sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

SENTENÇA DA AIJE(Sousa) André Gadelha X Fábio Tyrone

Natureza : INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL

Investigantes : Coligação “Sousa Cresceu e Vai Crescer Muito Mais” e André Avelino de Paiva Gadelha Neto
Investigados : Coligação “Sousa Unida”, Fábio Tyrone, Johana Estrela, PDT e PTB

SENTENÇA
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – DISTRIBUIÇÃO DE CAMISAS, REALIZAÇÃO GRATUITA DE EXAMES MÉDICOS, DOAÇÃO DE ÓCULOS E ENTREGA DE DINHEIRO E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO EM TROCAS DE VOTOS - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DE COLIGAÇÃO - NÃO ACOLHIMENTO - MÉRITO - CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – INEXISTÊNCIA DE PROVAS CONVINCENTES, SEGURAS E CONCLUDENTES - IMPROCEDÊNCIA.
Para a procedência do pedido em ação de Investigação Judicial Eleitoral e a conseqüente aplicação das sanções cabíveis, se faz necessária a existência de provas convincentes, seguras e concludentes acerca da ocorrência dos fatos.
Vistos etc.

Cuidam os autos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, promovida pela coligação Sousa Cresceu e Vai Crescer Muito Mais e por André Avelino de Paiva Gadelha Neto em face de Coligação Sousa Unida, Fábio Tyrone, Johana Estrela e contra os diretórios municipais do PTB e PDT, qualificados nos autos.
Alegou-se na inicial que os investigados utilizaram de recursos financeiros para a captação ilícita de votos nas eleições municipais de 2008, tendo realizado um gigantesco esquema de compra de votos, instrumentalizada de diversas maneiras, tais como: distribuição de camisas, realização gratuita de exames médicos, doação de óculos e entrega de dinheiro e materiais de construção em trocas de votos, descrevendo fatos.
Os investigantes acusam os investigados de captação ilícita de sufrágio, no sentido de corromper cidadãos carentes e envolvimento de militantes de campanha e membros de partidos, para tentar burlar a vontade popular no último pleito municipal ocorrido na cidade de Sousa/PB.
A inicial (fls. 02/19) veio instruída com rol de testemunhas, com termos de declaração, procuração, fotografias, recibos e receita médica.
Despacho inicial (fl. 66).
O 1º investigado apresentou sua defesa (fls. 91/117) juntando procuração, rol de testemunhas e termos de declarações, onde impugnou as alegações suscitadas pelos investigantes.
Sobre a primeira alegação (de distribuição de camisas e valores em troca de votos), argumentou que não determinou a distribuição por qualquer pessoa e nem teve conhecimento dos fatos alegados e que teriam ocorrido na localidade denominada de “Lagoa dos Estrelas”.
Ao rebater a segunda alegação (da realização de exames oftalmológicos), aduziu que não autorizou e nem se quer anuiu à conduta narrada, pelo contrário, pregou a renovação dos costumes políticos e alertou os assessores de campanha a observarem as vedações da legislação eleitoral.
Por último, rebatendo a terceira alegação (de promessa e entrega de dinheiro e materiais de construção em troca de votos), mencionou tratar-se de calúnia, devendo a Justiça Eleitoral apurar e punir práticas de denunciação caluniosa, não tolerando que candidatos derrotados “fabriquem” denúncias de captação de sufrágio.
O PDT, por seu diretório Municipal, apresentou sua defesa (fls. 118/121) juntando procuração e termo de declaração. Não argüiu preliminar e no mérito negou a veracidade dos fatos alegados na inicial, requerendo a aplicação da penalidade do art. 25 da Lei Complementar 64/90. Disse que os representantes não praticaram qualquer ato contrário à lisura democrática, e os fatos articulados são descabidos, sem sentido, de profunda má-fé, visando exclusivamente prejudicar os representados.
A 2ª investigada, não foi encontrada para apresentar sua defesa, conforme certifica o oficial de justiça (fl. 122/v). Sobre esta certidão, o Magistrado determinou intimação dos promoventes para se manifestarem.
