terça-feira, 30 de dezembro de 2014

'Há um excesso de prisões, às vezes desnecessárias'


JULIA DUAILIBI - O Estado de S.Paulo 

28 Dezembro 2014 | 02h 02 

Novo chefe da Segurança diz que 'prende-se mal no Brasil', defende parcerias com a guarda municipal e é favorável à 'Rota na rua'

Hélvio Romero/Estadão

'Há um excesso de prisões, às vezes desnecessárias', diz Alexandre de Moraes, novo Secretário Estadual da Segurança Pública de Sâo Paulo.

O novo secretário estadual de Segurança, o advogado constitucionalista Alexandre de Moraes, de 46 anos, diz que "prende-se mal" no Brasil e há um "excesso de prisões, às vezes desnecessárias". "Você não pode aplicar uma outra pena, uma prestação de serviços, uma restrição séria com tornozeleira? Precisa encarcerar o estelionatário reincidente que não praticou nenhum crime violento contra a pessoa? A legislação acaba forçando prisões em excesso", afirmou, em entrevista ao Estado.

Moraes, que atuou como promotor de Justiça entre 1991 e 2002, defende uma mudança no policiamento preventivo, a criação de varas de combate ao crime organizado e parcerias com guardas municipais para lidar com o déficit de efetivo das polícias. Diz ser a favor da "Rota na rua" e contra a descriminalização das drogas.

Ele assume o lugar de Fernando Grella Vieira em 1.º de janeiro, quando toma posse a nova equipe do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Os casos de roubo crescem no Estado há 18 meses. Como pretende reverter essa situação?

Estou analisando os dados, conversando com as Polícias Civil e Militar. Mas algumas coisas empiricamente são fáceis de notar. Primeiramente, é necessária uma mudança na forma de policiamento preventivo, porque não há dúvidas de que o crescimento da classe média aumenta o consumo e, aumentando o consumo, acaba havendo uma tendência de avanço nos crimes contra o patrimônio. Basta ver que bairros mais periféricos têm um número elevadíssimo de roubos de celulares. Isso não é algo para ser visto como normal, mas explica alguma coisa.

Há um déficit de cerca de 5 mil homens na PM hoje. O senhor pretende tirar o policiamento do centro para levar à periferia?

Hoje o policiamento não se faz só no centro expandido. Se faz também na periferia. O cobertor é curto? É, em todas as áreas, no País todo. Mas nós vamos trabalhar com o cobertor que temos. A Polícia Militar tem 93 mil homens. Vamos otimizar os recursos, analisar a questão de escala de alguns batalhões e fazer uma atuação coordenada da PM com a Guarda Civil Metropolitana. Já conversei com o secretário (municipal de Segurança Urbana) Roberto Porto. São Paulo tem de 6 mil a 7 mil homens da GCM. Havendo um trabalho coordenado, incrementamos mais 6 mil homens na segurança.

Por que nos últimos anos São Paulo protagonizou embates com o governo federal na área de segurança pública?

Não posso me referir ao passado. Em janeiro, estarei com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Vamos buscar o apoio da Polícia Rodoviária e da Polícia Federal.

Por que Grella não conseguiu melhorar as estatísticas?

Doutor Grella fez um ótimo trabalho. Ele fez uma mudança de mentalidade e alterou vários índices, como de homicídios. Grella mostrou que é possível firmeza na segurança pública e absoluto respeito aos direitos humanos.

O ex-secretário Ferreira Pinto diz que o Estado romantiza o poder das facções criminosas para encobertar ineficiência em outras áreas, como no combate aos crimes contra o patrimônio.

Eu não comento frases de outros secretários. Para o combate ao crime organizado, temos de atuar com inteligência. Não se combate o crime organizado com força bruta. Isso se faz com mais informação.

O senhor é a favor das escutas nos presídios?

A ideia que o governador defende é bloquear os celulares nos presídios. Com isso, não há necessidade de escuta.

Em entrevista ao Estado, o comandante-geral da PM, Benedito Roberto Meira, disse que o Estado não controla os presos e que serão instalados apenas 20 bloqueadores em um universo de 164 presídios. 

Isso, talvez, até o fim do comando do coronel, que já está se encerrando (ele se aposenta em fevereiro). Os bloqueadores são mais um passo no combate à criminalidade organizada, assim como o maior controle interno dos agentes penitenciários, as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça e os mecanismos modernos de rastreamento de dinheiro.

O senhor destaca a importância da inteligência, mas em São Paulo nem 2% dos crimes são solucionados.

Isso é outro problema crônico que existe não só em São Paulo, mas no Brasil. A nossa ideia nisso, e espero contar com o apoio do Tribunal de Justiça e da Procuradoria-Geral, é atuar nos dois grandes polos. Temos de conseguir implementar um contato direto Polícia-Judiciário para resolver os crimes sem violência. Aí investir no segundo polo, a criminalidade organizada, criando varas de crime organizado para darmos uma resposta mais rápida.

Os EUA enfrentam manifestações por causa da morte de negros pela polícia. Em São Paulo, estudos mostram que os negros são a maioria das vítimas da polícia. A polícia é racista?

O racismo é uma chaga que também deve ser banida da sociedade. Em virtude da nossa miscigenação maior, é um racismo disfarçado, o mais difícil de combater. Isso vai ser uma prioridade.

O senhor é a favor da descriminalização das drogas?

Nossa legislação, após alterações, é bem avançada. Ao usuário de drogas a resposta legal não é mais o encarceramento, não é mais a prisão, é o tratamento. A resposta ao traficante é que deve ser dura.

A Rota deve ir para a rua?

(Risos) Acho que a polícia inteira, não só a Rota. Vamos otimizar a presença na rua para garantir uma sensação de segurança maior.

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos. A violência no País, porém, continua alta.

Se formos pegar as estatísticas, no Brasil o encarceramento é muito grande por crimes não violentos: furto, tráfico de entorpecentes. Deve haver uma alteração na Lei de Execuções Penais, que é de 1984.

Prende-se demais?

Prende-se mal. A legislação acaba direcionando para um excesso de prisões, às vezes desnecessárias. Você precisa encarcerar um reincidente em estelionato? Precisa punir o reincidente em estelionato. Você não pode aplicar uma outra pena, uma prestação de serviços, uma restrição séria com tornozeleira? Precisa encarcerar o estelionatário reincidente que não praticou nenhum crime violento contra a pessoa? A legislação acaba forçando prisões em excesso.

São Paulo tem uma das polícias que mais matam no País. Como reverter isso?

Isso se resolve com operações prévias de inteligência para se evitar a necessidade do embate.


Fonte: Estadão 

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