite ou admita a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada. Por exemplo, um cientista poderá esclarecer sobre os efeitos ambientais do uso de determinada fonte de energia ou, um economista, sobre os reflexos econômicos de uma decisão.

O artigo 323 traz a obrigatoriedade de designação de audiência de conciliação com antecedência mínima de trinta dias. O parágrafo 5º permite que a parte manifeste, com dez dias de antecedência, desinteresse na composição amigável. Melhor seria se permitisse à parte, na inicial, manifestar seu desinteresse, porque, sabidamente, em muitos casos a conciliação é tentada, sem sucesso, pelos escritórios de advocacia.

O artigo 348 repete a possibilidade das alegações serem feitas oralmente e, nos casos mais complexos, serem apresentados memoriais. Ainda que o código não possa obrigar o juiz a sentenciar no ato, poderia pelo menos incentivar. com um parágrafo dispondo: “Sempre que possível, o juiz sentenciará na própria audiência”. Na prática forense isto não é feito nem em 5% dos casos e gera atrasos, que vão do mínimo de quatro meses (memoriais, conclusão, sentença) até anos (como quando o juiz é removido).

Na parte das provas o NCPC revela-se tímido. Há iniciativas boas, como o artigo 370, que estimula a lavratura de escritura em tabelionato para atestar a existência e o modo de existir de algum fato que seja considerado controvertido e apresente relevância para a situação jurídica, ou o artigo 371, parágrafo 3º, que permite o depoimento pessoal por meio de videoconferência. Mas é pouco.

No artigo 394, o NCPC fala em telegrama e radiograma, meios de comunicação em estado terminal. Os documentos eletrônicos são tratados com flagrante timidez e o artigo 419 determina que sejam impressos, apesar da tendência ser o processo eletrônico. A prova testemunhal tem tratamento extenso (artigos 421 a 443), porém não enfrenta a questão das testemunhas que se intimidam, sentem medo mesmo, com a presença das partes.

A prova pericial, sabidamente o maior entrave na tramitação de uma ação civil, não traz grandes novidades. Auxiliaria muito um artigo permitindo sua dispensa em casos de menor complexidade, atribuindo aos oficiais de justiça, hoje muito bem preparados, esta função. Pelo menos um avanço deu o artigo 526, ao dispor que, tratando-se de imóvel georreferenciado, com averbação no Registro de Imóveis, pode o juiz dispensar a realização de prova pericial.

O artigo 477, parágrafo único, dispõe que o juiz, ao fundamentar a sentença em regras que contiverem conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas. Felizmente foi excluída a parte final da redação anterior (demonstrando as razões pelas quais, ponderando os valores em questão e à luz das peculiaridades do caso concreto, não aplicou princípios colidentes), cuja redação, além de complexa, dava ao juiz o direito de decidir como quisesse, bastando ponderar.

O artigo 483 manteve o duplo grau de jurisdição obrigatório, mas nos seus parágrafos abriu uma série de exceções. Melhor seria que acabasse de vez com o que foi chamado “recurso de ofício”, porque hoje os órgãos públicos estão sendo defendidos por profissionais de alta competência. No máximo, poderia abrir exceção para os municípios.

O NCPC avançou ao dispor no artigo 596, parágrafo 2º, que a escritura de inventário de bens e os demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem hipossuficientes economicamente. No artigo 699, parágrafo 3º, há dispositivo semelhante para os que promoverem o divórcio ou fim da união estável através de escritura pública. Boas medidas de inclusão social, permitindo aos mais carentes regularizar suas relações jurídicas.

O artigo 755 e seguintes do NCPC tratam longamente da execução. Em que pesem tentativas de simplificação, continua-se em um sistema pleno de formalidades, com petição inicial, leilões cheio de regras, que acabam em sucessivos adiamentos, recursos de toda espécie, fazendo com que, além de todos os anos de uma ação na fase de cognição, ainda possa tudo repetir-se na fase de execução. Os devedores agradecem.