Os investigantes juntaram petição requerendo a notificação da investigada Johana Estrela, por hora certa, na forma preconizada do art. 227 e seguintes do Código de Processo Civil, entendendo se tratar de evidente e incontroversa ocultação. Na ocasião, postularam a extração de cópias do procedimento e envio ao Ministério Público para apuração do eventual cometimento de ilícito penal. (fls. 128/129).
Sobre o pedido feito pelos promoventes, determinou-se vistas ao Ministério Público Eleitoral. (fls. 130).
O Ministério Público Eleitoral manifestou-se pela renovação da citação da investigada (fls.131/132).
Renovado, o mandado pertinente foi devidamente cumprimento (fls.133), tendo a 2º investigada apresentado sua defesa (fls. 148/161), alegando em preliminar ilegitimidade ativa da Coligação “Sousa Cresceu e Vai Crescer Muito Mais”. Aduziu ser pressuposto lógico para a legitimidade, a existência das pessoas/entes de que trata o caput do art.22 da Lei Complementar nº64/90, concluindo que “a coligação só pode postular judicialmente se ainda existir no mundo jurídico”, e “passado as eleições está desfeita a coligação”.
No mérito, reiterou as alegações dos investigados, mencionando a não veracidade dos fatos articulados.
Juntou procuração, termo de declaração e escrituras públicas declarativas prestadas por Francisca Estevam Rolim e Maria de Fátima de Sousa.
Audiência designada para fins de inquirição das testemunhas. (fls.162)
Pedido de adiamento postulado pela 2ª investigada, alegando que os seus advogados possuem compromissos assumidos junto ao Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas da Paraíba, agendados antes da intimação da audiência (fls.174/181).
Acolhimento do pedido ante os argumentos contidos no petitório apresentado, com designação de nova data para audiência (fls. 181/v).
Nas fls. 203/206, foi juntada petição de renúncia de advogado, requerendo-se a intimação da Coligação Sousa Unida, Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista de Sousa – PDT e do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB para ciência do ato.
Determinou-se o cumprimento da solicitada intimação, com a conseqüente constituição de novos representantes e aguardou-se a audiência já aprazada (fls.203/v).
Novo pedido de adiamento da audiência as fls. 229, que foi indeferido com base na dificuldade de pauta, no princípio da celeridade dos feitos eleitorais, na ausência de prejuízo para o requerente e existência de efetivo prejuízo para a unidade judiciária e para o processo, já que isso importaria em renovação de todas as intimações e especificação de nova data, onde fosse possível a participação do Magistrado, do representante do MPE, das partes e de seus advogados e das testemunhas (fls.232).
O investigado Fábio Tyrone apresentou pedido de substituição de testemunhas, justificando-se no fato de que algumas das antes arroladas encontrarem-se exercendo cargos em comissão, visando evitar futuras discussões em torno da parcialidade (fls.236/238).
Posteriormente, ordenou-se intimação da parte autora para tomar conhecimento da substituição de testemunhas com cópia da petição e do novo rol (fls.239).
Um dia antes da audiência, a Representante do Ministério Público Eleitoral averbou-se suspeita para atuar no feito, postulando pela intimação do substituto (fls.240). Por tal motivo, a audiência foi adiada (fls.240/v).
Manifestação da parte autora, quanto ao pedido de substituição de testemunhas, postulando pelo indeferimento, por entender preclusa a oportunidade de requerer substituições (fls.248/249).
Despacho determinando que seja oficiado a Procuradoria Geral de Justiça e Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de designar Promotor Eleitoral para funcionar nos feitos eleitorais em tramitação no juízo, devendo constar em anexo os números e as estatísticas referentes à Unidade Judiciária, e afim de solicitar medidas práticas para evitar adiamentos de audiências e retardos processuais (fls.261/262).
Cópia de portaria designando nova Representante do MPE (269).
