segunda-feira, 15 de março de 2010

Carta Aberta aos Magistrados Brasileiros

"Diversidade deve compor unidade, não o inverso"

Sob o título "Carta Aberta aos Magistrados Brasileiros", o juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, de Recife, escreveu o texto abaixo, que trata, entre outros temas, da questão das férias dos magistrados -cujo debate foi ampliado a partir de declarações do presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso,_ e da expectativa criada com a sucessão no comando do STF.
Segundo o juiz, "se os companheiros aguardam por mudanças significativas no governo da alta cúpula do Judiciário Nacional pela razão de que o seu prócer é um Juiz de carreira, vão logo esquecendo o assunto para não se decepcionarem em demasiado".
Eis a íntegra da "Carta Aberta":

Caros colegas Magistrados, paz e bem:

Nossas principais Associações de Classe (AMB, ANAMATRA, AJUFE) lançaram em nota oficial conjunta um repto ao futuro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, há pouco eleito pelos próprios pares.

O desafio reside na manifestação defendente ao duplo período de férias regulamentares para a Magistratura Nacional, haja vista que, entrevistado, o referido Ministro declarou que não se esforçaria para proceder com igual defesa.

Posso vir a ser indiferente à questão das férias, e de fato o sou, mas tampouco sou ignominioso o bastante para conspirar contra os interesses da categoria a que pertenço pelo simples fato de que em algum ponto de nossas lutas, ela vá simplesmente defender uma migalha corporativista contra a contundência da crítica social que não pode compreender 60 dias de férias para os Magistrados, além de um período de recesso de final de ano.

Mesmo no passado, quando sustentei um Mandado de Segurança contra uma liminar (auxílio moradia) que se nos havia sido concedida aos Juízes Federais, às caladas, e que era flagrantemente ilegal e da qual nos locupletávamos, quis apenas defender a minha independência funcional, porque eu não teria autoridade moral para negar a terceiros (jurisdicionados) o que eu e tantos mais, ilicitamente, vínhamos por essa via percebendo, haja vista os arranjos políticos de alcova então empreendidos para isso. Fui incompreendido. Até me expulsaram como que dos quadros associativos de onde permaneci afastado por vários anos. Afastado, mas não alheio à nossa realidade e às mazelas pelas quais passamos.

Os tempos, agora, são bem outros. Mas, a correlação de forças políticas para a obtenção de ganhos profissionais não parece ter se alterado muito, creiam-me.

Mais perigoso do que a sanha desordenada da opinião pública contra o que ela julga "privilégios" da Magistratura e com o que fazem coro os políticos da hora para tirar proveito do cenário de horrores e de deturpações é, sem dúvida, a “ditadura do Judiciário” com a qual temos de conviver todos os dias, inapelavelmente.

Greve? Nem pensar. Pois, se ousamos lançar mão de uma estratégica tão radical e socialmente grave, além de em tudo incompatível com as nossas atribuições funcionais específicas, vamos sujar as mãos perante a sociedade para favorecer justamente aqueles que, em nosso próprio meio, se nos execram impiedosamente, com exceção dos áulicos, dos apaniguados e dos ainda hoje "filhores da ditatura", como diria o gênio político de Leonel Brizola que os gaudérios e os cariocas conhecem muitíssimo bem.

Compreendo a angústia dos companheiros e a respeito muito. Todavia, vejo um pouco além os acontecimentos. Talvez por já ter sofrido tanto. Nunca me queixei do sofrimento, porque ele cura as nossas mazelas. A dor eleva e, embora faça sofrer, apura o espírito e nos posiciona ao caminho das construções, diria mesmo mais sutis e definitivas, realmente consubstanciais ao enredo a que estamos submetidos como profissionais do Direito e agentes políticos da República.

A exacerbação do debate sobre as férias - observem que eu não estou nem depreciando a causa e nem desvalorizando a luta - pode nos transformar em "sindicalistas". Isso não é bom, porque nos dissipa a respeitabilidade social que nos é devida em face de nossas imensas responsabilidades.

Por isso mesmo, espero que essa campanha se desenvolva com ponderação. E, acaso ocorra, não encontrará em mim um opositor, nunca, nem um entusiasta, tampouco.

Por fim, não devemos nos iludir com a condição pretérita do novo Presidente do STF. Como Juiz de carreira, temos inúmeras afinidades com ele. No entanto, não é segredo para ninguém que os fatores que o catapultaram para os quadros da Suprema Corte, em que pese os seus inúmeros méritos pessoais, assim como a todos os que lá assentam, não são determinados por isso.

A imponderabilidade dos jogos políticos é que superintende a aventura de nomear candidatos ao STF. Sei disso porque no passado participei de uma dessas campanhas e pude enxergar claramente de como o processo é montado e executado. Diria aos colegas que não é uma trajetória que orgulhe a ninguém de boa vontade. Não atrai glória alguma, embora permita acumular uma experiência extraordinária e impactante que, em certo sentido, talvez melhor fosse que não a amealhássemos em nosso histórico.

Ademais, um analista isento da cena política lembrar-se-ia de que, não faz muito, o ainda atual Presidente da Suprema Corte criou um instituto a que denominou de "Equipe de Transição" (Resolução nº 405/09), como se o exercício da jurisdição fosse um mandato eleitoral, no sentido clássico da expressão, marcado pelo partidarismo. Ora, na ausência de troca de orientação partidária, qual será a idéia de uma "Equipe de Transição", a despeito do que declarado no documento, senão a de produzir uma interface favorável à manutenção de uma certa lógica continuísta na gestão do órgão de cúpula do Judiciário Nacional?

Pois, é exatamente o que mais me preocupa nos instantes da transição da qual estamos todos ocupados no momento. Se os companheiros aguardam por mudanças significativas no governo da alta cúpula do Judiciário Nacional pela razão de que o seu prócer é um Juiz de carreira, vão logo esquecendo o assunto para não se decepcionarem em demasiado.

Por maior que seja a boa vontade de um agente público do tipo, e ainda que a sua eleição, no contexto administrativo apenas, evite as disputas intestinas na salvaguarda do órgão a que passa a presidir, o mesmo não se pode dizer do caminho que se teve de percorrer para ali chegar.

Isso faz toda diferença e é saudável, do ponto de vista democrático e participativo, que tenhamos assistido alguns dos mais emblemáticos episódios de arenga pessoal entre Ministros assentados no Supremo. Considero isso um avanço institucional e também histórico, porque um órgão colegiado não existe, senão pela razão da multiplicidade de opiniões, idéias, sentimentos e vontades, e que tudo isso possa resultar transparecido à sociedade.

Desse modo, a diversidade é que deve compor sua unidade, e não o inverso.

Desgraçadamente, desconfia-se que esta última hipótese corresponda exatamente à lógica do sistema político, ainda atualmente. O que torna o debate estritamente corporativo inteiramente inócuo e desproporcional às emergências que nos reclamam posição e atitude coerente com os paradigmas dos quais estamos revestidos pela razão de nossas investiduras.

Cordialmente,

Roberto Wanderley Nogueira
JF/Recife


Fonte: Blog do Fred

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