sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Participação de juízes na composição do STF é decrescente

É indiscutível a crescente importância do Poder Judiciário na vida pública do país. A participação de magistrados nas questões mais relevantes não tem, contudo, correspondido ao grau de atenção à nomeação de ministros para o Supremo Tribunal Federal, o ápice da hierarquia judicial.
O modelo de indicação brasileiro é bastante semelhante ao adotado pelo sistema constitucional norte-americano. Os ministros são indicados pelo Presidente da República, mas devem ter seu nome confirmado pelo Senado. Nos Estados Unidos, esse procedimento está longe de ser meramente simbólico. Ao contrário, cada indicação implica negociações, mobilização da opinião pública e dos meios de comunicação, levantamentos sobre a vida, a carreira e a obra do candidato, lobbies e toda sorte de pressões, quer a favor quer contra a indicação. Não é, pois, casual que este processo possa consumir meses até que se chegue à aprovação final.
O Senado funciona como uma caixa de ressonância da sociedade, recolhendo e confrontando opiniões e expectativas. Em consequência, o nome escolhido carrega consigo uma áurea de legitimidade constitucional e democrática.
Para ilustrar, bastaria lembrar, dentre outras dezenas de situações, o que ocorreu em 2005, quando da aposentadoria da primeira mulher a compor a Corte Suprema dos EUA. O então presidente George Bush, contrariando preferências da sociedade a favor de que a vaga coubesse a uma mulher, hispânica, anunciou o nome de John Roberts, um juiz conservador, particularmente em relação a questões concernentes ao aborto. Imediatamente, manifestações públicas, especialmente de grupos feministas e de favoráveis ao direito da mulher de fazer suas escolhas quanto à interrupção ou não da gravidez ocuparam as manchetes, as ruas e espaços públicos. O embate ganhou ainda maior vulto com o falecimento do ministro Renhquist, que estivera na Suprema Corte desde 1972 e na posição de presidente desde 1986. A existência simultânea de duas vagas e a nomeação do preferido do Executivo para a presidência da Corte, antes mesmo de sua aprovação pelo Senado, acirrou a disputa, transformando-a em tema prioritário, exacerbando posicionamentos.
Ainda que as comparações devam ser feitas com cuidado, não apenas devido à maior longevidade da democracia norte-americana, mas também porque lá o sistema bipartidário distribui com maior clareza as tendências ideológicas, é indubitável que o procedimento de escolha de ministros para o Supremo, entre nós, ainda não alcançou a dimensão de uma questão com capacidade de ultrapassar as fronteiras palacianas e círculos especializados.
Como se sabe, o Senado brasileiro tem cumprido o seu papel de forma estritamente ritualística. O sintomático deste comportamento, que transforma seu dever constitucional em mera formalidade, não é o fato de ter rejeitado apenas um nome em toda a sua história, mas, sobretudo, a qualidade ou o teor das discussões que antecedem a aprovação.
Não se conclua, contudo, que esse cenário seja marcado pelo mero acaso. Ao contrário, é possível apreender uma lógica e uma estratégia na composição dos integrantes de nossa Corte Suprema. Frederico Almeida, em tese de doutorado denominada “A nobreza togada — as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil” mostra como se constitui um campo político da justiça representado pelo espaço social de posições, capitais e relações. No caso das elites institucionais, isto é, das posições de cúpula das instituições de administração da Justiça estatal, o papel das faculdades de Direito é fundamental na formação e na hierarquização dos grupos profissionais no interior do sistema de Justiça. O diferente peso das escolas em que se formaram os 162 ministros do Supremo Tribunal Federal desde 1981 até 2011 pode ser constatado na tabela abaixo:























A liderança da USP e em seguida da UFPE podem ser, em grande medida, explicadas pela antiguidade dessas escolas, as primeiras a serem criadas no país. O peso delas, entretanto, permanece alto mesmo depois da proliferação de Faculdades de Direito. É também extraordinária a presença de instituições públicas quando contrastadas com as privadas: do total de 161 ministros, 155 (96%) são provenientes de faculdades públicas. Esse dado é ainda mais significativo quando se sabe que desde os anos 1970 as instituições privadas ultrapassaram largamente em quantidade o número total de escolas de Direito.
Essa distribuição de ministros por escolas de formação, como expõe a tabela, sugere que aumenta a probabilidade de uma indicação para a cúpula do Judiciário quando sua graduação se deu em uma faculdade de prestígio. Ou, em outros termos, que ministros provêm, em sua extensa maioria, de uma elite constituída pelos formados nas escolas públicas mais tradicionais.
Quando se examina a carreira de origem dos ministros, também é possível verificar tendências. Essa informação está sistematizada na tabela abaixo:


Fonte: CONJUR, 2011
Observa-se que entre 1945 e 2011 é claramente decrescente a participação de ministros oriundos da magistratura. Eles representavam a metade no período democrático de 1945 a 1963 (8 em um total de 17), caíram para 30% no regime militar e para 20% na redemocratização, de 1989 até hoje. Já a advocacia que apresentava um percentual de 50% entre 1945-63 cresceu para 64% entre 1964 e 1988 e retornou para a metade (50%) no período de 1989 a 2011, formando sempre o grupo predominante. Quanto ao Ministério Público, sua participação que era de apenas 9% durante os anos de 1964 a 1988 aumentou para 30% entre 1989 e 2011.
Essas informações podem ser completadas, com a discriminação da função exercida antes da nomeação para o STF.


Fonte: CONJUR, 2011
A diferença entre o número total de ministros com origem na magistratura e a soma do número de desembargadores e ministros do TFR/STJ se deve ao fato de que dos 24 desembargadores, seis não tiveram carreira no Poder Judiciário, mas no Ministério Público ou na advocacia antes de ingressar em tribunais (por exemplo, os ministros Ellen Gracie e Lewandowski). O mesmo ocorre no caso de ministros oriundos do TFR/STJ (por exemplo, os ministros Mário Velloso, Ilmar Galvão).
A proporção de ministros do STF com passagens pelo serviço público não judiciário é dominante em todos os períodos. É relativamente constante a presença de ex-ministros de Estado. O percentual de ministros que exerceram atividade política (deputados, senadores, prefeitos governadores) bastante elevada durante o regime militar foi muito reduzida após a redemocratização, sendo notável que desde 2008 nenhum dos integrantes da Corte passou por cargos políticos.
Muitas hipóteses poderiam ser formuladas com base nessas informações. Certamente, elas contribuíram para a discussão sobre a forma de constituição dos integrantes do Supremo. Ao que tudo indica, a ausência de um debate público tem fortalecido o Executivo. Suas indicações têm consolidado um modelo de prevalência de integrantes com carreira externa à magistratura. A força política do Judiciário pós Constituição de 1988 e seu consequente protagonismo são motivos mais do que suficientes para que a indicação de ministros para o STF passe a ocupar um lugar de destaque na pauta de um número maior de cidadãos.

Maria Tereza Sadek é doutora em ciência política, professora do Departamento de Ciência Política da USP e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de setembro de 2011

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