Abriu-se vistas dos autos para a nova rep. do MPE, visando a sua manifestação acerca do pedido de substituição de testemunhas. Na oportunidade, a Representante informou que a portaria publicada se mostrou com possível equívoco, opinando pelo aguardo da definição e solicitando novo prazo quando da publicação da nova portaria, (fls.271), o que foi deferido, (fls.272), com a determinação de expedição de ofício as Procuradorias (Regional Eleitoral e Geral de Justiça), visando preservar a celeridade processual.
Publicação de portaria designando outro Representante do MPE para atuar no feito (fls.276).
Nas fls.282 foi determinada a intimação dos promoventes e do MPE para se manifestarem sobre a preliminar argüida as fls.152/153, bem como os documentos juntados pelos demais investigados; a notificação do MPE para se pronunciar sobre pedido de substituição de testemunhas; a designação de audiência de instrução e julgamento, haja vista que as partes e o MPE pugnaram pela produção de prova oral.
Manifestação do 1º investigante sobre preliminar suscitada e documentos juntados (fls.300/310), manifestando-se pelo seu não acolhimento. O segundo investigante não se manifestou, embora regularmente intimado (283).
O MPE opinou pelo deferimento do pedido de substituições das testemunhas (fls.360).
Pedido de substituição de testemunhas, formulado desta vez pela 2ª investigada (fls.361/362).
Na data aprazada teve lugar a audiência de instrução e julgamento, onde foram ouvidas testemunhas; deferido pedido de habilitação e a juntada de procuração, etc. Foi deferido o primeiro pedido de substituição de testemunhas e indeferido o segundo petitório (fls.375/393).
A investigada Johana Estrela requereu a reconsideração da decisão adotada em audiência, haja vista ter postulado a substituição com antecedência razoável, o que foi acolhido, sob os fundamentos descritos (fls.396), e depois de afastada a possibilidade de surpresa para a parte adversa.
Juntada de novos documentos pelos investigantes (fls.410/457)
Em continuação à audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas testemunhas, deferido pedido de habilitação e substabelecimento, além do que se concedeu prazo para que os investigados se manifestassem sobre a juntada de novos documentos pelos investigantes, constante das fls.410 (fls.458/477).
A rep. do MPE manifestou-se favoravelmente ao pedido de juntada de novos documentos pelos investigantes e desfavoravelmente ao pedido de prisão pelo crime de falso testemunho postulado pelos investigantes. Não requereu diligências (fls. 477/v)
Em sede de diligências, o 1ª investigado requereu a oitiva de testemunhas referidas. Manifestou-se contrário ao pedido de juntada de novos documentos (fls.478/481).
Os investigantes requereram o envio de ofício à Secretaria Estadual de Saúde para que informe se o Hospital Regional de Sousa está apto a realizar exames oftalmológicos; em caso afirmativo, em que períodos tais exames foram realizados e confirmando a realização, comunicar se existe orçamento e quais os profissionais aptos a realizar tais análises no período de julho de 2007 a outubro de 2008 (fls.483/484).
Nas fls.484/487, os partidos investigados aduziram a preclusão dos promoventes para juntar documentos.
Requerimento de diligências formulado pela 2ª investigada (fls.492/526), acompanhado de cópia de degravação de entrevista prestada em rádio local.
Na decisão de fls.528/530 esclareceu-se que o pedido de prisão da testemunha e o de juntada de documentos seria apreciado após a finalização da instrução processual; foram apreciadas as diligências requeridas pelas partes, deferindo-se a oitiva das testemunhas referidas e o envio de ofícios requeridos pelas partes. Agendou-se data para a oitiva das testemunhas.
Continuação da instrução processual, com a oitiva das testemunhas referidas, indeferindo-se a juntada de documentos e abrindo-se prazo para apresentação das alegações finais (fls.690/702).
Juntada do resultado das eleições municipais majoritárias do Município de Sousa referente ao pleito 2008 e do procedimento administrativo oriundo do MPE, bem como dos documentos referentes às diligências deferidas (fls. 704/705, 706/761, 775/778).
