terça-feira, 16 de junho de 2009

A crise é do Senado, não é minha’, diz José Sarney

A reputação de um político corresponde à soma dos palavrões que ele inspira nas mesas dos botecos.

Alvo dos mais desairosos comentários, José Sarney subiu à tribuna. Falou muito. Mas o disse pouco, quase nada.

Tomado no seu conjunto, o discurso (íntegra aqui) rende, no máximo, material para um epitáfio. Uma lápide inspirada no Barão de Itararé:

“Aqui jaz um brasileiro que viveu às claras, aproveitando as gemas e sem desprezar as cascas”.

No exercício de sua terceira presidência, Sarney teria bons motivos para avocar para si a responsabilidade pela crise, um pedaço que fosse.

Acha, porém, que a encrenca não lhe diz respeito: “A crise do Senado não é minha, a crise é do Senado”.

Na sua primeira presidência, em 1995, Sarney nomeou para a diretoria-geral Agaciel Maia, a quem se atribui o mafioso mecanismo da administração secreta.

Sarney passou uma borracha no passado: “Nenhum desses atos são da minha gestão”. E tratou de converter os malfeitos em obra coletiva:

“Todos nós somos responsáveis. Nós aprovamos aqui os atos da Mesa. O Senado, no seu conjunto, aprovou”.

Nos 14 anos da era Agaciel, o Senado editou algo como mil atos administraivos secretos.

Sarney deu à afronta constitucional a parência de um erro menor: “Não sei o que é ato secreto...”

“...O que pode ter é irregularidade da entrada em rede ou não de atos de administração...”

“...Tudo em relação ao passado. Nada do nosso período. Não temos nada a ver com isso”.

Sob a sombra frondosa da copa proporcionada pelas folhas secretas caíram três frutos da árvore genealógica da família de Sarney.

Sem contar a nomeação de uma filha do amigo Silas Rondeau, foram pilhados um neto e duas sobrinhas do presidente. Sarney posou de injustiçado.

“É por isso que querem me julgar? Falta de respeito pelos homens públicos. Se temos erros, não devo deixar de ter erros. Mas esses constituem extrema injustiça”.

“É injustiça do país julgar dessa maneira um homem como eu, de vida austerta, de família bem compota [...]”.

Como um comandante de navio que se queixa do mar, Sarney reclamou da imprensa. Alvejou também empresários e corporações.

Disse que há “muita gente interessada em enfraquecer o Senado”. São “grupos econômicos, setores raicais da mídia, grupos corporativos radiciais”.

Açulou o instinto de sobrevivência dos colegas: “Nesse momento, devemos pensar no Senado. É nele que estou pensando”.

Embora já tenha em mãos o levantamento das malfeitorias secretas do Senado, Sarney não se dignou a submetê-lo ao melhor detergente: a luz do sol.

Adiou para segunda-feira a divulgação. Alegou que o primeiro-secretário Heráclito Fortes convalesce de uma cirurgia.

Com esse gesto, ganhou mais seis dias para organizar a desconversa que utiliza para lidar com a crise. Punições? Nada de concreto foi dito. Só generalidades.

O discurso de Sarney reforçou na cabeça do brasileiro que paga a conta a impressão de que o Senado de hoje não é coisa nossa. Tornou-se cosa nostra.

Escrito por Josias de Souza às 19h55


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