sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Secretário da Reforma do Judiciário pede novo ‘pacto republicano’

02 janeiro 2015 | 05:00

Flávio Crocce Caetano diz que dez anos depois da Emenda 45, morosidade ainda desafia Justiça com 100 milhões de ações em curso

Por Julia Affonso e Fausto Macedo

Os principais desafios da Judiciário brasileiro são a morosidade, o excesso de litigiosidade e a falta de acesso à Justiça. A avaliação é do secretário da Reforma do Judiciário, Flávio Crocce Caetano. Segundo ele, atualmente, um processo judicial demora, em média, 10 anos para ser julgado, ‘contrariando o conceito de que a Justiça deve ser contemporânea aos fatos’.

Em dezembro de 2004, ancorado no Pacto Republicano entre os Poderes, o então presidente Lula promulgou a Emenda Constitucional 45, batizada como “Emenda da Reforma do Judiciário”. Em entrevista ao Estado, o secretário faz um balanço dos últimos 10 anos da reforma e o que efetivamente mudou no Judiciário. “Para melhorar a prestação jurisdicional deve haver um novo Pacto Republicano entre os Poderes”, propõe Flávio Crocce Caetano.

Flávio Caetano. Foto: Ministério da Justiça

Flávio Caetano. Foto: Ministério da Justiça

Para ele, uma medida importante é a universalização do atendimento pela defensoria publica. Prega a institucionalização dos meios alternativos para a solução de conflitos – mediação, conciliação e arbitragem. Também defende modificações legislativas alcançando o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, além do uso de mecanismos de gestão administrativa de processos e a implementação nacional do processo judicial eletrônico.

Flávio Crocce Caetano é advogado, professor de Direito Administrativo e Direitos Humanos da PUC/SP, universidade pela qual é mestre em Direito Administrativo e doutorando em Direito Constitucional.

ESTADÃO: Quais são os desafios da Justiça brasileira hoje?

FLÁVIO CROCCE CAETANO: Os principais desafios são: a morosidade da justiça, o excesso de litigiosidade e a falta de acesso à Justiça. Um processo judicial demora, em média, 10 anos para ser julgado, contrariando o conceito de que a justiça deve ser contemporânea aos fatos. Temos um número astronômico de processos judiciais, próximo a 100 milhões, o que daria um processo para cada dois brasileiros. Com esta avalanche processual, os juízes conseguem dar vazão a apenas 30%, aumentando, ano a ano, o estoque do passivo processual. E ainda falta acesso à Justiça em nosso país. O INAJ – Índice Nacional de Acesso a Justiça – mostra que 14 estados brasileiros estão abaixo da média em relação ao acesso à justiça, isto porque temos uma profunda deficiência na defensoria pública, com apenas 1/3 dos defensores que seriam necessários. Para melhorar a prestação jurisdicional deve haver um novo Pacto Republicano entre os Poderes, tendo como principais medidas a universalização do atendimento pela defensoria publica, a institucionalização dos meios alternativos para a solução de conflitos – mediação, conciliação e arbitragem, as modificações legislativas (CPC e CPP), o uso de mecanismos de gestão administrativa de processos e a implementação nacional do processo judicial eletrônico.

ESTADÃO: O que efetivamente mudou nesses 10 anos de reforma? O acesso à Justiça em 2014 é maior do que em 2003, quando a Secretaria foi criada?

CAETANO: Com a Emenda Constitucional 45, consolidaram-se os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, fortaleceu-se a Defensoria Pública, instituíram-se a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral e foi consagrado o direito fundamental à duração razoável do processo. De fato, houve maior acesso à justiça neste período, mas os números do Atlas do Acesso à Justiça (www.acessoajustica.gov.br) consolidados no INAJ – Índice Nacional de Acesso a Justiça – mostram que a falta de acesso à justiça ainda é um problema em nosso país, com uma profunda diferença regional, pois Norte e Nordeste tem exatamente a metade do acesso à justiça de Sul, Sudeste e Centro-Oeste, comprovando-se que a população mais pobre tem menor acesso à justiça. Isto precisa urgentemente ser mudado, com mais investimentos em defensoria pública e com incentivos a práticas de advocacia solidária.

ESTADÃO: A Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM) foi criada em 2012 para ajudar na conciliação, negociação e outras formas consensuais de solução de conflitos. Quais êxitos ela já teve? Quais problemas vêm enfrentando?

CAETANO: Embora seja uma política nova, a ENAM vem estabelecendo importantes parcerias com instituições do sistema de justiça, como Ministério Público, Tribunais, Defensoria Pública e OAB. Com isso, foi possível desenvolver material pedagógico para os cursos da Escola, como os Manuais de Mediação que estão sendo lançados para advogados e membros da Defensoria Pública e do Ministério Público. Em 2014, foram oferecidos cursos de capacitação para representantes de empresas; curso de resolução de conflitos coletivos; e capacitação para agentes que atuam no Projeto Justiça Comunitária. Em 2013, também foram capacitados servidores do judiciário em Mediação Judicial. No total, já foram ofertadas mais de 9 mil vagas em cursos de capacitação sobre mediação e negociação para os mais variados atores do sistema de justiça.

ESTADÃO: Por que setores da Justiça ainda resistem tanto a mudanças?

CAETANO: As diversas instituições que compõem o sistema de justiça estão bastante receptivas à mudança, na verdade. Isso ficou evidente com o grande interesse das instituições tanto nos cursos da ENAM como na participação na Estratégia Nacional de Não Judicialização- ENAJUD. A SRJ mantém um bom diálogo com a Justiça, que vem sendo parceira em diferentes projetos. A ENAJUD, principalmente, mostrou que há o reconhecimento das instituições sobre os maiores problemas da Justiça e também vontade para resolvê-los.

ESTADÃO: Uma das saídas para ajudar na solução de litígios seria a criação de Conselhos Estaduais de Justiça? Por quê?

CAETANO: Acreditamos que, a exemplo do que tem sido as atuações exitosas do CNJ e do CNMP, são sempre bem-vindas as iniciativas que buscam aperfeiçoar a gestão e o planejamento estratégico das instituições. Não podemos perder de vista a centralidade do CNJ na qualidade de instância nacional de controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, criada por força da Constituição Federal. A ideia de criação de Conselhos Estaduais de Justiça é inovadora e polêmica, merecendo ampla discussão entre os atores do sistema de justiça, dos demais Poderes e da sociedade civil para sua eventual implantação.


Fonte: Estadão 

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