Certidão da escrivania informando que todas as diligencias deferidas no despacho de fls.528/530 foram cumpridas. (fls.856)
Apresentação de alegações finais: pelos investigantes, entendendo que os fatos que alegaram restaram demonstrados, o que, segundo asseverou, deve conduzir à procedência dos pedidos iniciais (fls.867/891).
Por sua vez, as partes investigadas alegaram que os investigantes não provaram o que alegaram, manifestando-se pelo acolhimento da preliminar e improcedência da demanda, conforme fls.895/925.
O MPE, em sua manifestação conclusiva, opinou pela improcedência do pedido, parecer de fls. 916/950.
É o breve relato, decido.
Importante registrar que existe uma preliminar argüida por parte dos investigados, aduzindo a ilegitimidade ativa da Coligação “Sousa Cresceu e Vai Crescer Muito Mais”.
A preliminar funda-se no fato de que é pressuposto lógico para a legitimidade, a existência das pessoas/entes de que trata o caput do art.22 da Lei Complementar nº64/90, concluindo que “a coligação só pode postular judicialmente se ainda existir no mundo jurídico”, e “passado as eleições está desfeita a coligação”.
A preliminar não deve ser acolhida, por violar frontalmente o texto legal. Vale transcrever a norma que responde à preliminar levantada:
Lei Complementar 64/90:
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
I - o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências:
a) ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição, entregando-se-lhe a segunda via apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível;
O dispositivo legal acima transcrito é bem claro em afirmar e reconhecer a legitimidade da coligação co-autora.
Por tais motivos, não acolho a(s) preliminar(es).
No tocante ao mérito, forçoso reconhecer que a presente lide possui como objeto imputação de distribuição de camisas, a realização gratuita de exames médicos, a doação de óculos e a entrega (ou promessa) de dinheiro em trocas de votos, fundando-se o pedido inicial no art. 41-A da Lei 9504/97.
Os investigantes acusam os investigados de praticar captação ilícita de sufrágio.
Nesses casos, é irrelevante que a opção do eleitor tenha sido efetivamente modificada, e, ainda, não se faz necessária a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral.
Neste sentido, a jurisprudência do TSE: ver REspE 19.739 BA e AgReREspE º 20312 – MG.
O que a norma tutela, antes de tudo, é a livre vontade do eleitor e não somente a normalidade e legitimidade das eleições.
Feitos esses esclarecimentos, cumpre analisar os fatos apontados na inicial.
1º Fato: distribuição de camisas, e entrega ou promessa de dinheiro em trocas de votos.
A inicial menciona o depoimento de Jose Francisco da Silva prestado junto ao MPE, e menciona um “esquema” chefiado por Radamés e Ivan que tinha por finalidade a compra de votos por meio da distribuição de camisas, e entrega ou promessa de dinheiro.
Os depoimentos prestados e demais provas produzidas em juízo não confirmaram a prática denunciada pelos investigantes.
A pessoa de Jose Francisco da Silva sequer foi arrolada como testemunha por parte dos investigantes (ou por quem quer que seja). Embora tenha sido transcrito nas alegações finas dos investigantes trechos de seu depoimento, deve-se observar que, continuando suas declarações, ele informa que “se perguntado se Ivan ofereceu algum dinheiro para que o declarante votasse nos candidatos indicados ou trabalhar para os candidatos, respondeu não ofereceu dinheiro, mas pediu para que trabalhasse para os candidatos, que consistia em ficar o dia todo com a camisa de votação”.
As alegações finais dos investigantes, no tocante ao primeiro fato, fundamenta-se, exclusivamente, em pequenos trechos de um depoimento prestado em sede administrativa, não confirmado judicialmente e nos depoimentos de três declarantes: Maria Fábia das Chagas Sousa, Albany Ferreira e Jose Ilton Patrício de Almeida.
