segunda-feira, 28 de julho de 2008

Na canetada não!


“Quem escandaliza um sequer destes pequenos
que vem a mim faria coisa melhor
se pendurasse uma pedra de moinho no pescoço
e se atirasse no profundo do mar.
Cuidado em desprezar um destes pequenos
porque eu vos asseguro que os anjos deles no céu
contemplam continuamente o rosto de Deus”
(Mt. 18,6-10).

Preocupa-me a forma como vem sendo discutida pela imprensa e pelo parlamento brasileiro a proposta de redução da maioridade penal. O tema voltou à tona após o bárbaro assassinato do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, do qual participou um menor de idade.

O crime chocou a todos nós, seja pela forma cruel e desumana, seja pela sensação de impunidade. Leva-nos a uma reflexão acerca das origens, das causas e conseqüências da violência e da criminalidade em nossa sociedade. Cada cidadão indignado pergunta o que se fazer.

Diante dessa realidade atual de nosso país, é difícil encontrar formas milagrosas para resolver o problema, no entanto, não podemos aceitar que nos apresentem e defendam soluções legislativas de impacto, que se mostram, a priori, como solução de todos os problemas, mas que na realidade não surtirão os efeitos que a população deseja.

Uma dessas propostas milagrosas é da redução da maioridade penal, de 18 anos para os 16 anos de idade. Pesquisa realizada pelo Datafolha, no ano de 2004, mostrou que 84% da população brasileira apoiavam a redução da maioridade penal (Folha de São Paulo, 01.01.2004).

Casos chocantes de violência não devem nos conduzir, por si só, a mudanças legislativas. È preciso cautela nesses momentos. Faz-se necessário um estudo aprofundado do impacto dessa medida em nossa sociedade. Na maioria das vezes a mudança na lei serve apenas para fins de dar uma satisfação à população, servindo mais como fraude e engodo do que como solução definitiva.

Os proponentes da redução da maioridade penal apresentam-na como solução dos nossos males, da violência juvenil e da criminalidade, mas na verdade a experiência tem mostrado que mudar as leis, sem que se mudem as práticas administrativas, não nos traz vantagens, servindo apenas como reformas paliativas numa situação crônica.

O cidadão comum precisa entender que os políticos propositores da redução da maioridade penal e os meios de comunicação que endossam esta idéia, procuram desviar a atenção da sociedade das verdadeiras causas da violência e da criminalidade, que são a exclusão social, a falta de empregos para os jovens, a péssima qualidade da educação, o desprezo com a saúde e o sucateamento da segurança pública. Não é proveitoso para “os donos do poder” mexer no estado das coisas, sendo-lhes mais oportuno e eficiente o desvio de foco do real problema, com simples mudança da lei e a promessa fraudulenta de que todos os nossos problemas acabaram.

Foi assim também ao tempo em que se criou a Lei dos Crimes Hediondos (Lei no. 8.072, de 25 de julho de 1990). À época saudada como solução para os graves problemas da criminalidade em nosso país, com constantes seqüestros e homicídios. Passados mais de dezesseis anos de sua implantação, uma pesquisa do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delitoe Tratamento do Delinqüente (Ilanud) mostra que, no período de 1993 a 2003 o número total de homicídios registrados no estado de São Paulo saltou de 9.219 para 13.903. Ou seja, houve um aumento de 50,8% no número de homicídios, enquanto que, no mesmo período, a população cresceu 16,7%. Conclui-se assim, que não basta lei apenas, faz-se necessárias políticas públicas de inclusão social para revertemos o trágico quadro da (in)segurança pública nacional.

Se observarmos bem, o problema da violência no Brasil é cotidiano. Todos os dias se registram casos de violência que se apresentam de várias formas, ação de grupos organizados, milícias urbanas, organização para o tráfico de drogas, assaltos a banco, roubo de cargas, etc. Mas só quando um crime nos choca profundamente é que nos revoltamos contra a situação. É importante também notar que, após esse trágico homicídio, muitos outros continuam a acontecer diuturnamente, mas não dão notícia, pois não servem para o alarde sensacionalista da imprensa, que com isso força os nossos legisladores midiáticos a seguirem a opinião pública inflamada pelo sensacionalismo da grande mídia.

A sociedade grita, exige das autoridades providências, mas, ao invés de agir, é preferível criar artifícios para ocultar a realidade. É isso que tentam fazer alguns parlamentares em associação com determinados meios de comunicação que apresentam para a sociedade a solução de todos os seus problemas com a redução da maioridade penal.