O artigo 895 traz oportuna inovação, limitando o pedido de vista nos tribunais ao máximo de dez dias, após o que o recurso será reincluído em pauta para julgamento na sessão seguinte à data da devolução. Resta saber se o presidente terá autoridade para requisitar os autos e inclui-los em pauta, conforme prevê o parágrafo único.

Um aspecto que gera preocupação é o previsto nos artigos 10 e 121 do NCPC, onde se determina que o juiz decida dentro dos argumentos das partes. Rompe-se com um princípio do Direito Romano, adotado em todo o mundo ocidental: “dá-me os fatos que eu te darei o direito”. O juiz não poderá reforçar sua argumentação com um acórdão da Suprema Corte dos Estados Unidos ou com uma diretiva da Comunidade Europeia, se isto não tiver sido suscitado nos autos.

Outro dispositivo preocupante é o do artigo 476, IV, que dispõe não ser fundamentada a decisão que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo. O objetivo é bom, ou seja, obrigar o juiz a analisar os argumentos das partes. Só que seu efeitos podem ser opostos. Basta que o réu invoque 32 motivos diferentes para opor-se à pretensão do autor e a ação certamente não terminará em menos de uma década.

Finalmente, algumas medidas me parecem inócuas. O artigo 4º repete o direito das partes a uma decisão em prazo razoável, direito este que não será realidade porque o Brasil optou por submeter tudo ao Judiciário e precisaria de 100 mil juízes para suprir todas as demandas. O artigo 12 determina que o juiz deva julgar na ordem cronológica da conclusão. A iniciativa seria a causa de muito mais atraso, porque ações urgentes ou repetitivas ficariam aguardando a sua vez. O substitutivo do senador Valter Pereira em boa hora introduziu várias exceções e o dispositivo será simbólico. Melhor assim.

Aí estão algumas observações. Resta esperar que o NCPC seja uma causa de real aprimoramento da Justiça.


Fonte: ConJur

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Professor diz que dilema ético sobre o uso da delação premiada para desarticular corrupção na Petrobras é um ‘mal menor’


RIO - Em entrevista ao GLOBO, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, defende a investigação policial como o melhor caminho para quebrar uma estrutura criminosa. No caso da Petrobras, no entanto, Ribeiro afirma que o uso da delação premiada é um “mal menor”. 

- A apuracão policial é o melhor caminho, mas outra maneira é jogar um contra o outro. Para fazer isso, também é preciso base científica. Só que, a partir de um certo momento, os depoimentos são determinantes para chegar às evidências e recuperar o dinheiro perdido - ressalta o professor. 

Abaixo, leia a íntegra da entrevista.

Há meses as investigações da Operação Lava-Jato se aprofundam por meio de delações premiadas. Como o senhor vê o uso desse instrumento?

Para quebrar uma estrutura criminosa, é preciso desenvolver certos instrumentos, ainda que não sejam ideais. A apuracão policial é o melhor caminho, mas outra maneira é jogar um contra o outro. Para fazer isso, também é preciso base científica. Só que, a partir de um certo momento, os depoimentos são determinantes para chegar às evidências e recuperar o dinheiro perdido.

O desencadeador é a prisão?

Mais do que a prisão, é a decisão do Ministério Público de acusar ou não acusar. Para ir adiante, a promotoria oferece aos envolvidos a chance de se safar, mesmo que isso signifique prender algumas pessoas, e outras não. Faz-se uma seleção em que, de preferência, a imunidade é dada ao menos culpado para pegar o mais culpado. Mas é apenas uma preferência. Se o menos culpado não fala, vai-se para o maior na escala. ( O ex-diretor da Petrobras) Paulo Roberto Costa parece graudíssimo. Pode ser que gente que fez menos vá para a prisão, e ele não.

Isso é legítimo? 