A primeira pessoa disse que soube que camisas eram entregues juntamente com a quantia de R$ 20,00; em seguida, disse ter visto a entrega de camisas e dinheiro a algumas pessoas, pelo candidato a vereador Wendel, mas não descreveu maiores detalhes sobre a conduta do citado candidato a vereador e afirmou que não chamou a polícia quanto avistou tal ocorrência, embora tenha dito que o fato se passou no dia da eleição, entrando em contradição sobre o lugar onde foi praticada a conduta atribuída a Wendel.
Importante frisar que a declaração prestada pela referida pessoa, nas fls. 43/44, não faz qualquer menção às ditas camisas verdes nem aos valores que, segundo a inicial, com elas eram distribuídos.
O depoimento de Albany Ferreira, que trabalhou como fiscal de partido ligado à candidatura do investigante, não é confirmado pelo procedimento administrativo que tramitou perante o MPE e apresenta contradições e obscuridade.
O Procedimento Administrativo não faz menção a prisões de pessoas em determinado local de votação e que teriam dito ao promotor eleitoral que receberam camisas de Radamés e a quantia de R$ 50,00 e outros R$ 30,00, como afirma Albany. Pelo que se observa do Procedimento administrativo, ninguém afirma ter recebido valores.
Depois, a referida depoente fala que se tratavam de duas senhoras que estavam segurando a referida camisa e que relataram ter recebido a referida proposta. Pergunta-se: ela ouviu pessoas dizendo que teriam recebido R$50,00 e outras pessoas dizendo que teriam recebido R$ 30,00 ou ela ouviu uma pessoa dizendo que recebeu R$ 50,00 e uma outra que recebeu R$ 30,00, já que na continuação revela que se tratavam de duas senhoras? Ela ouviu tais pessoas dizer que receberam “dinheiro” ou receberam “uma proposta”? Por que o promotor não efetuou a prisão (inclusive em flagrante delito-fato ocorrido logo após o crime) de tais pessoas, já que se trata de incontinente confissão de crime? Por que o Promotor não mencionou o fato no Processo Administrativo?
Ou o promotor agiu em flagrante descompasso com o seu dever, ou a depoente, no mínimo, se equivocou. Prefiro ficar com a segunda impressão, até por que conheço de perto a índole, honestidade e o compromisso dos promotores de justiça do Estado da Paraíba.
As declarações de Jose Ilton Patrício devem ser analisadas observando a sua reconhecida parcialidade e os seguintes fatos: as camisas que ele disse ter entregue aos advogados dos investigantes não foram apresentadas em juízo e elas não lhe foram entregues acompanhadas de nenhum valor, como ele mesmo alega.
Vale observar que o processo administrativo 05/2008 não serviu de base para o ajuizamento de ações eleitorais propostas pelo MPE contra os investigantes, indicando que, para o MPE, tal procedimento não informou sequer indícios suficientes de ilicitude capazes de justificar uma ação eleitoral.
Pelo que se pôde perceber, a questão do uso de camisas representativas das cores das coligações e de seus candidatos, em especial no dia da eleição, mas notado em todo o período eleitoral propriamente dito na cidade de Sousa, foi devido à permissão da legislação eleitoral e a um pequeno lapso da justiça eleitoral.
Abro espaço aqui para uma crítica construtiva, dirigida tanto a legislação eleitoral como a própria justiça eleitoral. Pessoas vestidas com as cores de campanha no dia da eleição e em atos de propaganda eleitoral (tipo comícios) têm contribuído para o aumento da violência, em situação análoga as torcidas organizadas nos estádios brasileiros.
O uso de cores facilita a identificação de grupos ou pessoas, e simples brincadeiras ou alguns xingamentos podem terminar em tragédia, devido ao acirramento político, ao grau de envolvimento das pessoas diante do forte apelo emocional, agravado pelo uso de álcool e até outras drogas. Embora não tenha sido objeto de um estudo aprofundado, os Juizados Especiais, por exemplo, registraram aumento do número de processos decorrentes de tais fatos.
É preciso rever o problema e procurar soluções.