Não é através da canetada que se vai resolver o problema da criminalidade no Brasil. A solução passa bem longe da alteração legislativa. Não seria mais oportuno cumprir a lei já existente, ao invés de mudá-la? Um exemplo claro é o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que prever a criação de Conselhos Tutelares. No entanto, o que vemos é falta de implantação em muitos municípios deste órgão, ou nos município onde foi implantado não se tem condição de trabalho adequada para assistência aos menores, não há veículos, não existem programas para a juventude, visando garantir oportunidades e perspectivas de futuro digno para as nossas criança e jovens.

A maioridade penal estabelecida em 18 anos é uma garantia para nossos filhos, não para a minoria marginal. Visa-se com isso a proteção do jovem, para que não seja mandado para um presídio ao cometer um erro grave, mas sim que lhe seja aplicada uma medida sócio-educativa, visando corrigi-lo de seus erros e reeducá-lo para a sociedade. Se o Estado não tem sido responsável em implementar programas adequados para essa reeducação, não pode agora, furtando-se de sua responsabilidade, querer marginalizar nossa juventude.

A grande mídia procura generalizar casos de violência localizada e infundir na consciência popular a falsa idéia de que temos um país feito de delinqüentes juvenis, quando na realidade tal visão é completamente desmentida pelos estudos e pesquisas realizadas.

Segundo dados do ILAND – Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente – os crimes realizados por adolescentes não atingem 10% dos crimes praticados no Brasil e de todos os atos infracionais praticados por adolescentes, somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande maioria dos atos infracionais (cerca de 75%) são contra o patrimônio, sendo que 50% são furtos.

Um levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, divulgado no final de 2003 pelo jornal “Folha de São Paulo” mostrou que os adolescentes são responsáveis por apenas 1% dos homicídios praticados no estado e por menos de 4% do total de crimes.

Alguns países que reduziram a idade penal há quatro anos, como a Espanha e Alemanha, verificaram um aumento da criminalidade entre os adolescentes. Atualmente, 70% dos países do mundo estabelecem a idade penal de 18 anos. Idade esta definida como adequada para a maioridade penal em Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989, da qual o Brasil é país signatário.

Não podemos nos quedar a tentativa da classe dominante em retirar direitos de nossos jovens, impondo-lhes mais obrigações. Não é demais lembrar de que toda vez que o Estado se mostra incompetente em solucionar uma situação, há uma busca pela reforma legislativa. E é contra isto que devemos lutar, não contra nossos jovens.

É certo que muitos dirão que é um absurdo um menor cometer um crime grave e ser internado por no máximo 03(três) anos. Nesse ponto comungo com o ideal de justiça da grande maioria da sociedade. Por isso, defendo que, ao invés de se reduzir a maioridade penal, seja reformado o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 121, para que se permita um o aumento do período de internação de adolescentes infratores que cometam crimes graves e com violência contra a pessoa. Por isso, creio que a possibilidade de período de até 10(dez) anos para internação de adolescentes infratores seria mais viável e adequada do que a redução da maioridade penal.

Defendo essa proposta, pois entendo que conciliaria a sociedade. De um lado o direito humanitário dos nossos jovens de serem tratados de forma diferenciada, por serem pessoas em formação, de outro, o direito de segurança da sociedade, consistente na punibilidade eficaz dos menores infratores, ou pelo menos que não sejam punidos de forma tão mais leve que adultos em iguais condições.

Não é demais advertir a todos que a redução da maioridade penal é mais uma das artimanhas utilizadas por políticos que representam a elite brasileira, na procura de se livrar dos problemas ao invés de resolvê-los. Querem com isso encaminhar jovens sem oportunidades para as masmorras da vida e com isso se verem livres de ter de dividir a mais-valia.

Atentai bem sociedade brasileira. Precisamos encontrar respostas que nos tragam melhoria social e não endurecer a já dura vida de nosso povo brasileiro, especialmente daqueles que sequer ainda tiveram uma oportunidade na vida.

Não devemos ser partidários do crime ou do criminoso, mas não devemos aceitar que os excluídos sejam marginalizados por pecados que não lhes são somente seus.

Cajazeiras-PB 08 de março de 2007.

Edivan Rodrigues Alexandre
Juiz de Direito
Titular da 4ª. Vara de Cajazeiras

Um comentário:

Abraão Vitoriano disse...

Edivam sempre com uma opinião consciente, desse jeito vou o eleger a presidente...(risos)
Abraços!