quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ELIO GASPARI versus GILMAR MENDES

ELIO GASPARI



Juracy@edu para Gilmar.Mendes@org


Ministro, não barateie a biografia alheia, fica-lhe mal repetir motes da vulgata esquerdista



ILUSTRE ministro Gilmar Mendes,
Faz quase 50 anos. Designado embaixador em Washington, dei uma breve declaração, com a qual a esquerda fustigou-me durante muito tempo, tachando-me de entreguista: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".
O senhor escreveu na "Folha de S.Paulo" que eu disse isso porque estava "entusiasmado pelo estilo de vida dos "irmãos do Norte".
Não barateie biografias alheias, ministro, nem tome licenças com a minha. Fui tenente revoltoso em 1930, governador da Bahia, presidente da Petrobras e da Vale, senador, ministro das Relações Exteriores e da Justiça.
Não lhe fica bem repetir a vulgata esquerdista, sobretudo quando o senhor dispõe de meios para ilustrar-se. Peça à biblioteca do Supremo Tribunal Federal um exemplar do livro "Juracy Magalhães - O Último Tenente". Nele encontrará um depoimento que dei ao jornalista José Alberto Gueiros. À página 325 lerá que, antes da minha partida para Washington, um repórter perguntou "com que espírito eu iria assumir esse cargo".
Respondi:
"O Brasil fez duas guerras como aliado dos Estados Unidos e nunca se arrependeu. Por isso eu digo que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".
A primeira parte da resposta foi esquecida. Nunca fui o pacóvio que a esquerda propalou, e o senhor macaqueou. Cito-me, para colocar as coisas no lugar:
"Se o regime democrático é bom para os Estados Unidos, é claro que também é bom para o Brasil. Se a liberdade de pensamento faz bem aos Estados Unidos, não faz mal ao Brasil. (...) Em suma: as coisas boas da América do Norte são também muito boas para nós. Não falei do que é mau, nocivo ou vicioso. A frase foi: o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Eu nunca disse: o que é bom para a União Soviética também é bom para o Brasil, porque aí estaria condenando meu país a um despenhadeiro."
Falo-lhe com um passado de quem não aceitou a ditadura de 1937 e apoiou a de 1964. A esquerda deu um sentido absolutista às minhas palavras, falseando-as. Frases que saem do nada ou adquirem sentido estranho ao contexto são comuns. O general De Gaulle nunca disse que "o Brasil não é um país sério". Talvez o senhor se lembre de uma declaração do marechal Costa e Silva ao embarcar para o exterior, em 1966, com a candidatura a presidente já lançada: "Vou ministro e volto ministro". Parecia um desafio ao marechal Castello Branco. Coisa alguma. Omitiu-se a pergunta do repórter: "O senhor vai ministro e volta candidato?"
Aproveito para comentar sua desenvoltura vocabular. Em outubro, em Foz do Iguaçu, o senhor deu uma entrevista à CBN e disse o seguinte a respeito da aprovação da Lei da Ficha Limpa pelo Parlamento:
"O Congresso estava de cócoras. Por quê? Porque não queria discutir isso racionalmente, porque ninguém queria se dizer contra a Ficha Limpa".
Entendo seu raciocínio. O Congresso sentiu-se pressionado, mas isso é do jogo. O Aurélio Buarque de Holanda, a quem consultei, lembrou-me que "de cócoras" fica-se como as "rãs, a desempenhar lastimoso papel".
Dê um trato à qualidade de suas referências históricas e um polimento a sua prosa, pelo menos quando se referir a um poder republicano.
Atenciosamente,
Juracy Magalhães

Fonte: Folha de Sâo Paulo 17/11/2010

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