A título de sugestão, vale citar que nos outros municípios integrantes da 63ª Zona Eleitoral, medidas simples surtiram grandes resultados, tais como: os atos de propaganda eleitoral tipo comícios e carreatas ficaram restritos aos finais de semana, e em dias alternados para cada coligação, e orientou-se o não uso de cores representativas das coligações, em especial no dia da eleição.
Tudo foi objeto de discussão com as comunidades e de um trabalho de conscientização. Os partidos, coligações e candidatos aderiram, sem resistência, ressaltando a importância tanto para fins de segurança pública como de redução de gastos de campanha, entre outros, celebrando os termos de ajustes de conduta respectivos junto ao MPE e a Justiça Eleitoral.
Foi apenas uma das muitas ações simples, bem sucedidas e silenciosas, tomadas pelo MPE e pela Justiça Eleitoral da 63ª Zona Eleitoral no intuito de desenvolver o pleito com a maior normalidade possível.
2º Fato: realização gratuita de exames médicos e doação de óculos em trocas de votos. Segundo a inicial, existiu todo um esquema de realização gratuita de exames e doação de óculos que beneficiou a candidatura dos investigantes, e cita, como principais responsáveis, a pessoa de Mamédio e Linda, identificados nas alegações finais de fls. 867/891.
Os investigantes se agarram nas declarações prestadas por Maria Fábia das Chagas Sousa e Albany Ferreira como sustentáculo de suas imputações.
Ambas já foram citadas quando da análise do 1º fato.
A primeira declarante afirmou que foi o candidato Mamédio quem lhe ofertou a realização dos exames de vista e lhe garantiu que as armações lhe seriam entregues, e que seriam custeadas pelo 1º investigado, com a condição de que votasse nele.
Albany Ferreira, por sua vez, disse, em resumo, que o Hospital Regional de Sousa não tem atribuição para realizar exames de vista, e que, sabendo de denúncias de que tais exames estavam sendo feitos no hospital, dirigi-se ao local e ouviu de pessoas que ali se encontravam que estavam fazendo exames de vista, embora tenha reconhecido que não presenciou a realização e nenhum exame. Disse também que encontrou Linda e Mamédio no local.
Merece destaque o parecer final da rep. do MPE, que enfatiza o valor que deve merecer a receita apresentada por Maria Fábia das Chagas Sousa, taxando o referido documento de “suspeito”. Realmente, é estranha uma receita ou prescrição sem nome do médico e sem o respectivo CRM.
Ademais, é de conhecimento público que os exames e prescrições de óculos geralmente são feitos em formulários apropriados, de formato retangular, com local específico para o grau esférico, cilíndrico e de eixo, entre outros campos específicos, e que não era diferente no Hospital Regional de Sousa, conforme relata o médico Jose Vicente de Oliveira Neto (fl. 691). Os próprios investigantes juntaram documentos exemplificando modelos de receituário específico para exames de vista, conforme fls. 431/433.
Vários depoimentos transcritos nos autos apontam para a inveracidade do fato ora analisado, como os depoimentos de médicos atuantes no Hospital Regional de Sousa.
Em suas alegações finais, os investigantes, em sentido contrário, afirmam que “o senhor Mauro Abrantes, juntamente com os médicos que compunham o quadro de oftalmologistas do Hospital Regional de Sousa - HRS, formalizaram um pacto para a realização de exames rotineiros, mesmo sem que a casa de saúde estivesse autorizada para tanto, com o intuito único de beneficiar as candidaturas dos investigados.
Trata-se de uma grave acusação, fundada apenas no ofício enviado pela Secretaria Estadual de Saúde, onde se afirma que a unidade de saúde em comento não está equipada e/ou autorizada a realizar os procedimentos em tela.
Não consta dos autos nenhum depoimento de testemunha ou outra prova qualquer que informe, com a segurança necessária, que antes do período eleitoral não se realizavam exames de vista no Hospital Regional de Sousa.