É um problema ético complicado, mas justificado como mal menor. O pior é deixar toda a quadrilha operando. Podemos ter uma ética de valores, como a dos Dez Mandamentos, ou uma outra, utilitarista. É a do carro desgovernado sem freio. Virar o volante para o lado onde há várias pessoas ou para o outro, onde só tem uma? Pela regra utilitária, matar um é ruim, mas é menos ruim do que matar muitos. Aí a gente sai de uma ética perfeita, ideal, e vai para uma ética viável nesse mundo hoje.

Como convencer o acusado a contar o que houve, a delatar?

O que acontece pode ser explicado no chamado dilema do prisioneiro. Duas pessoas acusadas de determinado crime presas em celas separadas ouvem do policial: “se você acusar o outro, pega uma pena pequena ou é perdoado”, embora a culpa sempre vá estar no seu currículo. Você pode se calar, mas, se o outro falar, sua pena é prisão perpétua, e o perdão é dele. Se nenhum dos dois falar, ambos são absolvidos por falta de provas. O princípio é simples: está claro que a melhor opção é um se manter leal ao outro. Mas, como estão incomunicáveis, o papel da polícia será promover a dúvida sobre o que o outro vai fazer. É uma pressão muito forte sobre eles.

Por que eles cedem? 

Bandido desconfia de bandido. Há vários escândalos de corrupção em que um político aparece recebendo dinheiro vivo num vídeo. Isso só acontece porque alguém do grupo, que vai lá tomar cafezinho, está gravando! Quantos políticos se separam e são denunciados pela ex-mulher? Ainda que os integrantes de uma quadrilha sejam amigos de infância, a Justiça consegue colocar um contra o outro. Marido fica contra mulher, irmão fica contra irmão. Um grupo que não tem confiança entre seus membros é mais fraco. E a Justiça acerta ao se aproveitar disso.

Os advogados de defesa dizem que isso é um tipo de tortura psicológica.

Esse questionamento é de ética pura, mas há problemas de todos os lados. Damos algum tipo de perdão a quem fez algo muito grave. Costa, por exemplo, está denunciando gente menos culpada do que ele, que, por não ter feito delação, provavelmente terá pena maior do que a dele. Já é um problema, eticamente falando. E se ele denunciar uma pessoa inocente? É claro que vai ter uma investigação para verificar se procede ou não, mas o denunciado vai, pelo menos, passar um tempo difícil, ter a reputação manchada. Isso tudo tem um custo, mas não vejo outra alternativa. A delação premiada tem um grande poder de desarticulação do crime, mas seria um erro acreditar piamente no que o delator diz. E seria muito errado também pensar que o resultado é puramente justo.

A palavra do delator é prova?

Não. Pressupomos que o processo seja conduzido por pessoas competentes, preparadas para não cair em esparrela. Essa é a chave. O delator só desfruta dos benefícios se não tiver mentido.

Vale a pena perdoar delatores?

Vale inteiramente porque dificilmente se conseguiria o mesmo de outro jeito. Há a recuperação de dinheiro. O resultado global para a sociedade é positivo. E não há perdão total. Além de devolver o que roubou, o delator cumpre alguma pena, ainda que menor. E tem a reputação marcada para sempre.

A próxima etapa da Lava-Jato são os políticos. São eles os verdadeiros peixes grandes?

Não sei se poderemos dizer isso porque não sabemos quem inicia o processo da corrupção: o político com mandato ou os executivos à frente de empresas que são muito poderosas. Se, de repente, descobrirmos que elas deram dinheiro a um deputado ou ministro, não saberemos quem estava dando as cartas. É outra coisa a ser descoberta. Não basta condenar pessoas, é preciso expor as entranhas desse sistema. Isso tudo mostrará que as ferramentas de combate à corrupção se tornaram mais afiadas. E que aquele truque antigo de molhar a mão do outro deixou de significar imunidade. Um pode entregar o outro e sair limpo. Ou quase limpo.


Fonte: O Globo