É também válido indagar por que a denúncia oriunda de Maria Fábia das Chagas Sousa não foi dirigida diretamente e oportunamente à Justiça Eleitoral ou ao MPE, de modo, inclusive, a impedir que a alegada ilegalidade perdurasse por todo o período da propaganda eleitoral?!
Por que aguardar o resultado das eleições para denunciar a alegada prática ilícita?!
Por a denúncia não serviu de fundamento para a busca de uma decisão judicial em forma de tutela de urgência visando a imediata suspensão da ilicitude?!
Existe ou existiu algum procedimento administrativo visando apurar a atuação dos médicos por desvio de função?!
São perguntas que não encontram respostas nos autos.
3º Fato: entrega de dinheiro e materiais de construção em trocas de votos.
O citado fato também não restou comprovado, tanto que sequer foi comentado nas alegações finais dos investigantes, razão pela qual não merece maiores delongas.
Algumas considerações finais podem ser feitas em relação a todos os fatos descritos na inicial.
Com efeito, para a caracterização da captação ilícita de sufrágio é indispensável, em razão da gravidade da penalidade aplicada, a presença de provas contundentes, seguras e convincentes dos atos praticados.
Nesse sentido, o seguinte acórdão do TSE:
"Para que se caracterize a captação ilícita de votos, é necessária a comprovação de que o candidato praticou ou permitiu que se praticasse ato descrito no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. A aplicação da penalidade por captação ilícita de sufrágio, dada sua gravidade, deve assentar-se em provas robustas, e não em vagos indícios e presunções" (REspe 21.390/DF, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros).
Para Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (1994, p.125) apresenta a seguinte definição: “testemunha é todo homem, estranho ao feito e eqüidistante às partes, capaz de depor, chamado ao processo para falar sobre fatos caídos sob seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa”.
Por causa da natureza e gravidade das sanções cominadas pela Lei, somente prova testemunhal convincente, segura e concludente poderá elidir a presunção de legitimidade do pleito.
Resta claro que cabe ao julgador atuante na seara eleitoral compreender o caráter necessário de sua atividade para a consecução dos altos valores constitucionais, notadamente aqueles relacionados à efetivação dos direitos fundamentais e à manutenção do Estado Democrático de Direito. Principalmente por se referir ao ramo do direito que trata justamente de um dos pilares do regime democrático adotado pela Constituição de 1988 – a eleição dos representantes do povo, para em seu nome atuarem e disporem do poder.
Daí que a preocupação com normalidade das eleições e a intolerância com qualquer tipo de ilegalidade, desde que responsável e suficientemente demonstradas, deve ser tida como uma verdadeira bússola.
Impossível não deixar de mencionar as cópias de fls. 795/809 e 843 e 854 contendo depoimentos que apontam para a prática de condutas graves por parte dos investigantes, devendo tanto a polícia, como o MPE e o Poder Judiciário agirem de modo a apurar e, uma vez comprovado, punir exemplarmente tais ilícitos.
O mesmo se diga das cópias de fls. 533/566.
Portanto, o pedido não pode ser julgado procedente.
Determino, ainda, a extração de cópia da inicial, das declarações a ela anexadas, de todos os depoimentos prestados nos autos, para uma melhor apuração sobre cada uma das situações de compra de votos, desta feita na esfera criminal, inclusive dos documentos de fls. 795/809 e 843 e 854, e 533/566, com o envio ao MPE.
Ante o exposto, atento a tudo que dos autos consta e com base na Legislação eleitoral em vigor, JULGO IMPROCEDENTE OS PEDIDOS CONTIDOS NA INICIAL, nos termos dos fundamentos acima elencados.
Sem custas e honorários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado arquive-se.
Demais providências necessárias e de praxe.
Com excesso de prazo ante os processos com Meta 2, a cumulação com a jurisdição comum e a complexidade do feito, que envolve quase 1000 páginas.
Sousa-PB, em 12/02/2010.
Henrique Jorge Jácome de Figueiredo - Juiz Eleitoral

PS: Agradeço ao Juiz Henrique Jácome o envio para divulgação da sentença.

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